J.R. Guzzo
Estadão
Os governos do Brasil e da França estão em desacordo na questão mais séria que têm entre si. O presidente Emmanuel Macron, na sua recém-encerrada visita ao Brasil, passeou de barco na Amazônia, tirou foto com índio, fez reunião com empresário – enfim, aquelas coisas todas que chefe de Estado estrangeiro mais graduado tem de fazer quando vem ao Brasil. Mas na hora de conversar sobre assunto que realmente interessa, os presidentes da França e do Brasil ficaram de lados opostos.
Lula acha que o acordo comercial abrangente que está sendo discutido há 20 anos com a Europa, dando mais acesso dos produtos brasileiros aos mercados europeus, é bom e teria de ser assinado já. Macron acha que o mesmo acordo, como disse em público, é “péssimo” e que “não é louco” para pôr sua assinatura nele.
DIFÍCEIS DE ENGOLIR – Há, certamente, proposições do Brasil que são difíceis de engolir por parte dos países europeus – como, por exemplo, a exclusão das empresas estrangeiras das compras feitas pelo governo brasileiro. Mas essa, e muitas outras, são coisas que podem ser mudadas.
A trava, no universo das realidades práticas, não está nas questões ligadas à “política industrial”, e sim na crescente resistência dos países ricos à uma mudança estratégica – a que está sendo causada no equilíbrio alimentar do mundo pela maciça, e cada vez mais competitiva, produção agrícola do Brasil.
A não mais do que 30 anos atrás, o Brasil era um grande zero na produção mundial de alimentos. Hoje, está entre os dois ou três maiores produtores e exportadores de comida do mundo, a começar por itens vitais como soja, milho e carnes. Mudou o jogo – e mudou o olhar do Primeiro Mundo sobre o Brasil.
CENTRO DAS TENSÕES – Há mais de um aspecto na questão, é claro, mas o centro das tensões parece estar na dificuldade cada vez maior dos países europeus em lidarem com as suas próprias agriculturas e agricultores. Uma legislação muitas vezes análoga ao suicídio, ano após anos, agride, encarece e criminaliza a produção rural europeia – e reduz a atividade no campo a um pesadelo de subsídios, proibições, exigências e, sobretudo, à ditadura de regras escritas por burocratas bem pagos e bem alimentados, mas em geral sem noção do que estão fazendo.
Só pensam em ambiente, clima, coisas orgânicas – e supõem que é uma excelente ideia suprimir a agricultura e entregar aos governos a tarefa secundária de fazer as pessoas comerem.
O Brasil, com a eficiência da sua
produção, complica ainda mais essas dificuldades. Vêm aí as alegações de
que a agricultura brasileira deveria ter “as mesmas exigências
ambientais” para a ser autorizado a vender comida na Europa. Assim não
vai haver acordo.
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