BLOG ORLANDO TAMBOSI
Haverá um segmento da população americana, tanto do lado dos Republicanos como dos Democratas, que está animado para ver Trump nos tribunais enquanto faz campanha para a nomeação. Ricardo Silvestre para o Observador:
No
filme Gladiador, do realizador Ridley Scott, existe um momento,
discreto, com uma severa crítica social para a altura dos Jogos Romanos
mas que pode ser transportada para os dias de hoje. Maximus,
brilhantemente representado por Russell Crowe, ao ganhar um conjunto de
combates num qualquer coliseu secundário, vira-se para a plateia, que
está em silêncio, impressionada pela sua capacidade de lutar, e grita,
“Are you not entertained?!” A tradução para português não faz a frase
soar tão bem como no original, podendo ser ‘Não estão entretidos!?’, ou
‘Não estão divertidos?’. A crítica oferecida nesse momento é a
necessidade da plateia, do espectador, do ser humano, de ser entretido,
de estar divertido, mesmo na face do caos, da brutalidade e do
sofrimento.
O
entretenimento preenche a nossa vida, e é procurado para completar
outras necessidades. Pode ser encontrado na arte, no desporto, na
filosofia, nas relações humanas. Porém, normalmente, não se pensa em
governação e em política como uma fonte de entretenimento. Ao longo do
tempo, políticos souberam explorar a vertente de entretenimento para
fazer o cidadão ignorar questões de governação. Voltando ao império
romano, desta vez no mundo real, pão e circo foi um tipo de política
implementada durante a administração de Caio Semprônio Graco para
condicionar o interesse da plebe romana pelas maquinações da política.
Em Portugal, basta lembrar os três f’s, “Futebol, Fado e Fátima”, que
serviam para distrair os portugueses da administração brutal e
empobrecedora do Estado Novo.
Política
e governação tendiam, até há bem pouco tempo e de uma forma
maioritária, a ser vistas como uma atitude nobre e um comportamento
sério. Uma esfera de intervenção para os mais instruídos, com mais
conhecimento técnico, ou sociológico, ou com a experiência de anos
passados no processo que se traduz em legitimidade e valor. Esta
majestade e valor têm-se perdido gradualmente, também em Portugal, para
dar lugar a arruaceiros, oportunistas e cínicos. Políticos que se apoiam
em mensagens de populismo infantil, ou com certezas típicas de quem
sofre do efeito Dunning–Kruger, onde os ignorantes e incompetentes
tendem a sobrestimar as suas capacidades mentais ou de liderança.
Nos
Estados Unidos da América, este fenómeno é ainda mais extremo (como são
muitas coisas naquele país). Nos últimos anos a política nos USA passou
a ser clubismo, interesse desmedido, matéria para polarização e guerras
culturais. A percentagem de americanos que agora querem prestar atenção
à política para estarem entretidos merece uma reflexão cuidada. No
primeiro debate para a nomeação do candidato pelos Republicanos para a
eleição presidencial de 2024, quando confrontados com a pergunta
“apoiaria o candidato Trump para a eleição mesmo que seja condenado em
tribunal”, sete em nove levantaram o braço a dizer que sim. O que seria
impensável observar na política americana há uma década, o partido
Republicano estar perfeitamente confortável com um criminoso a ser o seu
representante, é agora uma inevitabilidade. E esta normalização absurda
acontece porque a base do partido assim o quer. Uma sondagem da
Reuters/Ipsos mostra que 35% dos Republicanos disseram que votariam em
Trump mesmo que fosse condenado por um júri de pares, e 28% disseram que
votariam nele mesmo que estivesse preso no momento da eleição.
Haverá
um segmento da população americana, e, diga-se, tanto do lado dos
Republicanos como dos Democratas, que está animado (por razões
diferentes) para ver Trump nos tribunais enquanto faz campanha para a
nomeação. De saber se os julgamentos vão acontecer antes das eleições.
Se os seus coconspiradores vão testemunhar contra ele, ou se preferem ir
para a prisão do que denunciá-lo. Se o partido Republicano continuará a
apoiar o seu líder à medida que mais informação dos seus alegados
crimes são tornadas públicos. Se haverá câmaras nas salas de audiências.
Se Trump irá quebrar as condições para estar em liberdade enquanto
espera pelos julgamentos. Em última análise, se o vencedor na nomeação
poderá estar em prisão efetiva (apesar de muito improvável) enquanto
aceita a nomeação, ou quando concorrer para presidente.
Está
assim montado um circo que traz uma nova dimensão de entretenimento,
seja por identificação ou schadenfreude, para experimentar no Twitter
(este autor recusa-se a usar a expressão que o dono da companhia quer),
em blogs, em programas televisivos ou talk radio. E a política deixa de
ser uma forma de servir o público, de zelar pelos seus interesses, de
trabalhar para o bem comum, e passa a ser um espetáculo para entreter as
hostes, fazendo com que se vote na pessoa mais estapafúrdia,
inconsequente e ignóbil porque é divertido. É a política-entretenimento
como a forma de convencer o cidadão de qual é a sua melhor
representação. É um cenário confrangedor e aflitivo, mas parece-me ser
muito complicado voltarmos ao que era (devia ser).
Postado há 3 weeks ago por Orlando Tambosi
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