Samuel Hanan*
O
Senado está próximo de aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) que estabelece o pagamento de um Adicional por Tempo de Serviço
(ATS) de 5% do salário dos membros do Poder Judiciário a cada cinco
anos, conhecido como “quinquênio”. Esse “bônus” será estendido à
remuneração de procuradores e promotores de Justiça, e se traduz em mais
um benefício na longa lista de privilégios concedidos a uma casta da
população brasileira.
A
proposta é do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e
já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida
por Davi Alcolumbre (União-AP), que antecedeu a Pacheco no principal
cargo do Senado. A PEC prevê que esse “bônus” será limitado a 35% do
teto constitucional (subsídio dos ministros do Supremo Tribunal
Federal), hoje no valor bruto de R$ 44.008,52.
Esse
limitador tenta dar ares de moralidade a uma proposta que nada mais é
senão nova amostra de que o país se empenha em aumentar os abismos
sociais, ao invés de buscar caminhos para reduzi-los, já que sua
eliminação parece utopia.
Aprovar
a PEC significará premiar, sem justificativa plausível, uma determinada
categoria que já goza de duas férias por ano, vitaliciedade no cargo,
irredutibilidade nos vencimentos e excelente remuneração, além de vários
outros benefícios inimagináveis em outras carreiras profissionais.
Os efeitos dessa proposta nos cofres públicos serão devastadores. Em Nota Técnica elaborada a pedido do gabinete da liderança do governo no Congresso e divulgada pelo jornal Correio Braziliense (23/04/2024), a Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado estima que os gastos com o quinquênio poderão atingir cerca R$ 81,6 bilhões em apenas 3 anos, de 2024 até 2026.
É
um volume altíssimo de recursos públicos destinados ao Judiciário que,
apesar de ser uma instituição essencial em seu papel constitucional, é
significativamente custosa, pois consome o equivalente a 1,61% do
Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Isso é quatro vezes mais do que a
média internacional (0,4% do PIB) verificada em 53 países analisados em
um estudo do Tesouro Nacional, conforme mostraram reportagens dos
jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo publicadas em janeiro de 2024.
Esse
dado se torna ainda mais impressionante quando se considera que o
Brasil gasta mais que Estados Unidos, Espanha, Portugal e Alemanha, por
exemplo, embora possua número menor de juízes por grupo de 100 mil
habitantes.
No comparativo
de gastos do Poder Judiciário somados ao do Ministério Público e da
Advocacia Pública, o Brasil dispende 1,80% do PIB, ante 0,39% da
Alemanha, 0,20% da França e 0,13% da Argentina.
Esses
levantamentos, por si só, já demonstram que uma proposta como essa é
inadequada para um país em que os governantes reclamam constantemente da
falta de recursos públicos.
O
quadro é ainda pior porque o relatório aprovado pela CCJ do Senado
incluiu entre os beneficiados pelo quinquênio ministros e conselheiros
dos tribunais de contas, advogados públicos, defensores públicos e
delegados da Polícia Federal. É a expansão da velha “cortesia com o
chapéu alheio”, no caso, os impostos pagos pela população brasileira.
Difícil entender a lógica da proposta, até porque a PEC não foi
iniciativa do Poder Judiciário, como seria de se esperar, e busca trazer
de volta um privilégio extinto em 2005.
A
matemática alerta: os gastos com o Judiciário, de cerca de R$ 175
bilhões por ano, deverão subir para R$ 202 bilhões a R$ 205 bilhões
anuais. Esse montante a mais (R$ 81,60 bilhões) seria suficiente para a
construção e doação às famílias de baixa renda de mais de 350 mil casas
populares nos próximos três anos, gerando milhares de empregos na
construção civil e garantindo bem-estar e dignidade a mais de 1 milhão
de brasileiros que vivem em condições de pobreza absoluta.
Cabe
lembrar o ensinamento do economista e professor Mário Henrique Simonsen
(1935-1997), ex-ministro da Fazenda e do Planejamento na década de
1970, que em sala de aula sempre orientava seus alunos para nunca se
esquecerem de que “as necessidades de uma população são infinitas e os
recursos financeiros são finitos, portanto, resta priorizar todas as
ações”.
Assim, em outras
hipóteses, o valor de R$ 27,20 bilhões/ano necessário para custear o
quinquênio poderia ser investido em duas áreas prioritárias para redução
das necessidades da população brasileira: saúde e segurança pública.
Na
saúde, viabilizaria a expansão do sistema único de saúde (SUS) em cerca
de 15%, aperfeiçoando o atendimento nesse segmento vital a população.
Hoje, o SUS consome R$ 140 bilhões a 145 bilhões/ano e o reforço de R$
21 bilhões/ano significaria maior capacidade de atendimento e muitas
vidas salvas.
Na segurança
pública, seria um recurso muito importante para se buscar a redução
drástica da entrada de drogas e armas em território nacional e para
combater o poder das facções criminosas, por meio da expansão da
presença da Polícia Federal nos portos, aeroportos, fronteiras
marítimas, fluviais e terrestres. Seria possível assegurar o aumento nos
gastos da União nessa área, via Ministério da Justiça e Segurança
Pública, dos atuais R$ 18,80 bilhões/ano para R$ 24,50 bilhões/ano, isto
é, um acréscimo de 35%, ou R$ 6,58 bilhões/ano.
Virando-se
as costas para essas necessidades, aumentar os privilégios aos membros
do Judiciário somente acentua o abismo social que caracteriza o país,
tão cheio de carências. O argumento de que a PEC visa a manter a
carreira atrativa diante das vantagens oferecidas pela iniciativa
privada não se sustenta. O Judiciário já possui uma série de benefícios
que permite aos seus membros, inclusive, receber acima do teto
constitucional por meio de penduricalhos (auxílio-moradia, abono
permanência e outros) instituídos como de caráter “indenizatório” como,
aliás, acontecerá com o quinquênio que agora se propõe. Além disso, a
média de 12.000 inscrições para cada um dos últimos concursos de
ingresso na Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
mostra que a carreira está muito longe de se apresentar desestimulante.
Ao
propor mais benefícios ao Judiciário, o Senado contraria a necessidade
do país de diminuir as enormes desigualdades sociais e, em consequência,
atenuar o sofrimento de milhões de brasileiros.
A
PEC do Quinquênio é o mais novo sinal da metástase dos privilégios que
vem tomando conta do país, contaminando o orçamento público e minando as
esperanças da população.
*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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