Tenho procurado por anúncios comerciais de bicicletas em Porto Alegre. Quase não os encontro. Como entender isso? Se há algo que o comércio tem é faro para oportunidades. O comerciante trata de estocar aquilo que pressente será buscado pelo consumidor. Os lojistas empilharão pratos para tiro se intuírem que o tiro ao prato se vulgarizará. Não seria diferente com as bicicletas. Comerciantes, vendo a dedicação com que as administrações municipais, para rasgarem ciclovias, avançam sobre o espaço destinado a automóveis, vans, lotações e ônibus, deveriam raciocinar assim: vai faltar espaço para o trânsito convencional e haverá espaço nas ciclovias, as pessoas vão adquirir bicicletas, certo? “Alô fulano! Providencia um anúncio de página inteira para minhas bikes nos jornais do fim de semana!”.
No entanto, mesmo com os poderes públicos exibindo saudável interesse por esse meio de transporte, indústrias e lojas especializadas não se interessam em embarcar na onda e alardear a disponibilidade de seus produtos. Há alguma coisa errada nisso. Em qual das pontas está o erro? Apesar das ciclovias destacadas, pintadas, sinalizadas, praticamente não se vê bicicletas andando por elas. E muitas estão se deteriorando.
Sei que existe um apelo forte no discurso da vida saudável, no pedalar para viver mais e melhor, na redução da poluição, nessa coisa de ser o transporte urbano o grande vilão do CO2. Tudo isso é verdade, mas transporte é meio e não fim; é sempre, um remédio de gosto ruim. Ninguém acorda de manhã e chama pelo aplicativo, ou entra no seu carro, ou vai para a parada de ônibus com o coração acelerado pela alegria e pela emoção do trânsito a enfrentar. As pessoas escolhem sua modalidade de transporte ponderando diversos fatores.
Podem me crucificar, mas se existe dinheiro mal gasto é o despendido com ciclovias em cidades cuja disposição espacial das funções e topografia não as comporta para uso de massa. E convenhamos, investir em tantas obras, ocupando espaço do transporte principal, aquele que as pessoas usam, para destiná-lo a uma modalidade de transporte que as pessoas não usam, é irracional. Existem cidades inóspitas à bicicleta como veículo e outras em que elas são o ideal para muitos cidadãos.
Na região metropolitana de Porto Alegre, na várzea dos rios que convergem para o Guaíba, existem cidades industriais de topografia plana, onde mesmo sem ciclovia as bicicletas dominam o trânsito nas horas de início e fim das jornadas de trabalho. Ali elas funcionam sem que alguém precise ficar “ensinando” a população sobre seus benefícios. As pessoas pensam independentemente dos burocratas e isso é bom. A recíproca por vezes é verdadeira e isso é mau.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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