Com festa ou com reza, o intuito é se lembrar e honrar, com carinho, a memória daqueles que já se foram, uma forma também de lidar com o luto da partida. Mas para além das tradições e da fé, há quem encontre, ainda, outro significado na dor.
A partir da perda do filho Arthur Moura, que faleceu aos 12 anos em julho do ano passado, o casal de advogados Klauss,48, e Érika Moura, 45, decidiu se inspirar na personalidade do adolescente para perpetuar de forma efetiva o amor ao próximo. Com a criação do grupo Sementes do Moura no mês seguinte à morte de Arthur, a família deu início a uma série de ações de solidariedade, cooptando outras pessoas pelo caminho e impactando a vida de quem precisa.
"Na missa de sétimo dia do meu filho, que estava lotada, percebemos que enquanto esteve aqui, só plantou sementes de união, amor e amizade, sendo muito querido por todos que conviveram com ele. Foi este o trabalho dele nos 12 anos que ficou na Terra e que quisemos dar continuidade após a sua morte. É uma forma de estarmos juntos dele também, porque percebemos claramente que é um trabalho em equipe entre o plano de cima e o plano terrestre", conta Klauss.
77 sementes
As ações, chamadas sementes, são anunciadas no grupo para quem quer participar e, após as entregas, é divulgada a prestação de contas. Em pouco mais de um ano e dois meses, já são 77 sementes plantadas. Todos os semeios são descritos na página do grupo.
As sementes ajudaram a mãe do garoto a sair da depressão. Após a morte, que ocorreu de forma rápida e traumática para a família - Arthur, que sempre foi saudável e atlético, contraiu uma doença oriunda da alergia a um medicamento que rapidamente o levou à UTI e, então, à morte -, Érika mal conseguia sair da cama.
"Ao fazer o bem ao próximo, você começa a se sentir melhor também, a se reerguer. Tudo o que está bagunçado dentro de você começa a se ajustar, entrar entrar em sintonia. A gente também passa a perceber as dores dos outros, porque quando se perde um filho, parece que ninguém sofre mais na vida do que você, mas aí a gente passa a entender a dor dos outros que também perderam alguém ou que passam por situações ruins. A partir da morte conseguimos, então, entender um pouco mais a vida. Pra gente, o Sementes do Moura foi um despertar através da dor", conclui Klauss.
A partir da experiência da ginecologista e obstetra Mônica Nardy, que perdeu sua filha ainda na barriga, na véspera do parto, nasceu o grupo Colcha de Retalhos, com o objetivo de dar apoio às mães que sofrem perda gestacional, uma forma de "humanizar" a morte.
"Queríamos melhorar a assistência dessas mulheres que perdem os seus bebês, priorizar a mãe em um local mais reservado no hospital, permitir a ela um momento para se despedir do seu filho, fazer registros fotográficos do bebê, a impressão do pezinho ou da mãozinha, porque é isso que ela vai ter de memória do filho", explica. A equipe médica ou um familiar podem entrar em contato com o grupo e um representante fará uma visita gratuita ou um telefonema à família.
"E isso também me ajudou a elaborar o meu próprio luto. Falar sobre a minha dor e trocar informações com outras mulheres sobre essa mesma dor me fortaleceu. É isso que queremos com o grupo, gerar uma troca de empatia e um lugar onde a mulher possa se sentir pertencente", conclui.
O luto é pra sempre
A frase pode assustar ao decretar a permanência de algo inevitável, como a própria morte, mas ententer o luto também é uma das maneiras de tornar a dor menos intensa.
Segundo a psicologia Luciana Carvalho Rocha, especialista em luto, suicídio e cuidados paliativos, o luto não é uma fase que tem início, meio e fim. "Trata-se de um processo em que a pessoa que perdeu alguém ou alguma coisa vai vivenciar para o resto da vida. O que diferencia é a intensidade e mesmo a quantidade de vezes com que a pessoa vai se lembrando desta perda. Mas não é uma experiência que acaba. A pessoa, na verdade, aprende a conviver com essa perda e, claro, ela pode ser feliz novamente", esclarece.
Há cerca de quatro anos, ela mesma passou por uma experiência de luto, quando seu marido se suicidou. Após isso, decidiu se especializar em luto, suicídio e cuidados paliativos para ajudar outras pessoas a lidarem com a perda.
Luciana acredita que ajudar outras pessoas para amenizar a dor da perda pode ser um caminho. "A pessoa pode fazer o que quiser para lidar com isso, desde que faça o bem para ela também. Eu diria que, para passar pelo luto de uma forma menos dolorosa, é preciso vivenciar a sua dor da forma que você acredita que tem que viver. Se preocupar menos com o que as pessoas vão achar e ser mais fiel ao seu próprio sentimento", conclui.
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