O “consenso” na política externa, com sua “maturidade” e “equilíbrio”,
permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na Venezuela e o
predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul, escreve o
chanceler Ernesto Araújo, criticando o "consenso" vigente nos últimos 25
anos na política externa brasileira. Segue o artigo ("Contra o consenso da inação"), na íntegra:
A política externa brasileira foi uma política de “consenso” nos
últimos 25 anos porque refletiu um consenso mais amplo, o consenso na
base do sistema político que ameaçou sufocar a nação brasileira com a
corrupção e a estagnação econômica, a crise moral e o enfraquecimento
militar, o apequenamento internacional, o descaso pelos sentimentos do
povo brasileiro.
Os brasileiros rejeitaram esse consenso nas urnas, em outubro de
2018, ao escolher o único candidato que se ergueu contra o sistema.
Insistir agora em que esse consenso continue a prevalecer na esfera da
política externa, por temor e preguiça, sob o pretexto de “manter as
tradições”, seria trair o povo brasileiro.
O “consenso” na política externa, com sua “maturidade” e
“equilíbrio”, permitiu ao longo desse período a subida de Chávez na
Venezuela, o predomínio crescente do bolivarianismo na América do Sul
concebida como um bloco socialista, a consolidação de Chavez e Maduro no
poder, a corrosão progressiva de todos os elementos do Estado
Democrático de Direito naquele país, sua entrada no Mercosul a ponto de
quase destruir o bloco, a deliberada política do regime de Caracas de
criar miséria para reforçar o controle sobre a sociedade – tudo isso sob
as barbas do nosso “consenso”. Alguns apoiaram abertamente o chavismo.
Outros fingiram que foram contra mas não fizeram nada de concreto.
Aquilo que parecia haver de defesa da democracia na política brasileira
para a Venezuela no último governo extinguiu-se completamente, entre
sorrisos, em setembro de 2018, na reunião de Aloysio Nunes com o
chanceler de Maduro em Nova York, onde o lado brasileiro aceitou na
prática a normalização das relações com a Venezuela sob o pretexto de
que “é um país com o qual fazemos fronteira”. Se permanecesse aquele
maravilhoso consenso, não haveria hoje um pingo de esperança para a
Venezuela, e Maduro estaria firme, sem qualquer receio de perder o
poder, sorrindo ao ver as crianças venezuelanas comerem lixo.
Eu vi com meus próprios olhos essas crianças e seus pais, nas
fronteiras da Colômbia e do Brasil com a Venezuela. Eu ouvi os
venezuelanos em Cúcuta gritando “obrigado Brasil” e apertei suas mãos,
eu escutei suas vozes rasgadas de esperança, gritando “Venezuela libre!”
e gritei junto com elas. Eu senti o seu enorme anseio de que agora,
finalmente, graças em grande parte ao novo Brasil, os venezuelanos
possam recuperar sua pátria e sua dignidade humana, com o fim iminente
da ditadura. Eu abracei Juan Guaidó, esse líder destemido que, sob risco
de vida, corporifica o sonho de uma nova Venezuela, vi os índios
pemones que viajaram até Brasília, grande parte do trajeto a pé, e
saudaram Guaidó em frente ao Itamaraty, e entoaram um cântico por seus
parentes massacrados por Maduro – tudo isso enquanto Rubens Ricúpero e
Fernando Henrique Cardoso escreviam seus artigos espezinhando aquilo que
não conhecem, defendendo suas tradições inúteis de retórica vazia e
desídia cúmplice.
O Presidente Bolsonaro e eu estamos, sim, rompendo esse consenso
infame. Estamos rompendo com a tolerância irresponsável que ajudou a
acobertar os crimes do regime chavista-madurista, e que continuaria
acobertando até hoje, se o sistema que vinha governando o Brasil
permancesse no poder.
A esperança de uma nova Venezuela não existiria sem o novo Brasil. A
atuação do Brasil no Grupo de Lima em 4 de janeiro, a organização do
encontro das forças de oposição em Brasília em 17 de janeiro, a denúncia
do genocídio silencioso praticado por Maduro por meio da nota do
Itamaraty igualmente de 17 de janeiro, o respaldo ao Tribunal Supremo de
Justiça legítimo da Venezuela que avaliza constitucionalmente o
processo, o reconhecimento de Guaidó como Presidente Encarregado em 23
de janeiro – todas essas iniciativas da nova política externa
brasileira, que o Presidente Bolsonaro me deu a honra de conduzir, foram
decisivas para acender a esperança que vi brilhar nos olhos das pessoas
de carne e osso, e que contagiou toda a região, que colocou a barbárie
do regime madurista sob os olhos de todo o mundo. Segundo me
confidenciou pessoalmente uma grande liderança democrática venezuelana,
foram as iniciativas do Brasil que mudaram o jogo e mobilizaram os
próprios Estados Unidos a romperem a inércia em que se encontravam até o
início de janeiro e a virem colocar seu peso político em favor da
transição democrática. Não foi o Brasil que seguiu os EUA, mas antes o
contrário. Quem não acreditar, pergunte aos venezuelanos que lutam por
sua pátria, e que passarão à história como heróis da liberdade.
Perguntem a eles o que acham da política externa de Bolsonaro. Perguntem
aos venezuelanos expulsos de seu país pela fome e pela tristeza e que
agora sentem-se à beira de poder voltar para casa. Perguntem a eles, e
não aos comentaristas de política externa, não aos ex-presidentes e
ex-ministros do “grande consenso” da inação e da mediocridade.
Perguntem a eles se me veem como a caricatura de um guerreiro
medieval com a cruz de Cristo no peito (da qual aliás muito me orgulho)
ou simplesmente como um homem que, com todas as sua limitações, está
trabalhando para defender a democracia, em benefício de toda a região,
essa democracia de que os críticos de Bolsonaro tanto falam mas pela
qual nada fazem nunca.
Agora vem FHC, com o mais surrado dos artifícios retóricos: a criação
de uma falsa dicotomia. Segundo ele, as únicas opções são o
prosseguimento do “consenso” ou a intervenção armada na Venezuela. Não,
não são as únicas. Ao contrário de FHC, eu acredito na diplomacia,
porque acredito na força da palavra e do espírito humano para mudar a
realidade, porque não sou cínico nem materialista, porque acredito no
povo brasileiro, esse povo dos “grotões” que FHC abertamente desprezava
(assim como desprezava e despreza os eleitores de direita que o fizeram
presidente duas vezes), e acredito que este povo tem em suas mãos um
destino imenso capaz de mudar o mundo, começando por ajudar na
libertação do povo-irmão venezuelano.
Nessa libertação, o sentimento de solidariedade humana para com os
venezuelanos coincide com o interesse nacional brasileiro. Uma Venezuela
eternamente chavista-madurista, vivendo do narcotráfico, albergando
terroristas de toda estirpe, armando milícias criminosas, financiando
crime organizado e movimentos pseudo-sociais em território brasileiro,
expulsando seu próprio povo pela fome e pela doença, essa Venezuela
seria uma ameaça permanente e tremenda à segurança do Brasil e dos
brasileiros. Fazer algo efetivo a respeito, contribuir para uma
Venezuela democrática, é algo que a melhor tradição diplomática
brasileira exige e impõe. Estamos restaurando a verdadeira tradição
diplomática brasileira, a tradição de um país livre, soberano, orgulhoso
de si mesmo, consciente de sua capacidade e sua responsabilidade de
contribuir para o bem da humanidade.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário