MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

sábado, 16 de dezembro de 2017

POLÍTICA É O MESMO QUE FODER CÚ DE GATO


Charles Bukowski

Extraído de 'Crônica de um Amor Louco; 1967 - 72'

 
"Prezado senhor Bukowski:
Por que o senhor nunca escreve sobre política ou assuntos internacionais?

M. K."


"Caro M. K.:
Pra que? Feito, quais são as novas? - quem não sabe que o negócio está fervendo?"


    o nosso desvario surge no meio da maior calma, enquanto se fica olhando, à procura de fios de cabelo em cima do tapete - se perguntando o que é que poderia ter acontecido, porra, pra esse pessoal inventar de explodir o carrinho cheio de jujuba, com o cartaz do marinheiro Popeye colado do lado.

    Negócio seguinte: o sonho acabou e, depois, não sobrou mais nada. O resto é só marmelada pra general e banqueiro. Por falar nisso - acabo de ler que caiu outro bombardeiro dos E. U. A. carregado de bombas de Hidrogênio - DESTA vez no mar, perto da Islândia. Essa garotada anda muito descuidada com seus aviõezinhos de papel, ao mesmo tempo em que, SUPOSTAMENTE, me protege a vida. O Depto. De Estado diz que as bombas-H estavam "desarmadas". Sei lá o que significa isso. Ai então, se lê mais adiante que uma das bombas-H (perdidas) se abriu e espalhou um bocado de titica radioativa por tudo quanto é lado, ao mesmo tempo, em que supostamente me protegia a vida. MUITO EMBORA eu não tivesse pedido nenhuma proteção. A diferença entre democracia e ditadura é que, numa, primeiro a gente vota e depois cumpre ordens, ao passo que na outra não é preciso perder tempo com eleições.

    Voltando à queda das bombas-H - há pouco tempo aconteceu coisa idêntica nas proximidades da ESPANHA. (estamos em tudo quanto é lugar, sempre pra proteger a vida.) mais uma vez, ficaram perdidas - êta brinquedinhos sem juízo. Levaram 3 meses - se não me engano - pra localizar e tirar a última que estava lá. Talvez tenham sido 3 anos. Essa última bomba - não é que a desgraçada inventou de ficar encravada num cômoro de areia, bem no fundo do mar? E cada vez que tentavam enganchar o troço, com o maior cuidado, se soltava e rolava mais um pouco pelo cômoro abaixo. A todas essas, aquela pobre população da cidade costeira se virava de um lado para o outro de noite na cama, imaginando que iria saltar pelos ares, por cortesia da bandeira americana. Claro que o Depto. De Estado dos E. U., em declaração oficial, garantiu que a bomba-H não dispunha de fuso de detonação, mas, enquanto isso, os ricos se mandaram pra outras paragens e os marinheiros americanos e o pessoal da cidade parecia nervoso a beça. (afinal de contas, se não fossem capazes de explodir, a troco de que andariam voando com elas por ai? Seria melhor que transportassem salames de 2 toneladas. Fuso de detonação quer dizer "faísca" ou "gatilho", sendo que "faísca" pode sair de qualquer lugar e "gatilho" significa "disparo", ou coisa semelhante, que acione o mecanismo de detonação. AGORA a palavra que usam é "desarmado", que parece oferecer maior segurança, mas no fim dá no mesmo.) seja lá como for, tentaram enganchar a bomba, mas, como se diz, a danada era dura na queda. Depois ocorreram algumas tempestades submarinas e nossa trêfega bombinha foi rolando, cada vez mais, cômoro a baixo. O mar é uma coisa insondável, bem mais que os propósitos do governo.

    Por fim criaram um equipamento especial só para puxar a bomba pelo rabo e retiraram aquele troço do mar. Palomares, é isto mesmo, foi onde tudo isso aconteceu: Palomares. E sabem o que fizeram depois?

    A Marinha Americana apresentou um CONCERTO DE BANDA na praça municipal para festejar o resgate da bomba - já que o troço não era perigoso então todo mundo podia se esbaldar. É, e os marinheiros tocavam e a população espanhola ia escutando, até chegarem todos a um autêntico orgasmo coletivo, um imenso desabafo sexual e espiritual. não sei que fim levou a bomba que tiraram do mar. Ninguém (a não ser raros privilegiados) tampouco sabe e a banda continuava tocando, enquanto 1.000 toneladas de camada radioativa do solo espanhol foram despachadas para Aiken, Carolina do Sul, em recipientes lacrados. Sou capaz de apostar que o preço da armazenagem em Aiken, C. S., sai mais barato.

    Agora, portanto, as nossas bombas andam boiando e afundando, deladas e "desarmadas", lá pela Islândia.
O que é que se faz quando a atenção do povo se volta para questões embaraçosas? Ora, muito simples: desvia-se atenção dele para outra coisa. O povo só tem capacidade para pensar numa coisa de cada vez. Feito, espiem só, esta manchete de 23 de janeiro de 1968: B-52 CAI PERTO DA GROELÂNDIA COM BOMBAS DE HIDROGÊNIO. DINAMAQUESES PROTESTAM. Dinamarqueses protestam? Ah, minha nossa!

    Seja lá como for, se repente, no dia seguinte, outra manchete: NORTE-COREANOS CAPTURAM NAVIO NA MARINHA AMERICANA.

    Oba, o patriotismo voltou! Ora, já se viu? Sacana de uma figa! E eu que pensava que AQUELA guerra tinha acabado! Ah, ah, saquei - os COMUNAS! Títeres coreanos!

    A legenda da telefoto da Associated Press diz mais ou menos o seguinte - O navio de reconhecimento dos E. U. Pueblo - ex-cargueiro do exército, atualmente convertido em embarcação de espionagem secreta da marinha, e que dispõe de aparelhagem monitora elétrica e equipamento oceanográfico, foi forçado a atracar no porto de Wonsan, perto da costa da Coréia do Norte.

    Esses comunas, chupadores de piroca, sempre enfunerando a gente por aí!

    Mas aí NOTEI que a história da bomba-H perdida tinha passado para uma coluna menor: "Radiação Detectada no Local da Queda do B-52; Rumores de Vazamento na Bomba."

    Contam que o presidente foi acordado mais ou menos às 2 da madrugada para ser informado do sequestro do Pueblo.

    Suponho que tenha voltado a dormir.

    Os E. U. dizem que o Pueblo se achava em águas internacionais; os coreanos afirmam que ele estava em águas territoriais. Um dos países está mentindo.

    De repente a gente se pergunta, mas pra que serve um navio de espionagem em águas internacionais? É o mesmo que andar de capa de chuva em dia de sol.

    Quanto maior a proximidade, melhor a transmissão e a compreensão da notícia.

    Manchete: 26 de janeiro de 1968: OS E. U. CONVOCAM 14.700 RESERVISTAS DA AERONÁUTICA.

    As bombas-H perdidas na costa da Islândia sumiram por completo do noticiário como se o fato nunca tivesse acontecido.

    Enquanto isso:

    O Senador John C. Stennis (democrata, de Missouri) declarou que a decisão do presidente Johnson (a convocação de reservistas da Aeronáutica) foi "necessária e justificada", e acrescentou, "espero que não hesite em mobilizar também os contingentes de reservistas das tropas terrestres."

    O líder da minoria no senado, Richard B. Russel (democrata, da Geórgia): "Em última análise, o nosso país deve exigir devolução do navio e da tripulação capturada. Afinal de contas, muita guerra importante começou com incidentes bem menos graves do que esse."

    O presidente da Câmara dos Deputados, John W. McCormack (democrata, Massachussetts): "O povo americano tem que compreender que o comunismo está empenhado em conquistar o mundo. Existe um excesso de apatia em torno disso."

    Se Adolph Hitler fosse vivo, acho que gostaria muito de assistir o que está se passando.

    O que se pode dizer sobre política e assuntos internacionais? A situação de Berlim, a crise cubana, os aviões e navios espiões, o Vietnã, a Coréia, as bombas-H perdidas, o tumulto nas cidades americanas, a fome na Índia, os expurgos na China Vermelha? Existem bandidos e mocinhos? Quem sempre diga a verdade, quem nunca minta? Bons e maus governos? Não, existem apenas governos ruins e outros ainda piores. Haverá o clarão de luz e calor rachando a gente de cima a baixo numa noite em que se estiver trepando, cagando, lendo histórias em quadrinhos ou colando selos raros em álbum? A morte instantânea já não constitui nenhuma novidade, muito menos a morte instantânea em massa. Mas aperfeiçoamos o produto; podemos contar com séculos de conhecimento, cultura e descobertas; as bibliotecas estão aí, sempre aumentando, rodeadas e apinhadas de livros; grandes quadros são vendidos por centenas de milhares de dólares; a ciência médica já faz transplantes cardíacos; não dá pra diferenciar um louco de um são aí pelas ruas, e de repente, quando se vê, as nossas vidas dependem mais uma vez de verdadeiros idiotas. As bombas talvez nem sejam lançadas; por outro lado, talvez sejam. Uni duni, tê, salamê mim güê, um sorvete coloret...

    Portanto, caros leitores, se me derem licença, vou voltar pras putas, pros cavalos e pra garrafa enquanto há tempo. Se isso contribui pra gente morrer, então, pra mim, parece bem menos repugnante ser responsável pela nossa própria morte de que qualquer outra modalidade que ande por aí, disfarçada com rótulos sobre Liberdade, Humanidade e/ou qualquer outra espécie de Papo Furado.

    Primeira largada, 12 e 30. primeiro trago, já. E as putas sempre estarão por aí. Claro, Penny, Alice, Jo...

    Uni, duni, tê, salamê...

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