Apesar do coronavírus, os mercados de animais silvestres da China não
desapareceram. E eles serão a fonte provável de muitas pandemias
futuras. A ditadura comunista faz vista grossa para esses costumes
nocivos:
Reúna centenas de animais silvestres num só lugar. Coloque outras
centenas de pessoas ao redor. Faça com que essas pessoas comprem os
animais ainda vivos, ou mortos na hora da comercialização. Prepare a
carne ainda fresca, sem congelá-la, e sirva mal passada. Pronto: você
tem a receita completa para disseminar vírus.
A pandemia de coronavírus teve origem na China, assim como foi lá que
surgiu a Síndrome Respiratória Aguda Severa (Sars), no início do
milênio. No futuro, outras epidemias também surgirão no país asiático. E
a explicação é simples: os mercados chineses onde animais silvestres
são comercializados funcionam como um verdadeiro caldeirão. “Como os
animais ficam concentrados e são vendidos vivos, os vírus conseguem se
espalhar com mais facilidade”, explica o biomédico especializado em
virologia Jaime Henrique Amorim, professor da Universidade Federal do
Oeste da Bahia (UFOB) que neste momento trabalha na instalação de um
laboratório de diagnóstico molecular.
Acontece que os vírus sofrem mutações o tempo todo. No momento em que
uma leva deles se altera a ponto de conseguir habitar o organismo
humano, ele tem a sua volta uma série de oportunidades para migrar.
“Essas mutações acontecem no ambiente natural dos animais, mas ali o
vírus não tem contato direto com pessoas, que permitiriam que ele
mudasse de habitat”, diz o pesquisador.
É por isso, diz ele, que os coronavírus que habitam morcegos e tatus
brasileiros não encontram a mesma facilidade para disseminar uma
epidemia, como acontece na China. “Não os criamos em grandes
quantidades, nem temos um contato tão próximo com eles”. E
principalmente não temos o hábito de nos alimentar deles em grandes
quantidades.
“Os tratadores dos animais e os vendedores já podem pegar o vírus. Na
casa dos consumidores, eles podem passar para as pessoas durante o
preparo ou na ingestão. Ao entrar em contato com a boca, saltam para o
sistema respiratório”, explica o professor da UFOB.
Diante da alta densidade populacional das cidades chinesas no entorno
desses mercados, esses vírus que se adaptaram aos humanos encontram as
condições ideais para se propagar rapidamente. Como a China é hoje um
país altamente aberto ao mundo, é questão de semanas até que portadores
de novos vírus viagem para todos os cantos do planeta. “Poderíamos
tranquilamente rebatizar a pandemia de coronavírus chinês”, afirma o
pesquisador.
Hábito antigo
Os mercados onde os animais silvestres são comercializados sustentam
tradições de décadas – mais especificamente, desde a grande crise de
abastecimento provocada pelo regime de Mao Tsé Tung, que matou de fome
45 milhões de pessoas entre 1958 e 1962 e levou milhares de pessoas a
recorrer à carne de qualquer tipo de ser vivo para se alimentar.
Ainda hoje, aproximadamente metade da população do país ingere, mesmo
que ocasionalmente, animais silvestres ou tem contato com eles porque
compartilham de antigas crenças a respeito do poder medicinal de alguns
desses animais. As escamas do pangolim, por exemplo, seriam eficazes
para curar febre. Esse mamífero, em especial, é tão disputado nos
mercados chineses que corre o risco de entrar em extinção. Ele é o maior
suspeito, neste momento, de ter transmitido o Covid-19 para os humanos.
O pangolim possivelmente atuou como intermediário, infectado por algum
dos mais de 200 tipos de vírus que os morcegos carregam consigo.
Há décadas o governo chinês afirma tentar impedir a prática. Em
alguns locais, como Pequim, a ação foi bem sucedida. Em outros, como
Guangzhou e Wuhan, os mercados continuam funcionando. “Esses mercados
fazem parte da cultura chinesa, mesmo que o governo proíba essas
atividades continuam acontecendo”, explica Jaime Henrique Amorim. “São
hábitos ligados a períodos de crise, guerras, fome. Eles também comem
insetos, por exemplo. E não vão parar”.
O que fazer, então? “Agir com mais transparência”, diz o professor.
“Se o governo chinês tivesse informado os outros países assim que
identificou a epidemia, eles teriam mais tempo para se preparar. E o
tempo, nessas situações, faz toda a diferença”.
Além disso, diz o professor, os países ocidentais precisam se
preparar melhor para essas situações – afinal, essa pandemia vai acabar,
mas outras virão, certamente. “Outros países asiáticos, como a Coreia
do Sul, já lidaram com a Sars e desenvolveram procedimentos padronizados
para situações como essa. Nós no Brasil temos agora a oportunidade de
aprender com a experiência, e nos preparamos melhor para a próxima
pandemia”. (Gazeta do Povo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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