Em entrevista a Jerônimo Teixeira, editor da revista Crusoé,
o professor de Filosofia e escritor Luiz Felipe Pondé afirma ter
sugerido ao governo o fechamento do MEC, dominado pelas esquerdas, e
observa que aos socialistas brasileiros só restou copiar a agenda de
costumes dos EUA:
O escritor Luiz Felipe Pondé foi um dos primeiros a denunciar a
hegemonia da esquerda nas artes e nas universidades, fenômeno que ganhou
a alcunha de “marxismo cultural”. Adepto das ideias conservadores e
liberais e assumidamente de direita, durante anos a fio ele esteve entre
os críticos mais tenazes dos governos petistas. Hoje Pondé diz que a
esquerda segue hegemônica no meio cultural e na academia, mas está
perdida, sem saber o que quer e limitada a causas comportamentais. “Eles
têm uma visão de mundo Cinderela. Acham que se ficarem trabalhando com
wifi em coworkings, usando scarfs, sendo hipster e fazendo projetos
cheios de significados podem conseguir alguma coisa”, afirma.
Pondé reconhece o papel histórico das redes sociais no movimento que
removeu o PT do poder, mas crê que a guerra cibernética já passou dos
limites. Para ele, é hora de deixar a bolha da internet e as polêmicas e
partir para o que precisa ser transformado na vida real. O filósofo
estende a crítica, dirigida aos antipetistas que seguem atuantes ( e
incisivos) nas redes, a Jair Bolsonaro. A razão: o presidente estaria
privilegiando a pauta dos costumes em detrimento de temas como a reforma
da Previdência e o pacote anticrime. “Ele fica nessa guerra cultural,
quase fofoca, criando instabilidade o tempo todo. Este é um governo que
fala demais. Vai e volta. O problema é que com essa atitude Bolsonaro
vai gastando o seu capital simbólico e as expectativas de que ele faça
um governo que melhore a economia e a segurança pública”, diz.
Apesar de seguir dando aulas no Pontifícia Universidade Católica e na
Fundação Armando Álvares Penteado, em São Paulo, Pondé perambula muito
mais fora dos corredores das universidades. Dá palestras, escreve
artigos, tem um canal no Youtube com mais de 500 mil inscritos e é um
autor incansável de livros. Sua última obra, “Filosofia do cotidiano: um
pequeno tratado sobre questões menores”, foi lançada no início de março
pela editora Contexto. O filósofo recebeu Crusoé em seu escritório em
São Paulo para a seguinte conversa:
A sociedade brasileira está ficando mais conservadora nos costumes?
Não acho isso. O Brasil é um pais de maioria católica. E os católicos
sempre tiveram temperamento mais acomodado. É uma denominação religiosa
que convive bem com o pecado. Existe uma certa tradição de entender que o
bom católico é aquele que se sabe um pecador. Tem padre para confessar e
toda uma coisa que os protestantes, mais rígidos, não têm. O que
percebo é que as Mídias sociais trouxeram à tona um certo comportamento
conservador. Com as redes sociais, esse sujeito apareceu mais. É o cara
que acha que bandido tem de ficar preso, não quer que o professor diga
para o filho dele que ele pode ser gay e não gosta de artista pelado no
museu. Isso, sim, apareceu mais. Mas é algo que sempre existiu.
O aumento da população evangélica estaria impulsionando um conservadorismo maior?
É verdade que o Brasil tem ficado mais evangélico e que eles têm mais
filhos. Provavelmente hoje estão se sentindo mais representados, porque
aumentou a bancada identificada com os evangélicos. Mas, à medida que
eles vão enriquecendo, também vão abandonando as pautas conservadoras.
Além disso, eles nunca foram organizados no Brasil da forma como são nos
Estados Unidos. Sempre foram muito fisiológicos e pragmáticos. Veja que
o pastor Marco Feliciano chegou a participar da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos Deputados no governo de Dilma Rousseff. Eles
conviveram muito bem com o governo do PT durante muito tempo. Então, não
acho que o que esteja acontecendo no Brasil seja por causa do aumento
da população evangélica. Isso tem mais a ver com as redes sociais.
Por que no Brasil a pauta progressista nos costumes sempre esteve nas mãos da esquerda?
A esquerda nasceu na Revolução Francesa (1789-1799) com um discurso
humanista. Na Europa, principalmente entre sindicalistas, o foco era
melhorar as condições de trabalho da população. Essa esquerda que
conhecemos hoje, progressista nos costumes, é uma invenção americana.
Karl Marx jamais pensaria assim. Nos Estados Unidos, esse fenômeno
acabou ocorrendo porque não havia mais o que fazer. No século XX, a
esquerda produziu regimes políticos terríveis. Na economia, faliu todo
mundo. O que sobrou para eles foi a cultura, os costumes. Mais tarde, os
brasileiros acabaram importando esses valores adotados pela esquerda
americana. Isso se deu principalmente entre a classe média alta de
universidades caras e com jovens criados a leite de pato dentro de casa.
Gente que foi fazer humanas, comunicação e audiovisual. Na frente de
europeus como Karl Marx e Lênin, essa moçada do PSOL faria xixi nas
calçadas. Iriam morrer de medo.
Como o sr. definiria a pauta da esquerda brasileira atualmente?
A esquerda brasileira hoje aprende a pauta enquanto toma Coca-Cola. É
uma coisa totalmente americana. Eles ignoram o que acontece na Europa.
Recentemente recebemos a visita do filósofo francês Bernard-Henri Levy,
autor do livro “O Espírito do Judaísmo”. Ele veio logo depois da eleição
do Bolsonaro. Na plateia havia um contingente importante de pessoas de
esquerda e todo mundo estava festejando a presença do francês. Mas quem
conhece o cenário político da França sabe que Levy é da direita liberal.
Ele se dissociou do marxismo, mas foi acolhido no Brasil como se fosse
de esquerda. Do Brasil, só sabemos olhar para os Estados Unidos.
Principalmente depois que a esquerda nacional perdeu o poder federal,
com a eleição de Jair Bolsonaro, só restou a pauta dos costumes.
Discutem minorias, falam de racismo e fazem filmes em que Marighella é
negro, forçando a barra. Aí argumentam que é para empoderar a população
negra.
Por que a parcela da direita brasileira que é liberal nos costumes quase não aparece?
A semântica do pensamento liberal no Brasil é quase inexistente. Essa
tradição nasceu na Inglaterra, com John Locke no século XVII. Ele
influenciou o inglês John Stuart Mill e Edmund Burke. Eles defenderam um
limite ao poder do soberano, reforçando a ideia de respeito à vida
privada dos indivíduos. Poderíamos chamar isso de liberalismo de
comportamento, em que se reserva um espaço para a esfera privada e
individual. Isso foi algo que a esquerda americana acabou pegando. Não é
à toa que o termo “liberal” nos Estados Unidos se refere a pessoas de
esquerda. No Brasil, esse liberalismo de comportamento de tradição
europeia nunca pegou. Por aqui não existe uma bibliografia liberal
conservadora, só existe a bibliografia marxista. Os alunos não aprendem o
que é liberalismo e os jornalistas não sabem do que se trata. Se eles
não dominam a história do termo, as pessoas comuns sabem menos ainda.
Por que esse liberalismo de John Locke não pegou no Brasil?
Nosso país é pobre em letras. Paupérrimo. A elite brasileira econômica
ainda não acredita em letras. E, quando acredita, é ignorante o bastante
para achar que investir em cultura é investir só em pautas da esquerda
americana. Nossa elite econômica não acredita em qualquer coisa que não
seja ganhar dinheiro. Ela é muito pobre de espírito. Todo mundo que
conhece gente muito rica sabe disso. Quando o filho dessa elite vai
fazer cinema e documentário, ele quer falar sobre pobre, puta, bandido e
ladrão. Acha que isso vai significar que ele é melhor do que o pai
capitalista e que vai mudar o mundo, mas a verdade é que esse ser vive
de dividendos. Tudo isso também tem a ver com o fato de o capitalismo
não ter fincado raízes direito no Brasil. Quando se fala em
privatização, as pessoas acham que todo mundo vai morar debaixo da
ponte. Para contra-atacar, falam em direitos trabalhistas. Mas não tem
ninguém querendo vir dos Estados Unidos para cá, só o contrário. Nunca
vi um americano querendo trabalhar ilegalmente aqui.
Nos Estados Unidos, o senador independente Bernie Sanders e a
deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez estão levantando a bandeira
do socialismo com forte intervenção estatal. A esquerda pode ir além dos
costumes e atacar o liberalismo econômico de frente? Não muito. A
questão é que a esquerda, no momento em que virou millenial, começou a
achar que tudo pode ser resolvido pelo iPhone. Eles têm uma visão de
mundo Cinderela. Acham que se ficarem trabalhando com wi-fi em
coworking, usando scarfs, sendo hipster e fazendo projetos cheios de
significados podem conseguir alguma coisa. Mas aí a vida fica meio
areada. Quando se coloca socialismo em cima disso...
O que acontece? Podem fazer documentários, isso sim. Conheço
uma moçada assim, principalmente no ramo audiovisual. Dou aula para
gente de 18 e 19 anos. Também já dei uma residência em que orientei 2
projetos ao longo de seis anos. Eles falam em fazer algo por meio de
documentários, de vlogs, de blogs... Querem transformar o mundo
discutindo questões do ponto de vista artístico e da estética, mas essas
coisas são completamente periféricas. É o mesmo erro que o presidente
Jair Bolsonaro comete ao espalhar um vídeo de um cara fazendo xixi na
cabeça do outro. Trata-se de um assunto completamente secundário. O
governo tem de fazer a reforma da Previdência. Tem de cuidar do que
precisa ser cuidado.
Que opinião o senhor tem do governo Bolsonaro até agora? Bolsonaro
venceu a eleição do ano passado com os votos dos que achavam ele a
melhor opção e com os votos dos que achavam que era a opção menos ruim.
Mas, para esse segundo grupo, o presidente está aquém. Aparentemente,
ele mesmo não consegue entender qual é a sua função. A prova disso é
esse bate-boca sobre o golden shower ou sobre o Carnaval. Ele fica nessa
guerra cultural, quase fofoca, criando instabilidade o tempo todo. Este
é um governo que fala demais. Vai e volta. O problema é que com essa
atitude Bolsonaro vai gastando o seu capital simbólico e as expectativas
de que ele faça um governo que melhore a economia e a segurança pública
vai caindo. O que ainda segura o Bolsonaro é a ideia de que a outra
opção, um governo do petista Fernando Haddad, seria pior ainda. É esse o
fio que ainda o segura. Muita gente acha que o PT seria ainda pior por
causa da corrupção, da economia péssima, da visão socialista.
Não dá para polemizar o tempo todo nas redes sociais? A
direita aprendeu essa técnica com a esquerda. É um método que teve sua
importância na história da política brasileira. Se essa direita não
tivesse agido assim, a gente provavelmente estaria pior. O PT ficaria
150 anos no poder. Orgânico do jeito que o partido era, com gente
trabalhando de coração para aquele negocio, eles não sairiam jamais.
Então eu reconheço a importância de ter uma militância contra a esquerda
na internet. Faz parte do jogo. O problema é que o momento agora é
outro. É preciso deixar o vício de lado e entender que certas coisas são
necessárias para botar o país rodando. Se continuar somente nas
questões periféricas, polemizando, a esquerda pode preparar uma
reviravolta na esquina. E a direita pode tomar uma porrada nas eleições
para prefeito.
Para um governante, não fica muito difícil governar se as pessoas só querem saber de outras coisas? A
democracia é assentada na soberania popular. Mas a verdade é que os
cidadãos decidem pelo voto sobre coisas que não compreendem. E nunca vão
entender porque não há tempo hábil para isso. A democracia é um mito
moderno por excelência. As pessoas estão muito mais interessadas sobre
temas ligados a sexo, como dizia o velho Sigmund Freud, do que sobre a
reforma da Previdência. Então essa baixaria o tempo inteiro nas redes
sociais funciona por um certo tempo. Minha pergunta é: se a economia for
para o saco, essa estratégia continuará funcionando a médio prazo? Essa
é a minha dúvida.
O que o sr. recomendaria para as pessoas que não querem entrar no corpo a corpo dos radicais da internet?
A primeira coisa que eu recomendo é que a relação com as mídias sociais
seja sobretudo profissional e limitada ao estritamente necessário. As
mídias sociais são como a pessoa promíscua sexualmente. Quando você vai
até ela, você está sempre correndo o risco de pegar doenças sexualmente
transmissíveis. É preciso sair das câmaras de eco, e dos discursos
contínuos em que um fica xingando o outro o tempo inteiro. Uma postura
estoica como essa pode ajudar até mentalmente. Melhor do que ficar nessa
tagarelice é se concentrar em coisas concretas e próximas. Focar no
trabalho, nos vínculos com as pessoas próximas. Esse é o tipo de atitude
boa quando mundo que você vive está enlouquecendo. Ler mais literatura
também pode ajudar.
O que se salva na produção artística brasileira hoje? Acho que
nossos artistas ainda estão presos pelos mecanismos de financiamento.
Além disso, eles também estão imersos nos mecanismos de socialização. Se
você não for de esquerda, não fará amigos e não será convidado para as
festas. Os artistas, assim como os jornalistas e professores, enxergam a
si mesmos como se fossem um clero do bem. Isso tem a ver um pouco com a
miséria financeira em que eles vivem. Quando se é pobre e ninguém
reconhece valor em você, é melhor achar que se está lutando uma guerra
em nome do bem. Isso ajuda a pessoa a levantar de manhã, já que ela não
pode tomar café da manhã numa padaria cara. Talvez daqui a uns cinquenta
anos isso mude.
O ministro da Educação, Ricardo Vélez, tem dito que a esquerda
domina as escolas e universidades. Acredita que ele conseguirá quebrar a
hegemonia do chamado “marxismo cultural”? Não acho. Para fazer
isso, o ideal seria acabar com o Ministério da Educação. Já falei para o
Paulo Guedes: feche o MEC. A máquina, a veia burocratizante e a
tendência que arma a Nomenklatura, como se falava na época da União
Soviética, nascem com o MEC. Penso que o nível máximo que o estado
poderia meter a mão na educação devia ser a prefeitura. No pior cenário,
o estado. Mas jamais a federação. O MEC não serve para nada. Dependendo
do burocrata que está lá, ele acha que vai dar um resultado. Como esse
cara (Ricardo Vélez). É um burocrata, não entende nada da máquina, e que
tem lá o seu ideário combativo e cultural. Ele se meteu nessa história
idiota de mandar as crianças cantar o Hino Nacional, pedir para filmar e
mandar para Brasília. É uma proposta tosca.
Como o sr. vê a atual onda patriótica? Essa história de
‘Brasil, ame-o ou deixe-o’ é coisa da ditadura militar. Na época,
significava basicamente que estávamos na Guerra Fria. Que estávamos do
lado americano e os comunistas eram a ameaça. Hoje a situação é outra. A
América Latina é um continente isolado e distante. Os americanos olham
para a gente com sono. Além do mais, não existe nenhuma ameaça por aqui.
Qual é a ameaça que o nosso país enfrenta? Bolsonaro acha que os
travestis irão acabar com o Brasil? Ele é patriota contra quem,
exatamente? Vejo que esse discurso é um pouco equivocado e, de certa
forma, atrasado. Até porque o PT também poderia usá-lo, mas com sinal
contrário. Seria algo parecido com o que faz o Nicolás Maduro na
Venezuela. Veja que lá, em Caracas, o (presidente interino) Juan Guaidó é
acusado de entreguista. Para mim, isso de nacionalismo é que nem
queimar vela com defunto ruim, como diziam as nossas avós. A luta mais
interessante a ser travada no Brasil hoje seria transformar isso em uma
sociedade liberal de verdade, em todos os sentidos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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