MEDIÇÃO DE TERRA

MEDIÇÃO DE TERRA
MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 25 de julho de 2020

Orwell e a questão da verdade


Que pós-verdade, que nada! A verdade existe, sim, e reside na concordância entre nossas ideias, pensamentos e declarações e os fatos. Orwell encarou, em alguns de seus escritos, a questão da verdade objetiva, hoje renegada pela imprensa e pela academia, onde impera o relativismo. Resenha de minha autoria. Fale, Orwell:

Sobre a Verdade, livro recentemente lançado no Brasil pela Companhia das Letras (por enquanto, só em versão e-book), é uma seleção de textos de George Orwell organizada por Alan Johnson, político trabalhista inglês e ex-ministro, sobre a questão da verdade, que preocupou o escritor britânico tanto como jornalista quanto como literato. 

Os artigos e ensaios citados no livro não tratam, obviamente, da verdade como problema epistemológico. Mas, ainda que a organização dos tópicos não escape ao viés esquerdista de Johnson (e Orwell também foi esquerdista na juventude), constitui uma boa seleção sobre a visão do célebre autor da distopia 1984. 

É nos pequenos ensaios de Orwell que Johnson rastreia o conceito de verdade, observando que, “ainda que ele esteja convencido de que conceitos como justiça, liberdade e verdade objetiva sejam ilusões poderosas”, é nelas que as pessoas acreditam. 

Orwell cristalizou suas concepções no curso da Segunda Guerra Mundial. Segundo Johnson, “ele era um patriota que entendeu as ameaças do fascismo e do comunismo (o pacto entre Hitler e Stálin foi um ponto de inflexão crucial), e isso inspirou os seus dois romances mais conhecidos”, A Revolução dos Bichos e 1984 – este último foi publicado em 1949, sete meses antes de sua morte, e vende milhões de exemplares ainda hoje, sendo incluído em todas as listas dos melhores romances em língua inglesa. 

CONTRA O RELATIVISMO 

Nos escritos selecionados para o livro, em nenhum momento Orwell relativiza a questão da verdade, diferentemente da posição hoje dominante nas Ciências Humanas e no jornalismo, que em geral nega a objetividade do conhecimento, a existência de fatos independentes e a própria verdade. Embora reconheça que a história pode ser tendenciosa e inexata, Orwell critica “o abandono da ideia de que é possível escrever a história com veracidade”: 

“No passado, as pessoas mentiam descaradamente, ou inconscientemente falseavam o que escreviam, ou então se empenhavam em registrar a verdade, sabendo que iriam cometer muitos equívocos; porém, em todos esses casos, elas estavam convencidas de que os ‘fatos’ existiam e eram mais ou menos passíveis de descoberta. E na prática sempre houve um corpo significativo de fatos reconhecíveis por quase todo mundo”. 

O escritor cita a teoria nazista como exemplo de negação da verdade. “Não existe, por exemplo, algo que se chama ‘ciência’. Há apenas a ‘ciência alemã’, a ‘ciência judaica etc. O objetivo implícito dessa linha de pensamento é um mundo de pesadelo no qual o Líder ou algum grupo dominante controla não so o futuro como também o passado. Se o Líder afirma que tal evento ‘nunca aconteceu’ - bem, então nunca aconteceu”. 

Em outra passagem, Orwell afirma que “Hitler pode dizer que os judeus começaram a guerra, e, se ele sobreviver, essa será a história oficial”. Passa-se a duvidar da existência da verdade objetiva, “porque todos os fatos têm se se encaixar nas palavras e nas profecias de um “Führer infalível. Em certo sentido, a história deixou de existir, isto é, não há mais uma coisa como uma história da nossa época que possa ser universalmente aceita”. 

Conservadores, comunistas, pacifistas, anarquistas e outros também partilham a mesma atmosfera mental, ainda que com ênfase variada. “Ninguém busca a verdade, todos estão defendendo uma ‘causa’, com total desconsideração pela imparcialidade ou pela veracidade, e os fatos mais patentemente óbvios acabam ignorados por quem não quer saber deles”. 

Orwell também condena a deturpação da história: “muitos dos escritos propagandísticos da nossa época não passam de meras invenções. Fatos concretos são suprimidos, datas alteradas, citações retiradas do contexto e adulteradas de modo a mudar o seu significado. Aqueles eventos que se considera que não deveriam ter ocorrido deixam de ser mencionados e são até negados”. Sirva de exemplo o totalitarismo, que “exige a alteração contínua do passado, e no longo prazo provavelmente requer uma descrença na própria existência da verdade objetiva”. 

A linguagem política, diz Orwell, “é concebida para fazer as mentiras soarem verídicas, o assassinato respeitável, e a conferir aparência de solidez ao que não passa de ar quente”. E isto vale, com variações, para todos os partidos políticos. 

O pensamento de Orwell é um bom antídoto para o relativismo contemporâneo.

(Orlando Tambosi)

Nenhum comentário:

Postar um comentário