Túmulo de Marx também não escapou do vandalismo |
Tente avaliar os políticos em evidência hoje pela régua do “verdadeiro”
conservadorismo, não aquele do bordão vazio ou do xingamento rasteiro,
mas como herdeiros de uma longa, sólida e complexa tradição política e
intelectual. Artigo de Alexandre Borges para a Gazeta do Povo:
Uma querida amiga, jornalista de quatro costados, invade meu WhatsApp
como um Boulos virtual para fazer acusações ao “conservadorismo”.
Recebo a mensagem com um legítimo cubano nas mãos, hábito (vício?) que
já rendeu também denúncias hidrófobas de que comprar charutos é uma
maneira de financiar o regime cubano. Quem não usa produtos da China
comunista que atire o primeiro celular.
Nós conservadores gostamos de nos ver como essencialmente céticos em
relação às abstrações ideológicas e contrários a qualquer tipo de ação
que pretenda impor uma nova ordem política à força. Acreditamos que a
sanha destruidora que sai da caixa de Pandora revolucionária é sempre
maléfica e o saldo final acaba sendo contado em cadáveres de inocentes
empilhados em covas coletivas. Lembrando Churchill, a democracia é a
pior forma de governo exceto todas as outras que já foram testadas.
De volta aos conservadores brasileiros, temos sido acusados das
piores infâmias por sermos associados a um governo que se diz
conservador por ser antipetista e defensor do lema de inspiração
integralista “Deus, Pátria e Família”. Para responder, é preciso
recorrer, por mais cansativo que seja, aos autores que se debruçaram
sobre o que é conservadorismo. Sei que é uma discussão constrangedora
para quem quer negar eventuais semelhanças deste governo com o
“verdadeiro conservadorismo” pelo risco de cair na versão burkeana do
“deturparam Marx”, a eterna desculpa da esquerda para os fracassos do
socialismo real, mas vamos a ela.
O conservadorismo é uma anti-ideologia. Uma predisposição contra
sistemas abstratos que tentam impor à força ou ao arrepio da lei e da
ordem um novo regime a partir de projetos ideológicos abstratos que
prometem um futuro redentor e perfeito (progressistas) ou o retorno a um
passado idílico (tradicionalistas), ambos lutando contra a realidade
imperfeita. Nas palavras de David Bromwich, “a revolução é a suprema
inimiga da reforma”.
Edmund Burke, o pai do conservadorismo moderno, nasceu na Irlanda em
1729, filho de pai protestante e mãe católica, num tempo em que esses
casamentos inter-religiosos não eram comuns. Casar com uma católica era
para Richard Burke, um conhecido e respeitado advogado, uma barreira
intransponível para sua aceitação na elite irlandesa da época. Os
desafios de seus pais marcaram Edmund por toda vida. A pobreza dos
parentes de sua mãe, moradores das zonas rurais irlandesas, foram
particularmente chocantes para ele.
Tendo sido um proeminente e bem-sucedido intelectual e tribuno na
Inglaterra do séc. XVIII, o sotaque irlandês de Burke era também uma
lembrança constante de que uma sociedade tolerante pode e deve receber
novos cidadãos que optem livremente por absorver e se integrar
harmoniosamente numa nova cultura. Sua célebre crítica à Revolução
Francesa não era uma postura dogmática contra qualquer ação republicana e
anti-monarquista, já que Burke foi abertamente simpático ao processo de
independência americano.
Por mais impopular que fosse entre seus pares, Burke se opôs
abertamente à maneira como o primeiro-ministro britânico Lorde North,
assim como seu monarca George III, lidavam com a insurgência das treze
colônias americanas, buscando resolver à força um conflito que poderia,
na sua avaliação, ter sido contornada com negociações e diplomacia.
Burke reconhecia que os colonos americanos haviam desenvolvido com o
tempo um espírito de liberdade e independência em relação à metrópole e
tentar resolver suas divergências na base do mosquete não terminaria
bem. Como sempre, estava certo.
“A política deve se ajustar não ao pensamento humano, mas à natureza
humana, da qual a razão é apenas uma parte e, de modo algum, a maior”,
escreveu Burke numa frase que serve de síntese de seu pensamento
político conservador, cético, anti-revolucionário e eternamente
preocupado com os “humores do povo”. Burke dizia que não se deve
confundir estabilidade com estagnação e que é possível mudar e evoluir
sem rupturas.
O amor de Edmund Burke por seus parentes protestantes do lado paterno
e católicos do lado materno criaram nele uma sensação duradoura de que
os laços afetivos e a compreensão da índole e valores individuais
deveriam preceder as ideologias e afiliações no julgamento interpessoal,
além da certeza de que a rotulação apressada é inimiga do entendimento
sereno e duradouro sobre o outro.
Com estes conceitos em mente, tente avaliar os políticos em evidência
hoje pela régua do “verdadeiro” conservadorismo, não aquele do bordão
vazio ou do xingamento rasteiro, mas como herdeiros de uma longa, sólida
e complexa tradição política e intelectual. Só depois venha me xingar
no zapzap.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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