Pensar ainda não está proibido, mesmo que a patrulha do pânico aja como se estivesse. Coluna de Guilherme Fiuza, publicada pela Gazeta do Povo:
O coronavírus desencadeou uma epidemia de pânico que não ajudará no
enfrentamento do problema. Qualquer tentativa de se pensar em saídas
para o colapso mundial iminente tem sido confundida com menosprezo pelo
perigo e atentado contra a saúde pública. Quem decide as medidas contra a
epidemia são as autoridades, e o cidadão cumpre. Ponto. Pensar ainda
não está proibido, mesmo que a patrulha do pânico aja como se estivesse.
Mas se você pronuncia uma palavra além do alerta “fique em casa”, você é
um potencial corona killer.
Aparentemente não há mais nenhuma região do mundo desmobilizada para o
combate à epidemia – e as medidas de isolamento, chamadas de
distanciamento social, são consensuais em todo o planeta. Dito isso,
também se observa que os planos de isolamento não são idênticos de país
para país, ou mesmo de cidade para cidade, havendo portanto espaço para
se discutir os níveis de paralisação mais eficazes.
Não há até agora, por exemplo, uma diretriz geral para interrupção
dos transportes, pelo menos nas nações mais visíveis. O Reino Unido tem
procurado manter setores da sociedade e da produção em funcionamento,
incluindo escolas – todos com protocolos rigorosos de distanciamento,
higiene e variadas formas de bloqueio de contágio, especialmente em
relação a idosos e grupos de risco em geral. Não é um flerte com o
perigo, nem uma aventura. É uma tentativa legítima de mitigar o colapso
econômico e social, que pelos níveis de paralisação impostos pelo
coronavírus possivelmente fará mais vítimas que a própria epidemia.
Em parte a disseminação do medo é inevitável, pela velocidade do
contágio. Mas a qualidade da informação precisa contribuir para um maior
esclarecimento da população, porque a consciência é essencial contra o
pânico. As estatísticas de mortes de pessoas infectadas por coronavírus
precisam discriminar os casos em que o vírus foi o fator letal.
Há um grande contingente de casos de doentes com enfermidades
importantes que morreram com coronavírus, mas não de coronavírus – pelo
fato de que o seu contágio é rápido e fácil, mas a sua letalidade não é
alta (mais baixa que da influenza e outras gripes conhecidas). Há
notícias, por exemplo, de um surto de H1N1 (mais letal que o
coronavírus) na Lombardia, região da Itália que está entre as mais
atingidas no mundo pelo coronavírus. Mas é praticamente impossível a
verificação pelo público leigo da parcela de falecimentos de doentes de
coronavírus na Lombardia provocados na verdade pelo H1N1. As autoridades
e os veículos de informação devem ao público esse tipo de
esclarecimento em relação às estatísticas de coronavírus no mundo todo.
A própria OMS já tinha indicado que, pela facilidade do contágio, não
seria possível deter essa epidemia com isolamento – o que não anula as
medidas de isolamento indispensáveis que vêm sendo tomadas para tentar
evitar os picos de contaminação. Mas também quer dizer que nem sempre o
curso geral da epidemia será alterado com essas medidas, ou seja, o
contágio inevitavelmente vai alcançar uma determinada abrangência para
começar a decair rumo ao fim da epidemia. A principal ação das
sociedades é preservar ao máximo, no curso do contágio, os idosos e
grupos de risco – de forma que o maior número de infectados fique entre
os que têm sintomas brandos ou mesmo sintoma nenhum, muitos dos quais
nem saberão que tiveram coronavírus, mas terão contribuído para o
declínio da epidemia. E a outra ação essencial é ir calibrando a
estratégia de paralisação não pelo medo, mas pela inteligência – porque a
tragédia pós-epidemia já está desenhada. Pensar agora em formas de
minimizar essa tragédia não é pecado, é obrigação.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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