Que pós-verdade, que nada! A verdade existe, sim, e reside na
concordância entre nossas ideias, pensamentos e declarações e os fatos.
Orwell encarou, em alguns de seus escritos, a questão da verdade
objetiva, hoje renegada pela imprensa e pela academia, onde impera o
relativismo. Resenha de minha autoria. Fale, Orwell:
Sobre a Verdade, livro recentemente lançado no Brasil pela Companhia
das Letras (por enquanto, só em versão e-book), é uma seleção de textos
de George Orwell organizada por Alan Johnson, político trabalhista
inglês e ex-ministro, sobre a questão da verdade, que preocupou o
escritor britânico tanto como jornalista quanto como literato.
Os artigos e ensaios citados no livro não tratam, obviamente, da
verdade como problema epistemológico. Mas, ainda que a organização dos
tópicos não escape ao viés esquerdista de Johnson (e Orwell também foi
esquerdista na juventude), constitui uma boa seleção sobre a visão do
célebre autor da distopia 1984.
É nos pequenos ensaios de Orwell que Johnson rastreia o conceito de
verdade, observando que, “ainda que ele esteja convencido de que
conceitos como justiça, liberdade e verdade objetiva sejam ilusões
poderosas”, é nelas que as pessoas acreditam.
Orwell cristalizou suas concepções no curso da Segunda Guerra
Mundial. Segundo Johnson, “ele era um patriota que entendeu as ameaças
do fascismo e do comunismo (o pacto entre Hitler e Stálin foi um ponto
de inflexão crucial), e isso inspirou os seus dois romances mais
conhecidos”, A Revolução dos Bichos e 1984 – este último foi publicado
em 1949, sete meses antes de sua morte, e vende milhões de exemplares
ainda hoje, sendo incluído em todas as listas dos melhores romances em
língua inglesa.
CONTRA O RELATIVISMO
Nos escritos selecionados para o livro, em nenhum momento Orwell
relativiza a questão da verdade, diferentemente da posição hoje
dominante nas Ciências Humanas e no jornalismo, que em geral nega a
objetividade do conhecimento, a existência de fatos independentes e a
própria verdade. Embora reconheça que a história pode ser tendenciosa e
inexata, Orwell critica “o abandono da ideia de que é possível escrever a
história com veracidade”:
“No passado, as pessoas mentiam descaradamente, ou inconscientemente
falseavam o que escreviam, ou então se empenhavam em registrar a
verdade, sabendo que iriam cometer muitos equívocos; porém, em todos
esses casos, elas estavam convencidas de que os ‘fatos’ existiam e eram
mais ou menos passíveis de descoberta. E na prática sempre houve um
corpo significativo de fatos reconhecíveis por quase todo mundo”.
O escritor cita a teoria nazista como exemplo de negação da verdade.
“Não existe, por exemplo, algo que se chama ‘ciência’. Há apenas a
‘ciência alemã’, a ‘ciência judaica etc. O objetivo implícito dessa
linha de pensamento é um mundo de pesadelo no qual o Líder ou algum
grupo dominante controla não so o futuro como também o passado. Se o
Líder afirma que tal evento ‘nunca aconteceu’ - bem, então nunca
aconteceu”.
Em outra passagem, Orwell afirma que “Hitler pode dizer que os judeus
começaram a guerra, e, se ele sobreviver, essa será a história
oficial”. Passa-se a duvidar da existência da verdade objetiva, “porque
todos os fatos têm se se encaixar nas palavras e nas profecias de um
“Führer infalível. Em certo sentido, a história deixou de existir, isto
é, não há mais uma coisa como uma história da nossa época que possa ser
universalmente aceita”.
Conservadores, comunistas, pacifistas, anarquistas e outros também
partilham a mesma atmosfera mental, ainda que com ênfase variada.
“Ninguém busca a verdade, todos estão defendendo uma ‘causa’, com total
desconsideração pela imparcialidade ou pela veracidade, e os fatos mais
patentemente óbvios acabam ignorados por quem não quer saber deles”.
Orwell também condena a deturpação da história: “muitos dos escritos
propagandísticos da nossa época não passam de meras invenções. Fatos
concretos são suprimidos, datas alteradas, citações retiradas do
contexto e adulteradas de modo a mudar o seu significado. Aqueles
eventos que se considera que não deveriam ter ocorrido deixam de ser
mencionados e são até negados”. Sirva de exemplo o totalitarismo, que
“exige a alteração contínua do passado, e no longo prazo provavelmente
requer uma descrença na própria existência da verdade objetiva”.
A linguagem política, diz Orwell, “é concebida para fazer as mentiras
soarem verídicas, o assassinato respeitável, e a conferir aparência de
solidez ao que não passa de ar quente”. E isto vale, com variações, para
todos os partidos políticos.
O pensamento de Orwell é um bom antídoto para o relativismo contemporâneo.
(Orlando Tambosi)


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