As dezenas de milhares de índios que eram escravos do Chefe Seattle e
dos outros caciques nativos não contam para as estatísticas dos
acadêmicos modernos? Claro que não. Artigo de José Miguel Pinto dos
Santos, publicado pelo Observador:
Seattle foi, em várias dimensões, não só um grande Chefe, mas um
grande Homem. A começar pelo tamanho. Os empregados da Hudson’s Bay
Company chamavam-lhe Le Gros, O Grandalhão, devido à sua grande
estatura, estimada em 1,80m, no mínimo. Terá nascido em 1786, ou um
pouco antes, filho de Shweabe, Chefe dos Suquamish, e de Sholeetsa,
filha e irmã de chefes dos Duwamish. Tal como as famílias reais
europeias da época, os chefes índios americanos tendiam a casar com
princesas, não com plebeias. Costume que, curiosamente, se encontra
também na China, na Índia, no Japão, nas tribos africanas e até nu PS. A
endogamia é uma doença genética, que afeta quase todos os chefes dos
vários ramos da grande família humana e para a qual não há vacina nem
cura.
Seattle ganhou fama, ainda jovem, como líder e guerreiro. Tinha fama
de ser um grande orador, persuasivo no raciocínio e potente de voz. Voz
que se ouvia, relata-se, a mais de um quilómetro de distância, sem
microfone nem megafone. A sua coragem física e sentido estratégico
permitiu-lhe vencer as inúmeras batalhas que defrontou durante a sua
juventude e idade madura contra tribos vizinhas e rivais. Não se sabe ao
certo quantas batalhas terá travado e vencido, mas não há que duvidar
que não foram menos numerosas ou menos mortíferas que as travadas por
Alcibíades, Subutai, Nobunaga, Napoleão ou Suvorov.
Seattle já teria uns 60 anos quando, em 1847, comandou os Suquamish
naquela que terá sido a sua batalha mais famosa, contra os Chimakum, no
território agora chamado Quimper Peninsula. Os guerreiros Chimakum foram
vencidos e os sobreviventes foram todos mortos. Depois da batalha,
também os velhos nas aldeias Chimakum foram chacinados, assim como todas
aquelas mulheres e crianças que não foram feitas escravas. Também
grandes chefes são por vezes brutais e desumanos, ofuscados pelas
falácias habituais: “é costume”, “é necessário”, “eles também o fariam” e
“qual é o mal? Fomos educados assim…”
Deste modo, os Chimakum foram erradicados, algo que não saberíamos
hoje, se ao tempo já não vivessem na região alguns colonos vindos da
costa Leste. Se este acontecimento tivesse ocorrido nos nossos dias é
possível que houvesse algumas vozes entre o hétero-patriarcado branco a
dizer que Seattle e os seus guerreiros eram culpados de genocídio.
Acusação movida por motivos racistas, ripostaria qualquer deputada do
Bloco, já que os Suquamish não eram europeus, e que é desrespeitadora da
milenar cultura & costumes dos povos nativos e, como tal,
merecedora do repúdio de qualquer progressista admirador de um Estaline
ou de um Maduro.
Seattle, fruto das suas numerosas vitórias, era possuidor de inúmeros
escravos. Como, aliás, o eram Washington e Jefferson, os imperadores
Mogol na Índia e Qing na China, os Castros em Cuba e u PS em Portugal.
Curiosamente, escritos académicos recentes sobre os Territórios do
Oregon e de Washington, desagregado este do primeiro em 1853, discutem
se o número de escravos nestes vastos territórios era, na altura, de
dois ou de três. A grande questão atual prende-se em determinar se
Charles Mitchell (1847—c. 1876), o potencial número três, que nascera
numa plantação em Maryland, filho de uma escrava negra e de um homem
branco, e que acompanhara James Tilton (1820—1878), nomeado Agrimensor
Geral do Território de Washington, era de facto escravo ou não.
E as dezenas de milhares de índios que eram escravos do Chefe Seattle
e dos outros caciques nativos não contam para as estatísticas dos
académicos modernos? Claro que não. Por dois motivos. O primeiro é
porque os donos dos escravos não eram brancos. O segundo é porque os
escravos não eram negros. A conceção atual de racismo deixou para trás
os comportamentos discriminatórios individuais como irrelevantes e
evoluiu para se focar nas forças estruturais e impessoais que atuam para
abafar as aspirações das pessoas de cor, mesmo quando é impossível
identificar atos discriminatórios concretos. Nesta conceção, os europeus
ou brancos estão na história universal como parte de um padrão cultural
que, inevitavelmente, explora os outros povos, assim como no caso
americano os brancos, todos os brancos, e as suas instituições políticas
são uma superstrutura impessoal, que automática e cegamente oprime os
negros, todos os negros. A critical race theory, como este desvario é
chamado nas faculdades de desumanidades e de estudos anti-sociais,
postula que são categorias rácicas, sexuais e de desorientação líbica
que posicionam as pessoas ou como opressoras ou oprimidas—racismo de que
só seremos libertados quando todas as atuais estruturas sociais, que
são intrinsecamente racistas, forem destruídas e regressarmos à selva.
Por isso mesmo, Lincoln e Grant, duas figuras pivotais na abolição da
escravatura nos Estados Unidos, são hoje considerados símbolos do
racismo e as suas estátuas são destruídas. E o esclavagista Chefe
Seattle? Esse é categorizado como um santinho e as suas estátuas
continuam de pé. Mesmo na comuna de Seattle. E ainda bem, porque apesar
dos seus defeitos, que incluíam o não reconhecer, tal como os sultões do
séc. 19, a dignidade intrínseca de todos os seres humanos, Seattle foi
de facto um grande Chefe!
Mais: por muitas perversidades & pecados que o Chefe Seattle
tenha cometido, eles foram-lhe todos perdoados por Deus nosso Senhor
quando ele se converteu ao catolicismo e se batizou em 1848, um ano após
a chacina dos Chimakum. E, se bem que Sua Santidade ainda não o tenha
beatificado, o Chefe Seattle já foi canonizado e é considerado um santo
pelo ecologismo moderno devido a um famoso discurso que terá pronunciado
em defesa dos direitos do ambiente e da mãe terra.
Seattle, como grande estratega e valoroso guerreiro que era, era uma
realista. Assim soube, estratégica & corajosamente, não entrar em
conflito com os colonos que no fim da sua vida começaram a entrar pelos
territórios dos Suquamish adentro, mas negociou um conjunto de direitos
para o seu povo, hoje geridos pela Port Madison Enterprises, o braço
empresarial da tribo. Isto valeu-lhe o respeito dos colonos que, ainda
antes da sua morte em 1866, impuseram o seu nome à capital do
Território.
Seattle foi indubitavelmente um grande Chefe, mas fica a dúvida:
porque será que não há nenhum antirracista ou anti-esclavagista, dos
verdadeiros, dos a sério, dos feitos na fibra de Martin Luther King, a
exigir aos Suquamish dos nossos dias um pedido de desculpas pela
escravidão, opressão e massacre dos Chimakum? Ou será que que os
Chimakum não eram gente?
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