Por Roberto José*
Recentemente assistindo dois telejornais
de famosas emissoras da nossa região, percebi que em ambas as
reportagens existem vários equívocos, do ponto de vista científico,
sobre as causas e possíveis soluções para o momento de erosão nas praias
da região de São Miguel no Município de Ilhéus – Bahia, o que me
incomodou a escrever de forma minuciosa e de fácil entendimento para
nossa população, porém sem abrir mão da base cientifica para as
afirmações elencadas, bem como, disponibilizar uma vasta bibliografia
sobre o assunto, que aqui será mencionada.
Assim, vejamos. As reportagens colocaram
a culpa sobre os episódios de erosão marítima na região exclusivamente
nos eventos naturais, como por exemplo, a presença de uma frente fria
ocasionando a região sul baiana fortes chuvas e rajadas de ventos, e
também da falta de manutenção e construção obras transversais (molhes ou
esporões) por parte dos autoridades competentes.
É importante antes, fazer menção ao
conceito de “região costeira” ou de “praia”, o qual é um ecossistema
frágil devido a sua localização na interface
continente-oceano-atmosfera, onde os processos físicos, químicos,
biológicos e geológicos característicos desta zona de interação atuam de
forma dinâmica. A estabilidade sedimentar (da areia) e morfológica (da
forma) de uma região costeira (praia) é controlada, na escala regional,
pelo balanço entre os processos meteorológicos (chuva e vento),
oceanográficos (correntes de deriva costeira) e as descargas fluvial e
sedimentar (rios da região), configurando o impacto do homem, mais um
fator determinante sobre o balanço sedimentar e a morfologia da linha de
costa, segundo aponta a pesquisadora Ignácio (2007).
Nesse sentido, é observável que a
construção e posterior ampliação do Porto Internacional de Ilhéus
modificou o comportamento das correntes de deriva dos sedimentos (areia)
da praia, ao longo de sua história, desde a sua inauguração em 1971,
pois nos 20 no início do século XX, foi detectada a necessidade de
construção de um novo porto, maior, depois do hiato, provocado pela
queda da produção do chocolate e diante das deficiências verificadas no
porto do Rio Cachoeira, localizado em área sujeita ao assoreamento pela
formação de bancos de areia e com canal de acesso de profundidade
irregular, foi quando decidiu-se, pela construção do novo porto, na
ponta do Malhado, o primeiro a ser construído em mar aberto no Brasil. O
qual modificou profundamente a dinâmica da deriva de sedimentos na
região, conforme fotografia, abaixo, verifica-se que a linha de praia na
Avenida Soares Lopes, ficava a poucos metros dos prédios.
Ao longo dos anos, no lado sul do
referido porto, conforme figura abaixo, foi havendo a deposição de
sedimentos (areia) e havendo por consequente o crescimento da linha de
costa ou da praia da Soares Lopes e por consequente havendo erosão no
lado norte, após o porto, ou seja, na região do São Miguel, pois os
sentimentos depositado na Soares Lopes estão fazendo falta no São
Miguel, uma vez que as correntes de deriva continuam fazendo o seu papel
de redistribuir os sentimentos no sentido sul-norte, daí estão erodindo
a linha de costa, interferindo no padrão de circulação de correntes
costeiras, modificando o angulo de incidência das ondas, alterando o
perfil praial e o equilíbrio sedimentar, intensificando os processos
erosivos na parte norte.
A dragagem constante para manter o canal
de navegação do porto, tem contribuído também para alterar o balanço
sedimentar regional, desencadeando ainda mais os processos erosivos no
São Miguel. Então, há quem diga que falta manutenção ou a construção de
mais esporões ou molhes ao longo da costa do São Miguel. Para
complementar essa obra de engenharia, a literatura internacional
recomenda uma solução mais econômica e menos agressiva que as obras de
engenharia civil, que é a alimentação artificial de sentimentos (areia
de praia), que deve ser retirada da Soares Lopes, ou mesmo da dragagem
do porto do Malhado.
Assim, vejamos a figura acima sobre a
construção de molhes ou esporões na linha de costa, proposto pelo
geólogo Rocha (2009), o qual vai favorecer a deposição de sedimentos
arrastados pelas correntes a norte do esporão, mas agrava a erosão sul
desse mesmo esporão, agravando ao logo do tempo até destruir a base do
mesmo onde há erosão, conforme figura acima.
Assim, na proposta do caso do São Miguel
é construir um campo de esporões ao longo da linha de costa, que vai
provocar mais e mais recuos da linha de costa, comprometendo, no futuro
próximo, até a Rodovia BA 01, que passa ao lado, ligando a Costa de
Norte a Sul.
Percebe-se então, que o Porto do Malhado
é o grande causador dessa erosão, por ser um porto construído numa
linha de costa e não numa área de mar abrigado, como por exemplo as
baias, ou um porto offshore como é o caso do Porto Sul, que será
construído fora da área de arrebentação e será ligado ao continente por
pontilhões e pontes, cuja intervenção na deriva sedimentar será pequena,
assim, sendo, o Porto do Malhado deve buscar ressignificado, do ponto
de vista econômico, turístico e ambiental, buscando a tão sonhada
sustentabilidade e respeitando as dinâmicas ambientais.
*Geógrafo, Especialista em Planejamento de Cidades,
Especialista em Engenharia de Tráfego, Mestre em Geografia; Policial
Civil, Professor da Rede Particular de Ensino, Pesquisador e Consultor
sobre vulnerabilidade e Risco Social, Tutor de Ensino da Secretaria
Nacional de Segurança Pública, Membro do FBSP – Fórum Brasileiro de
Segurança Pública.
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