BLOG ORLANDO TAMBOSI
O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Carlos Alberto Di Franco para o Estadão:
Jornalismo
é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O
jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância
ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e
na integridade da sua opinião.
A
ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A
interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem
investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o
desejo dominante de descobrir e contar a verdade.
Outra
coisa, bem diferente, é o jornalismo de suspeita. O profissional
suspicaz não tem “olhos de ver”. Não admite que possam existir decência,
retidão, bondade. Tudo passa por um crivo negativo que se traduz numa
incapacidade crescente de elogiar o que deu certo. O jornalista não deve
ser ingênuo. Mas não precisa ser cínico. Basta ser honrado,
trabalhador, independente.
A
fórmula de um bom jornal reclama uma balanceada combinação de convicção
e dúvida. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade,
acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da
denúncia fundamentada.
Precisamos,
independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e
corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a
coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos
bons jornalistas. Essa atitude, contudo, não se confunde com o cinismo
de quem sabe “o preço de cada coisa e o valor de coisa alguma”. O
repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode
deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do
começo da carreira. Todos os dias. O coração do repórter deve pulsar em
cada matéria.
Alguns
desvios, no entanto, podem comprometer o resultado final do trabalho. A
precipitação é um vírus que ameaça a qualidade informativa. Repórteres
carentes de informação especializada e de documentação apropriada ficam
reféns da fonte. Sobra declaração, mas falta apuração rigorosa. O poder
público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é
importante, mas não é a única. Muitas histórias interessantes estão para
ser contadas. Precisamos fugir do show político e fazer a opção pela
informação que realmente conta. Só assim, com didatismo e equilíbrio,
conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
A
incompetência foge dos bancos de dados. Troca milhão por bilhão. E,
surpreendentemente, nada acontece. O jornalismo é o único negócio em que
a satisfação do cliente (o leitor) parece interessar muito pouco. O
jornalismo não fundamentado em documentação é o resultado acabado de uma
perversa patologia: o despreparo de repórteres e a obsessão de editores
com o fechamento. A chave de uma boa edição, no impresso e no digital, é
o planejamento. Quando editores não formam os seus repórteres, quando a
qualidade é expulsa pela ditadura do deadline, quando as entrevistas
são feitas só pelo telefone e já não se olha nos olhos do entrevistado,
está na hora de repensar todo o processo de edição.
O
culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na
outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto.
E o dogma do politicamente correto não deixa saída: de um lado, só há
vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é
assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas
argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade,
os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa
dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas
idiossincrasias.
Os
riscos de instrumentalização da imprensa são evidentes. Por isso é
preciso revalorizar, e muito, as clássicas perguntas que devem ser
feitas a qualquer repórter que cumpre pauta investigativa. Checou? Tem
provas? A quem interessa essa informação? Trata-se de eficiente terapia
no combate ao vírus da leviandade.
O
esforço de isenção, no entanto, não se confunde com a omissão. O leitor
espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível
dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais
seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.
Finalmente,
precisamos ter transparência no reconhecimento de nossos eventuais
equívocos. Uma imprensa ética sabe reconhecer os seus erros. As palavras
podem informar corretamente, denunciar situações injustas, cobrar
soluções. Mas podem também esquartejar reputações, destruir patrimônios,
desinformar. Confessar um erro de português ou uma troca de legendas é
fácil. Porém admitir a prática de atitudes de prejulgamento, de
manipulação informativa ou de leviandade noticiosa exige coragem moral.
Reconhecer o erro, limpa e abertamente, é o pré-requisito da qualidade
e, por isso, um dos alicerces da credibilidade.
Os
desafios de um mundo disruptivo são muitos. E só há uma receita
duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais
crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva.
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