Por José Carlos Abissamra Filho*
O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de escrever um novo capítulo de um debate que agita os corredores do sistema judiciário brasileiro há alguns anos: a legitimidade do Ministério Público para conduzir investigações policiais. Em que pese ter decidido em favor da existência de tal direito, sob uma análise atenta da Constituição Federal, surge a pergunta inevitável: de onde se tirou que procuradores e promotores podem investigar?
O fato é que não há disposições constitucionais que concedam explicitamente ao órgão esses poderes. O artigo 129 da nossa Constituição Federal, que delineia as funções do Ministério Público, não menciona tal atribuição. O mesmo vale para o artigo 144, que trata da segurança pública e das responsabilidades de investigação.
Da primeira vez em que foi tomada, em 2015, a decisão não foi consensual. O ministro Marco Aurélio, por exemplo, entendia que nossa Carta Magna não respaldava tal atribuição.
Revisitando a matéria, cujo julgamento foi concluído em 2 de maio, o STF perdeu uma grande oportunidade de corrigir o que era necessário, optando por manter disfuncionalidade, ao invés de reconhecer a manifesta desconformidade, formal e material, do poder investigativo ministerial com o ordenamento jurídico.
O Ministério Público não tem poderes investigativos, tanto assim que foi necessário invocar a teoria dos poderes implícitos para justificá-los, e essa expansão de poderes, naturalmente, não é isenta de problemas. A sobreposição de atribuições entre o MP e as forças policiais vem comprometendo há anos a eficiência do sistema de justiça.
Apesar de alguns números ou alegações que pudessem ser apresentados no sentido de que investigações ministeriais justificar-se-iam, um olhar macro permite constatar o oposto: aumento da criminalidade nos últimos anos, especialmente, a organizada, e aumento, com a mesma intensidade, da sensação de impunidade. A disfuncionalidade impera no nosso sistema, indicando que o estado de coisas inconstitucional vai muito além das unidades prisionais.
O modelo institucional concebido pelo Código de Processo Penal de 1941 destinava à autoridade policial a competência investigativa, visando evitar conclusões precipitadas e garantir uma análise completa dos fatos. Ao mesmo tempo, cabe ao MP, órgão imprescindível à administração da justiça, funções próprias, entre elas, a de promover privativamente a ação penal pública e a de exercer o controle externo da atividade policial.
A manutenção do posicionamento do STF, ainda que com pouquíssimos ajustes, não alterará a nossa realidade.
A divisão de tarefas entre os órgãos de persecução penal é crucial para a eficiência da administração pública, e isso foi ignorado. As polícias Federal, Civil e Militar têm responsabilidades específicas que contribuem para o funcionamento harmonioso do sistema. A especialização é uma característica essencial tanto na iniciativa privada quanto na esfera pública, e não deveria ser diferente com o Ministério Público.
Hoje, quase uma década após o precedente que concedeu poderes investigativos ao Ministério Público, é evidente que essa sobreposição de atribuições não trouxe os benefícios esperados. Pelo contrário, prejudicou a funcionalidade do Direito e a especialização de cada órgão.
Lamentamos que a Suprema Corte tenha perdido essa grande oportunidade de devolver a funcionalidade ao nosso sistema.
*José Carlos Abissamra Filho – É advogado criminalista, Doutor e Mestre pela PUCSP, foi diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) por quase uma década e é autor de, entre outros, Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais, livro lançado em agosto pela Juruá Editora.
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