Deu em O Globo
Último condenado da Operação Lava-Jato que ainda estava preso, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral saiu da cadeia depois de seis anos e 22 dias. Sua libertação tornou-se mais um pretexto para críticas aos exageros da força-tarefa de Curitiba. Mas, por mais que a Lava-Jato tenha cometido excessos e que Cabral já devesse ter sido solto, seu caso na verdade serve para ilustrar outro problema: a dificuldade da Justiça brasileira para condenar um corrupto confesso.
No voto decisivo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) transferiu Cabral para o regime de prisão domiciliar num apart-hotel de Copacabana com vista para o mar, o ministro Gilmar Mendes fez a constatação sensata de que uma prisão provisória tão longa “representava a antecipação da pena”.
INCENTIVO À IMPUNIDADE – Também lembrou que Cabral não está inocentado em nenhum dos vários processos em que é acusado, pois eles ainda não foram a julgamento final. O caso é, portanto, um exemplo acabado de como a legislação penal brasileira funciona como incentivo à impunidade.
Cabral foi alvo da força-tarefa da Lava-Jato no Rio e está denunciado em 35 processos. A Operação Eficiência tratou de seu patrimônio oculto, e a Calicute, lançada a partir de Curitiba para investigar corrupção na construção da usina nuclear de Angra-3, descobriu uma rede montada por Cabral para subornar empreiteiros e empresários.
Ele fez inúmeras confissões a respeito das propinas variadas que recebia, que apelidou de “taxa de oxigênio”. “A tradição era 10%, 20%, 30%. E aqui não quero me eximir, querendo ser bonzinho não, por cobrar 5%. Mas essa era a tradição do segmento”, afirmou Cabral sobre o dinheiro que obtinha em áreas como Educação, Saúde e Transporte.
VICIADO EM DINHEIRO – Houve corrupção na reconstrução do Maracanã e até na terraplenagem do terreno do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaguaí. Condenado em diversos processos a penas que somam 425 anos, ele chegou a fazer autocrítica:
“Foi meu erro de postura, de apego ao dinheiro. Isso é um vício”.
Cabral só era mantido preso preventivamente em razão da decisão do STF do final de 2019 definindo que as sentenças começariam a ser cumpridas não mais mediante a confirmação da pena na segunda instância, mas só depois da sentença definitiva, esgotados todos os infindáveis caminhos que a Justiça brasileira oferece a réus que podem pagar bons advogados.
FILIGRANAS PROCESSUAIS – Entre aqueles que contam com assessoria jurídica competente, capaz de anular provas com base em filigranas processuais ou de estender os recursos até a prescrição dos crimes, voltou a predominar o sentimento de impunidade.
Tão logo a Justiça referendou a suspeição do juiz Sergio Moro na Lava-Jato, os condenados e denunciados pela força-tarefa trataram de limpar seus prontuários judiciais.
Não espanta que Sérgio Cabral, com todas as suas confissões e provas validadas pela Justiça, também se aproveite das brechas oferecidas aos corruptos pela lei brasileira.
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