Em partes menos folclóricas da Terra, corre a lenda de que costumamos
gastar as esmolas em mulheres e vinho. É uma lenda: de facto, gastamos
tudo em lixo. Via Observador, a implacável crônica semanal de Alberto Gonçalves, que estará de férias até 15 de agosto:
A bajulice
Uma estação televisiva, a TVI, lembra o aniversário do Primeiro-Ministro e cria um espaço para que os espectadores possam, cito, dar os parabéns ao dr. Costa. Ao contrário do que corre por aí, os milhões de euros com que o Governo nacionalizou a quase totalidade dos “media” não serviram para comprar propaganda. A propaganda e a censura das dissidências já existiam com abundância, graças a Deus. O dinheiro apenas lançou as redações numa competição para distinguir as maiores manifestações de sabujice face ao poder. O empenho das redações é grande. O descaramento com que o fazem é maior. Claro que todos temos de ganhar a vida, mas vender o corpinho nas esquinas é muito mais digno do que isto. E não obriga ao uso daqueles fatos ridículos da rapaziada televisiva.
Uma estação televisiva, a TVI, lembra o aniversário do Primeiro-Ministro e cria um espaço para que os espectadores possam, cito, dar os parabéns ao dr. Costa. Ao contrário do que corre por aí, os milhões de euros com que o Governo nacionalizou a quase totalidade dos “media” não serviram para comprar propaganda. A propaganda e a censura das dissidências já existiam com abundância, graças a Deus. O dinheiro apenas lançou as redações numa competição para distinguir as maiores manifestações de sabujice face ao poder. O empenho das redações é grande. O descaramento com que o fazem é maior. Claro que todos temos de ganhar a vida, mas vender o corpinho nas esquinas é muito mais digno do que isto. E não obriga ao uso daqueles fatos ridículos da rapaziada televisiva.
O parasitismo
Os líderes europeus discutem à mesa o “fundo de recuperação”. O
sofisticado estadista que representa Portugal “esparrama-se no sofá”
(está escrito, embora não pelo “jornalismo” caseiro) enquanto espera.
Durante semanas, os noticiários chamam comentadores para apelar ao
patriotismo e insultar os países renitentes em patrocinar pelintras. Cá
dentro, o estadista também insulta esses forretas repugnantes. Lá fora,
derrete-se com mesuras e mão estendida. Por fim, chega o acordo e a
garantia de incontáveis milhões. Em partes menos folclóricas da Terra,
corre a lenda de que costumamos gastar as esmolas em mulheres e vinho. É
uma lenda: de facto, gastamos tudo em lixo.
A selvajaria
Para combater a crise provocada pela histeria provocada pelo vírus,
um município vizinho de Lisboa já encomendou – a um “artista
luso-angolano” – um obelisco (com laser, vá lá) de 600 mil euros. E a
própria autarquia lisboeta desatou a pintar o chão das ruas com cores
bonitas. Não tarda temos rotundas na A1 e um projecto do Siza para
cimentar o Marão. Imagino a cara dos holandeses forretas quando
confrontados com a nossa gestão responsável. Espero que os holandeses
leiam o plano daquele outro artista luso-angolano que, a pedido do dr.
Costa, traçou em dois dias a salvação de Portugal para as próximas
décadas, séculos e milénios.
A intrujice
Não li o plano do poeta António Costa Silva, concebido em dois dias
como o “Klavierstück I” do Stockhausen e o “Prontuário das Micoses”. Mas
o “Expresso” diz que é bom. Além disso, o homem é amigo do Nicolau do
Laço, o verdadeiro jornalista promotor de falsos economistas. O que vi
citado na imprensa deixou-me optimista. Ele é aeroportos. Ele é TGV. Ele
é TAP. Ele é energias “renováveis”. Ele é uma miríade de milagres
“sustentáveis”. Ele é uma ânsia insustentável de espatifar os milhares
de milhões do “fundo” em projectos ruinosos e essenciais à nação. Para
sossegar os descrentes, felizmente raros, o dr./eng./arq. Costa Silva
foi às televisões informar que “o mar é o nosso grande activo”. Não
podemos esquecer que, antes de engenheiro, gestor ou sequer
alfabetizado, o homem é poeta.
A indigência
Pelos vistos, existe uma “disciplina” escolar, ou uma gosma que
infecta várias disciplinas, chamada Cidadania e Desenvolvimento.
Trata-se de um pretexto para enfiar babugem “correcta” na cabeça dos
fedelhos, carecidos de informação válida sobre a transsexualidade ou as
alterações climáticas. Acho fantástico. De alto a baixo, estes projectos
envolvem inúmeras criaturas a concebê-los e a aplicá-los, pelo que são
uma prova de que indivíduos com limitações mentais podem ter empregos
quase comuns. Em Famalicão, um cidadão sem limitações dessas não
apreciou que os filhos fossem sujeitos à babugem e impediu-os de
frequentar as aulas de Cidadania. O Ministério da Educação puniu a
afronta e rebaixou em dois anos os alunos, ambos excelentes nas
disciplinas a sério. Óptimo. Em qualquer dos casos, os miúdos farão
carreiras em países livres e habitáveis. E o exemplo que têm em casa é
um justo enxovalho aos portugueses que toleram tudo, incluindo o rapto
dos filhos por um Estado particularmente criminoso, brutal e iletrado.
A boçalidade
Por sugestão do PSD do dr. Rio, o Parlamento proíbe os debates
quinzenais com o Primeiro-Ministro. Faz muito bem. As democracias
inseguras precisam dessas patetices, as ditaduras firmes dispensam-nas. O
dr. Rio é um achado: o problema é que ninguém o procurou. Ninguém,
vírgula. Parecendo que não, ao PS convém que o líder do maior partido da
oposição apoie o Governo com um entusiasmo que nem a sra. dona Antónia
Palla conseguiria igualar. Não vale a pena tentar decifrar a estratégia
subjacente. Há meses, pessoa que respeito definiu-me assim o dr. Rio: “É
admiravelmente burro.” Não restam dúvidas. Resta apurar por quanto
tempo o PSD sobrevive a tão particular espécime, embora o exercício seja
inconsequente. Setenta e dois em setenta e nove deputados votaram com o
chefe na matéria em questão. Mudar o chefe não mudaria o PSD. O PSD,
que nasceu com a democracia, morreu no estertor desta.
A vassalagem
Não me venham com a metade da população que nunca vota, já que a
omissão dessa gente é um consentimento e não um protesto. Nas sondagens,
mais de um terço dos portugueses promete votar no PS (ou dois terços,
se incluirmos o PSD, ou quatro quintos, se incluirmos o PSD, o BE, o PCP
e o PAN). Contas por alto, são os mesmos eleitores do prof. Marcelo. Os
partidos citados – ou o PS, com a conivência dos restantes – aboliram a
democracia. O prof. Marcelo não comenta, como não comentaria o
bombardeamento da Beira Alta desde que o silêncio lhe favorecesse a
reeleição. Não importa. Por enquanto, os portugueses têm o que querem.
Claro que, um dia, talvez se lembrem de querer outra coisa e não a
poderão ter. Então, e só então, terão o que merecem. Durante duas
décadas, escrevi crónicas sob o pressuposto de que, apesar da corrupção,
da pequenez e do atraso, vivíamos em liberdade. Hoje, à imagem de um
moço forçado a relatar jogos de futebol sem balizas, tento habituar-me à
Nova Ordem em que vivemos, a qual jamais pensei conhecer de perto.
Ainda não me habituei, e espero que a habituação não chegue. De
colunistas habituados estão as televisões e os jornais cheios. E eu não
gosto do excesso de concorrência. Mas também não importa. Importa o
seguinte: até quando a União Europeia vai tolerar e alimentar os dois
membros que abandonaram os princípios civilizacionais básicos? Um deles é
a Hungria.
Nota: o autor desta crónica vai de férias. Regressa no dia 15 de Agosto.

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