Entre perpetuar o populismo lulo-petista e defender seu patrimônio, os referidos cidadãos optam pela primeira alternativa. Será o caso de dizer que somos uma sociedade de otários? "Da professorinha rural à Petrobras", coluna do professor Bolívar Lamounier no Estadão:
No
começo dos tempos, os deputados gastavam boa parte de seu tempo
pleiteando a nomeação de parentes e amigos para a agência local dos
correios ou para o ensino primário rural.
As
coletividades locais não se importavam com isso, pois de alguma forma
tais funções haveriam de ser preenchidas, e não sentiam impacto algum em
suas vidas, se o fossem pela influência de algum deputado ou por algum
outro meio.
Reparem
que a dimensão dos impactos é fundamental. Uma prática política pode
ser considerada imoral não só porque incorpora valores que a sociedade
condena, mas também em razão do alcance das consequências perversas que
pode produzir sobre a coletividade.
No
plano dos valores, raramente questionamos a atividade dos governos,
porque somos um País quase sem religião e moral, no sentido profundo dos
dois termos. Somos indiferentes às questões mais importantes que
avultam no debate público, mas não vacilamos em qualificar como
desonestas as posições de pessoas pelas quais temos antipatia, já
sabendo que elas nos pagarão na mesma moeda. Se assim é, de onde, então,
poderia vir o impulso para um combate sério à corrupção? Imagino que
tal impulso, se e quando vier, terá de vir do interesse individual,
quero dizer, do cálculo utilitário de vantagens e desvantagens. Em tese,
o menos letrado dos ignorantes deveria compreender que um presidente
que quase quebra a Petrobras está quebrando uma parte de seu patrimônio e
da parte dele que poderia legar a seus filhos e netos. Se lê jornais,
deve saber que o Brasil foi obrigado a pagar bilhões de dólares aos
acionistas americanos da empresa, mas parece não se importar. Tanto não
se importa que aí estão milhões de cidadãos declarando intenção de voto
no sr. Luís Inácio Lula da Silva, na esperança até de elegê-lo no
primeiro turno. Quer dizer: entre perpetuar o populismo lulo-petista e
defender seu patrimônio, os referidos cidadãos optam pela primeira
alternativa. Será o caso de dizer que somos uma sociedade de otários?
Essa
interpretação é tentadora, mas vamos com calma. Muitos dos que nos
parecem otários são na verdade espertíssimos. Dão de ombros para
qualquer embate público porque não têm do que se queixar: são ricos ou
já têm seu lugar assegurado entre os privilegiados do serviço público.
Pelo que me consta, existem entre os servidores públicos 50 carreiras
com um salário médio de R$ 29 mil. Mas e os outros milhões que se
dispõem a ver Lula no Planalto por mais quatro ou oito anos?
Lembremos,
primeiro, que o Brasil - como dezenas de outros países -, é brutalmente
desigual no que toca à escolaridade e ao conhecimento. Os quinze ou
vinte por cento situados no topo apreendem e processam os fatos que leem
no jornal sem dificuldade. Os quarenta ou cinquenta por cento abaixo
sabem ler e escrever, mas não compreendem boa parte das informações a
que têm acesso, e por isso se desinteressam delas, inclusive de muitas
que podem ter impacto direto em suas vidas. Os quarenta ou trinta por
cento inferiores quase nada assimilam, seja porque são faltos em
escolaridade, seja porque saem cedo para trabalhar e chegam em casa
tarde e exaustos. Não têm, portanto, como apreender os fatos noticiados e
muito menos estabelecer alguma conexão entre eles e seus interesses
pessoais e familiares.
Mas
essa é só uma parte da história. Nas democracias, a política sempre
implica negociação. Esta afirmação se aplica à grande maioria das
questões que aparecem na agenda pública, mas os negociadores são menos
numerosos e muito mais poderosos conforme a importância (vale dizer, o
alcance das consequências) que tendem a produzir. Mas a negociação
sempre se impõe, sendo, pois, forçoso admitir que haverá situações nas
quais um ou mais dentre os protagonistas terão de apoiar alternativas
que, no fundo, consideram imorais. Suponhamos que você, uma pessoa
moralmente rigorosa, fosse um dia parar na Câmara dos Deputados. Um
colega pede o seu apoio para um projeto que você considera ruim ou
imoral. Se não for um projeto de grande alcance (um daqueles
depreciativamente designados como “meramente municipal”), você tenderá a
atender seu colega, pela singela razão de que precisará dele quando for
apresentar aquele projeto que acalentava desde a campanha eleitoral.
Nos Estados Unidos, isso se chama horse-trading. “Vá lá, o mundo não vai
acabar por isso”, é um pensamento que talvez lhe passe pela cabeça.
Suponhamos,
porém, que a situação hipotética de que estamos tratando seja um ataque
manifestamente eleitoreiro à uma agência reguladora como a Agência
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), cuja importância a pandemia
tem posto em relevo diariamente? Ou uma questão de corrupção em larga
escala, como a que se evidenciou na Petrobras - corrupção premeditada
para beneficiar meia dúzia de empresários inescrupulosos, desmoralizando
nosso País no exterior, afugentando investimentos, impedindo a
recuperação da economia e aumentando o desemprego. Em tais casos, você
dirá “vá lá, o mundo não vai acabar por causa disso”?
SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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