Depois de esbravejar para as nuvens, me ponho a tentar entender a lógica
supostamente virtuosa por trás de medidas estúpidas contra o
coronavírus. Paulo Polzonoff Jr., via Gazeta:
A raiva nasce de uma sensação de impotência. É quando a gente olha
para um lado e para outro tentando encontrar uma saída, não consegue e
se vê tomado por um desejo irracional de abrir caminho à força. Daí
saímos xingando, colocando carinha de ódio nas redes sociais, subindo
hashtags indignadas, esbravejando contra as nuvens.
Quis fazer tudo isso e mais um pouco na terça-feira (30), quando, em
meio ao tal ciclone bomba e depois de três meses de medidas restritivas
de todos os tipos, o governador do Paraná, Ratinho Jr., anunciou o
lockdown no estado. Prevendo a reação negativa, vossas excelências, os
marqueteiros, ainda se saíram com um eufemismo – quarentena restritiva –
para amenizar o impacto das decisões tomadas no conforto dos palácios.
Naquele dia, me senti como um camundongo – pisoteado pela bota pesada
do Estado. Um escravo – de cabeça baixa prestando humildemente
obediência à mão que me açoita sem qualquer misericórdia. Um servo –
obrigado a sustentar o senhor feudal à custa da minha própria fome. Um
prisioneiro – impedido de tomar as decisões mais simples do cotidiano
sem a anuência de um carcereiro invisível e prepotente.
Mas aí dormi a melhor noite de sono possível e me pus a tentar
entender o que se passa na cabeça de nossos governantes. A imaginar qual
a lógica supostamente virtuosa por trás de medidas escancaradamente
estúpidas como proibir o funcionamento dos supermercados aos domingos ou
a circulação de pessoas entre 22h e 5h. E por “governantes” não me
refiro aqui apenas à pessoa que ocupa o cargo máximo do Executivo. Estou
pensando em todos os burocratas e tecnocratas envolvidos no cerceamento
desta que é a liberdade mais básica de todas: a do ser humano trabalhar
e ganhar seu sustento.
É muito fácil recorrer apenas à raiva. Dizer que tudo é uma grande
bobagem ou, pior, um plano globalista para destruir o capitalismo – ou
qualquer teoria da conspiração do gênero. Tão fácil quanto é ceder ao
medo impulsionado pelos gráficos apocalípticos que ontem pediam o
achatamento da curva e hoje pedem... O que pedem? Mas ficar restrito à
raiva e ao medo significaria também ignorar a fascinante complexidade
que é o ser humano, suas decisões dúbias e seus sistemas de governo
extremamente falhos.
Cerveja e frango a passarinho
Por decisão do próprio governador, infelizmente não posso me sentar
com ele e seus assessores para, diante de uma bela porção de frango a
passarinho e alguns copos de cerveja, descobrir o que se passa em suas
cabeças. Uma pena. Porque realmente gostaria de ver confirmada minha
tese de que não há (ao contrário do que diz minha raiva) má-fé nessas
medidas inúteis antipandemia. Queria poder dizer com toda a certeza do
mundo que nossos governantes estão fazendo o “seu melhor” – embora o
melhor deles, neste caso, se resuma a um monte de medidas tomadas a
esmo, mais por instinto do que por razão.
Daí imagino o governador rodeado pelos burocratas, cada qual com uma
proposta salvadora – a despeito de a história recente mostrar que os
lockdowns não evitam mortes. A tudo ele escuta com paciência e um
tiquinho de pavor. Ele teme entrar para a história como O Homem que Não
Fez Nada. O que é legítimo. Quem gostaria de um epitáfio desses? E
pensar que há apena um ano e meio, quando se sentou no trono do Palácio
Iguaçu, seus inimigos eram coisas mais prosaicas, como a corrupção
endêmica e a eterna chorumela dos professores.
Vale lembrar ainda que Ratinho Jr., bem como os governadores de
outros estados, tem em seu encalço o incansável Ministério Público
Estadual – uma espécie de fraternidade de escolhidos que acreditam que
sabem o que é melhor para todos. Daí o imagino recebendo o representante
do MP, quem quer que seja, com seus memorandos e ofícios e latinório e a
arrogância típica do concurseiro bem-sucedido, lhe dizendo que ele tem
que fazer alguma coisa. Que coisa? Ora, que tal restringir o
funcionamento dos supermercados a 30% da capacidade?
A medida carece de qualquer base científica (por que não 25% ou 37,2%
ou 49%?) e vai gerar transtornos enormes para a população. Mas quem se
importa se ela basta para passar a impressão de que o governador está
fazendo algo para evitar uma tragédia que, até aqui, por onde passou o
coronavírus, se mostrou inevitável?
O modelo matemático é a versão contemporânea do proverbial brioche de
Maria Antonieta – que, aliás, nunca disse aquela frase, coitada.
É assim que imagino o desastre se formando na cabeça bem-intencionada
dos nossos governantes: entre o medo do MP e o medo de figurar nos
dicionários do futuro como sinônimos de fracasso ou, pior, covardia.
Talvez uns estejam até arrependidos de terem entrado para a política
justo agora, quando bem poderiam viver o melhor da vida esbanjando a
fortuna. Sim, também é possível que uns, enquanto fazem a lista de
compras para a Maria, que passará horas geladas na fila do mercado,
batam no peito e anunciem para o espelho a própria glória: eu contive o
coronavírus.
Enquanto isso a nós, os camundongos, os escravos, os servos e os
prisioneiros, resta a resignação dos versos de Manuel Bandeira, da
quarentena eficaz que podia ter sido e não foi e do último tango
argentino, que será ouvido e chorado, mas não dançado. Porque o senhor
governador, os burocratas do MP e um ou outro cientista enfastiado com a
própria perspicácia não deixam.
BLOG ORALNDO TAMBOSI
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