Quando o assunto é chá, há quem torça o nariz. Bebida milenar, consumida em grande quantidade, principalmente nos países orientais, no Brasil ela ainda é rodeada por tabus. Versátil, entretanto, vem, aos poucos, se revelando um verdadeiro curinga não só na companhia de biscoitos e bolos, mas, acreditem, como par perfeito de drinks e até de pratos salgados e doces.
Bacharel em gastronomia e estudiosa de chás há mais de dez anos, Ana Splenger costuma compará-la ao vinho. Com uma diferença, aponta: “Considero-o ainda mais democrático, já que abrange até quem não consome álcool”, justifica.
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Coordenadora dos cursos de culinária e harmonização no Instituto Chá, em São Paulo – primeira instituição a inaugurar, no Brasil, um curso de formação em sommelier da bebida –, a profissional explica que é possível utilizar as ervas, preparadas ou “cruas”, como acompanhamento ou tempero. Vale a máxima da combinação por semelhança ou contraste, ensina. 
“Me incomoda colocar como regra, já que a harmonização é uma experiência muito pessoal, individual. O ponto de partida, entretanto, é combinar as intensidades: pratos mais leves com chás delicados e os condimentados com bebidas mais intensas e encorpadas”, detalha, fazendo referência à harmonização. 
Chá branco
A exceção à “regra” fica por conta do chá branco. De sabor suave, delicado e aroma sutil, ele não deve ser combinado à mesa. “Dificilmente encontraremos um alimento que não diminua a percepção da delicadeza do chá branco, cuja produção, limitada, é feita com brotos e as primeiras folhas da planta, numa colheita manual superdelicada. Ele merece ser apreciado sozinho”, pondera.
Mais do que saber combinar, é importante ter conhecimento sobre a origem, tradições que envolvem o consumo e, principalmente, os diferentes tipos e formas de preparo adequadas a cada um.
O principal sinal de um preparo errado de chá é o amargor, típico de infusões demoradas; chás pretos, por exemplo, devem ficar em infusão por no máximo 5 minutos, e os verdes, por 4
Sommelier de chá em Belo Horizonte e proprietária da loja virtual Camellia Chás, Daniella Perdigão ensina alguns macetes para os marinheiros de primeira viagem fazerem bonito.
Chá_Sommelier Daniella Perdigão
Temperatura certa e tempo de infusão são truques para um preparo perfeito, ensina Daniella Perdigão
A propósito, pouca gente sabe, mas, genuinamente, só podem ser chamadas de chás infusões preparadas com Camellia sinensis – espécie da família Theaceae, popularmente conhecida como chá ou chá-da-Índia.
“Em casa, o ideal é usar um termômetro culinário ou uma chaleira que meça temperatura, mas os chineses usam muito a observação. Começaram a subir as primeiras bolhinhas, a água está a 70, 75°C; ficaram um pouco maiores, 80°C”, descreve, lembrando que cada tipo de erva exige uma temperatura.
Confira curiosidades sobre a "bebida dos ingleses":
- Existem centenas de ervas e, portanto, de chás e infusões diferentes. O que muda em relação a um e outro é, principalmente, o tipo de processamento da planta. O chá preto, por exemplo, é 100% oxidado, já o branco, não passa pela oxidação.
- Os tipos de chá são seis: branco, amarelo, verde, oolong, preto e escuro ou fermentado. Já as infusões, são incontáveis.
- Ao fazer chás, não ferva a água. Somente infusões podem ser preparadas dessa maneira. As ervas voltadas para chás amargam quando em contato com água fervida.
- Recipientes de cerâmica ou porcelana retêm mais calor. Os de vidro, por sua vez, costumam ser mais usados pela questão estética.
- Preparos com cascas (abacaxi e canela, por exemplo) e raízes (gengibre) devem ser feitos por decocção, quando o ingrediente é fervido junto com a água. Os mais delicados, com flores e folhas, devem ser por infusão - adição da água ao ingrediente por tempo limitado.
- Evite adoçar os preparos para manter as características naturais da bebida.
- Chás e infusões de sachê costumam ser mais "fracos", pois passam por  um método chamado de CTC, que rasga e tritura as folhas para acelerar o processo de oxidação, além de conterem resíduos das produções de melhor qualidade.
- A medida recomendada para o preparo correto é de 1 colher de chá de erva para 1 xícara de 200 ml de água. Para preparos gelados, deixe a erva em água fria por 8 a 12 horas, utilizando uma vez e meia a quantidade original do ingrediente.
- Depois de prontos, chás e infusões devem ser consumidos em até 24 horas.
- Os principais países produtores e consumidores de chá são China, Índia, Japão e Quênia.
- Conserve as ervas ao abrigo de umidade, calor e luz. Latas ou potes de cerâmica são os recipientes mais indicados. O chá verde em pó ou moído, o matcha, deve ser guardado na geladeira.
RECEITAS:
Sugestões de Ana Splenger, coordenadora dos cursos de harmonização e culinária do Instituto Chá, em São Paulo
- Nhoque de matcha
Ingredientes:
4 xícaras de trigo
1 litro de água
1/4 de xícara de azeite
2 colheres de sopa de matcha
1 colher de chá de sal
Preparo:
Ferver a água com azeite, sal e o matcha. Misturar bem para dissolver. Assim que levantar fervura, despejar o trigo todo de uma vez e mexer vigorosamente até incorporar e começar a soltar do fundo da panela.
Deixa esfriar até o ponto de poder amassar com as mãos, então sovar a massa, deixando-a lisa e flexível. Abrir rolos da massa com cerca de dois centímetros de diâmetro e cortar em pedaços do mesmo tamanho. Moldar conforme desejado. Cozinhar em água fervente salgada até que boiem.
Sugestão: tostar em um fio de azeite numa frigideira anti-aderente e misturar sálvia fresca.
Rendimento: 6 porções
Tempo de preparo: 45 minutos
- "Caipirinha" de kiwi com chá verde
Preparar uma infusão de chá verde – fria, por duas horas, ou quente, a 80ºC, por 3 minutos (resfriar antes do uso). Macerar o kiwi com açúcar, adicionar gelo e completar com chá verde
- Sopa de couve-flor com lapsang souchong
Ingredientes:
1 couve-flor grande
2 batatas
2 cebolas
3 colheres de sopa de azeite
1,5 lito de caldo de legumes (cebola, alho poró, cenoura, salsão, folhas e talos diversos)
1 colher de chá de lapsang souchong
Pimenta preta (opcional)
Sal
Modo de preparo:
Aqueça o caldo, acrescente o chá e infusione por 5 minutos. Coe e reserve. Corte grosseiramente a couve-flor, as cebolas e as batatas – sem casca. Aqueça uma panela de fundo grosso, acrescente o azeite e doure a cebola até escurecer as bordas. Junte a couve-flor e a batata, refogue rapidamente e junte o caldo. Cozinhe com a panela tampada até que a couve-flor comece a desmanchar. Bata no liquidificador e volte ao fogo. Ajuste o sal e, se preferir, acrescente pimenta preta moída na hora.
Rendimento: 6 porções
Tempo de preparo: 1 hora

Plantas medicinais exigem conhecimento e uso cauteloso
Verdade seja dita: chás e infusões vêm conquistando espaço nas cozinhas e se misturando a ingredientes finos da alta gastronomia. Mas, desde que o mundo é mundo, fazem parte da cultura popular ao serem lembrados para aliviar desconfortos físicos e até curar doenças.
A farmacêutica Ana Cimbleris que o diga. Especialista em plantas medicinais, ela produz e vende espécies para essa finalidade, além de ministrar cursos e palestras educativas direcionando as escolhas para cada necessidade.
Chá_Ana Cimbleris
Especialista em ervas medicinais, Ana Cimbleris alerta para o risco de se consumir o que está na moda
“Toda a população brasileira, de Norte a Sul do país, já faz um uso das plantas medicinais, uma prática de domínio popular. O que acontece é que muitas vezes não se conhece detalhes importantes, como a interação dos chás com medicamentos e a dosagem correta, daí a importância das palestras para garantir o aprimoramento do uso e a ingestão sem risco”, diz.
Efeitos colaterais
Ela reforça, ainda, que plantas medicinais têm química na composição e que, portanto, podem levar a efeitos colaterais quando administradas incorretamente. Alguns exemplos dos desconfortos são reações alérgicas, efeito abortivo e problemas no fígado e nos rins devido ao uso prolongado. 
“É bom ter cuidado com plantas que entram na moda, cujos benefícios são propagados sem nenhum embasamento científico, somente com interesse comercial. O confrei, por exemplo, virou uma panaceia, pois diziam que poderia curar diversos tipos de doença. No entanto, é uma planta tóxica. Já o hibisco, quando consumido em excesso, pode ser ruim para os rins, devido ao efeito diurético”, exemplifica a farmacêutica, que é proprietária da Vernalis Plantas, em BH.
Ana também chama a atenção para a dose adequada dos preparos. O ideal é usar de uma a três colheres de chá da planta para cada xícara de água. A quantidade, no entanto, pode variar conforme a erva utilizada. “Algumas pessoas usam planta em excesso, o que, além de desnecessário, pode provocar uma superdosagem”, diz.
Infusões de qualidade podem ser usadas até três vezes após o primeiro preparo; na culinária, o “resíduo” guardado na geladeira pode ser usado em até dois dias sob a forma de tempero