O sessentão estacionado na primeira infância quer brincar de Robin Hood no gabinete presidencial. Coluna de Augusto Nunes para a Oeste desta semana:
Candidato à Presidência da República pela quarta vez, Ciro Gomes
resolveu chegar ao Palácio do Planalto pelo caminho do meio, o mais
adequado a quem pretende mostrar-se igualmente distante da extrema
direita fiel a Jair Bolsonaro e da extrema ladroagem comandada por Lula.
(No Brasil, usa-se extrema ladroagem porque, como ensinam os doutores
em ideologia, a antiga extrema esquerda se dissolveu na frente ampla
composta pelos 70% que declararam guerra ao fascismo em defesa da
democracia. A porcentagem inclui os nostálgicos do stalinismo homiziados
em movimentos sociais e os órfãos do maoismo acampados no PCdoB. Essa
caricatura das Diretas Já também sonha com a liberdade dos corruptos,
mas isso não é coisa a ser dita em manifestos.) O problema de Ciro é que
a estrada escolhida só se pode percorrer sem sobressaltos por homens
públicos providos de sensatez, tolerância, equilíbrio e coerência. Nada a
ver com uma figura que primeiro fala e pensa depois. Isso, quando
pensa.
O beligerante cearense nascido no interior paulista nem precisa de
adversários para perder disputas presidenciais: em 1998, 2002 e 2018,
Ciro Gomes deixou claro que sabe melhor que qualquer um como se derrota
um Ciro Gomes. Na primeira tentativa, a candidatura começou a fazer água
quando Ciro chamou de “burro” um eleitor que dele divergiu durante a
conversa telefônica transmitida ao vivo por uma emissora de rádio. E
afundou de vez no momento em que o candidato definiu o papel a ser
desempenhado durante a campanha pela atriz Patrícia Pillar, com quem
estava casado: dormir com o candidato, resumiu o maridão. Quase vinte
anos depois, ao chamar para a briga o juiz Sergio Moro, Ciro confirmou
que, quando se trata de gente, graves defeitos de fabricação não têm
conserto.
“Hoje esse… esse Moro resolveu prendê um… um bloguero?”, desandou no
meio de uma entrevista o campeão de bravatas e bazófias. “Ele que mande
me prendê, que eu recebo a turma dele na bala.” Endereçado ao juiz que
simboliza a Operação Lava Jato, o tiro ricocheteou na língua portuguesa
antes de atingir, de novo, a testa do pistoleiro que faz mira só depois
do disparo. Se fosse mais gentil com o idioma, Ciro receberia à bala,
nunca “na bala”, os agentes da Polícia Federal que formavam o que chamou
de turma do Moro. Se respeitasse a inteligência alheia, não diria que o
juiz federal “resolveu prendê um bloguero”. Moro apenas determinara que
um blogueiro incluído entre os alvos de uma investigação prestasse
depoimento.
Por terem lido o conto ou assistido ao filme, quase todos os leitores
conhecem o estranho caso de Benjamin Button. Criado pelo escritor F.
Scott Fitzgerald e interpretado no cinema por Brad Pitt, o personagem
chega ao mundo com aparência de octogenário e vai remoçando com o tempo.
Ultrapassa a velhice, chega à maturidade, desfruta da idade adulta,
alcança a adolescência, faz escala na infância, desaprende a falar e
morre com o frescor de quem acabou de vir ao mundo. Disso muita gente
sabe. O que poucos notaram é que há no Brasil uma versão degenerada da
criatura forjada pela imaginação de Fitzgerald. Seu nome é Ciro Gomes.
Ao pousar na casa da família em Sobral, a criança que nem aprendera a
falar já era um velho coronel sertanejo. Adolescente, tinha ideias tão
grisalhas que se filiou ao PDS, legenda surgida das cinzas da Arena para
garantir a supremacia do regime militar no Congresso e nas assembleias
legislativas. “Entrei no PDS porque era o partido do meu pai”, recita o
primogênito que se tornou deputado estadual com pouco mais de 20 anos.
Ele nunca revelou quais laços de sangue determinaram as sucessivas
trocas de partido. Depois do PDS, estagiou no PSDB, no PMDB, no PPS, no
PSB e no PROS. Antes de pousar no PDT, Ciro foi prefeito de Fortaleza,
governador do Ceará, ministro do governo Lula, deputado federal e três
vezes candidato à Presidência.
As mudanças de partido e de cargo não alteraram a trajetória de Ciro
Button. Ou Benjamin Gomes. Quarentão, lembrou um jovem inconveniente ao
qualificar a capital cearense de “puteiro a céu aberto”. Chegara aos 50
quando revelou à atriz Letícia Sabatella, com a delicadeza de colegial
que briga todo dia na porta do colégio, uma regra que não pode ser
esquecida por quem faz política: “Tem de meter a mão na merda”. Aos 62
anos, anda cada vez mais parecido com um delinquente juvenil em
gestação. Ataca Lula, ofende FHC, elogia Lula, insulta Bolsonaro,
critica Lula, manda militantes do PT “à puta que os pariu”, afaga Lula.
No dia seguinte chama um general de “canalha” e de “filhos da puta”
eleitores anônimos que o provocaram ao passar diante do bar em
Fortaleza. Troca palavrões por discurseira de ministro do Supremo quando
aparece na TV, desfia rosários de números em lives e faz o diabo para
manter-se em campanha.
Tanto faz que, para escancarar na gravação de um vídeo a dor que
sentia ao pensar no sofrimento dos moradores de rua ameaçados pela
pandemia de coronavírus, caprichou na pose de menor abandonado e tentou
cair no choro. Não apareceu uma única e escassa gota no canto de
qualquer olho. Então, Ciro escavou no semblante rugas e vincos tão
convincentes que acabou inventando o pranto convulsivo sem lágrimas.
Nada de mais para quem prometeu em 2018 pagar todas as dívidas dos
milhões de inadimplentes e agora promete arrecadar R$ 3 trilhões em dez
anos cobrando impostos pesadíssimos dos detentores de grandes fortunas.
Os ricaços do Brasil que se cuidem: um sessentão estacionado na infância
quer ser presidente da República e Robin Hood ao mesmo tempo.
Ao virar setentão, o Benjamin Button à brasileira vai acordar aos
berros os companheiros de berçário enquanto troca a calça curta pela
fralda. Na última semana de vida, já sem saber falar, fará cara feia
para a babá. Ou para um dos irmãos. Bebês de colo são tão imprevisíveis
quanto um Ciro Gomes.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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