Raíza Tourinho / A TARDE
Conte um pouco como o senhor enveredou pelo mundo da Educação e qual é a sua visão pedagógica atual.
Em 1936, fiz o exame de admissão para o Ginásio da Bahia (atual Colégio Central) e fui aluno de professores extraordinários, entre os quais destaco Herbert Fortes. Esses professores despertaram a minha vocação pelo ensino desde cedo, já que, enquanto cursava o Ginásio da Bahia, comecei a dar aulas particulares para outros alunos, que se preparavam para fazer o rigorosíssimo exame de admissão. Minha visão pedagógica sempre foi a de dar endereço ao projeto de vida dos meus alunos. Em outras palavras, estimular cada aluno na busca da sua real vocação.
Nos seus 70 anos de magistério, o senhor atuou na formação de milhares de pessoas. Como vê o atual processo de ensino? O que mudaria?
As gerações e suas realidades têm mudado bastante. Após a 2ª Guerra Mundial, o Brasil saía do Estado Novo e entrava na era de Juscelino, com toda aquela energia e euforia de crescimento. Nesse momento, era essencial a vinda das novas ideias. Caetano Veloso, por exemplo, foi meu aluno no curso de filosofia da Ufba e era um frequentador constante dos encontros que eu realizava na minha biblioteca com os jovens que buscavam esses novos posicionamentos. Caetano criou o Tropicalismo. Na mesma época, o Glauber Rocha criava o Cinema Novo e o José Celso Martinez, outro ex-aluno, revolucionava o ambiente cultural criando o novo Teatro Brasileiro. Posteriormente, do Golpe Militar de 1964 até o governo do general Figueiredo, mergulhamos na ditadura. Seria impensável agir da mesma forma. As minhas aulas, nesta época, focavam a conscientização da nossa realidade social e estimulavam uma reflexão para que não nos tornássemos "marionetes" do imperialismo, sem jamais incitar à violência. Atualmente, preocupa-me muito a ausência de ideais por parte dos jovens. A acomodação intelectual permite a massificação e a manipulação das pessoas. É só ligar uma FM e ouvir o que se toca... E, quando observamos os professores hoje em dia, com algumas exceções, obviamente, o que vemos são profissionais do ensino preocupados em passar conteúdo. Professores por profissão, não por vocação. Em sua grande maioria, não possuem uma biblioteca própria e não têm o costume de ir a livrarias, o que realmente não é positivo.
A Educação é um dos setores mais afetados pela introdução de novas tecnologias. Está difundida a ideia de que a lousa e o professor já não são suficientes para prender a atenção do estudante do século XXI. O senhor acredita que o método tradicional de ensino realmente está morrendo?
Honestamente, o que já morreu há muitas décadas, mas o MEC não enxerga e a nossa sociedade não reclama, é a permanência de conteúdos programáticos imensos e desnecessários, que obrigam professores e alunos a perderem tempo com inutilidades que jamais serão usadas em suas vidas. A vinda do Enem está tentando melhorar esta realidade, mas o próprio Enem ainda está longe do ideal. Como prender a atenção de um jovem com algo que ele só usará no dia do vestibular e nunca mais? Por outro lado, a chegada da tecnologia, na minha maneira de ver, é fantástica! No século XX, o acesso à informação era difícil, restrito. Quando as famílias possuíam condições financeiras, os alunos tinham em suas casas as enciclopédias Barsa ou Delta Larousse, que rapidamente ficavam obsoletas em função da atualização das informações. Quem não tinha recursos, precisava ir a uma biblioteca pública e perder horas procurando algum livro útil. Hoje, praticamente todo mundo tem acesso a um computador, uma lan house ou até mesmo um smartphone e se conectar à internet. Isto era impensável há até pouco tempo. O professor, inclusive, precisa estar bem atualizado para não dar informações que no minuto a seguir possam já fazer parte do passado.
Como se conquista o aluno? A formação acadêmica é suficiente para "gerar" um professor?
Há três tipos de professores: o professor por profissão, por vocação e por aberração! Por profissão é aquele que precisa sobreviver e, para isso, passa os conteúdos para os seus alunos. Ele é pontual, é assíduo, cumpre com as exigências legais, tem formação na área. Por aberração são os que poderiam ser qualquer coisa, menos professores, mas que, não se sabe como, foram parar numa sala de aula (risos). E o professor por vocação tem todas as características do professor por profissão, mas com um diferencial: quer dar "endereço" ao seu aluno. Para isso, tem que cobrar suas responsabilidades, estimulando-o a descobrir também suas habilidades e fazer seus "olhos" brilharem a cada aula. Isto não se aprende na faculdade, é a sua essência interna que busca na didática a melhor forma de mobilizar as pessoas. Costumo dizer que pedagogia é ciência, mas didática é arte. É algo muito pessoal e intangível.
Vivemos o que muitos chamam de "crise de valores". Já escutei de alguns jovens docentes que o dever do professor é passar conhecimento e não educar, sendo esta uma atividade exclusiva dos pais. Como o senhor enxerga esse processo? É possível o professor estimular a postura ética, como é sugerido nas diretrizes filosóficas do Colégio Integral, sem ser um formador de valores?
É bom clarear esses termos para não fazermos confusão. Educação é algo muito amplo, que precisa ter diversos agentes trabalhando ao mesmo tempo. A família tem a obrigação em passar a velha e esquecida educação doméstica para o estudante. Ensinar o filho a dizer obrigado, por favor, bom dia, etc. Valores humanos essenciais que formam a base de um caráter íntegro e ético. São estas as atribuições da família e da escola. O professor profissional, aquele que apenas passa conteúdos, é incompleto e descartável. O educador, professor por vocação, nunca deixará de estimular a postura ética dos seus alunos.
De acordo com um texto e sua autoria, o professor faz parte da "linha de frente do saber", é aquele que lapida o talento do aluno. Por sua vez, o educador é o pedagogo, que prioriza os valores da instituição, e o mestre tem a cosmovisão educacional, antecipando o futuro. O senhor já declarou que mestre era Anísio Teixeira. O senhor se considera um? Esta categoria está em falta atualmente? Quais são os seus mestres?
Eu não me considero mestre, mas um agitador intelectual! Não ensino para ter discípulos, mas para desenvolver talentos que, sem dúvida, mudarão nossa sociedade. Este perfil de professor, realmente, está em falta. Entretanto, como tudo relacionado ao homem é cíclico, em algum momento eles retornarão. Anísio Teixeira, Herbert Fortes, Milton Santos, Darcy Ribeiro, são mestres e professores que me marcaram eternamente.
Consideram o senhor como o mais antigo pedagogo em atividade no estado da Bahia. Aos 90 anos de idade, o senhor tem planos de se aposentar? E de que maneira encara a vida no atual momento?
Pela sua pergunta, vão me dizer que eu cheguei aqui com Tomé de Souza (risos). De qualquer forma, quando se chega aos 90 anos, pode-se fazer muitas análises do que é relevante na vida. Durante a vida, nós temos duas idades: a da vaidade e a idade da verdade. A vaidade nos acompanha até o ponto em que a experiência e a maturidade chegam para reavaliar nossos dogmas. A partir daí, vem a idade da verdade, reposicionando nossos referenciais e valores. Atualmente, eu não leciono, mas não consigo viver longe das minhas leituras e das livrarias da cidade. Sempre que possível, faço pequenas preleções com os jovens do Integral e me encontro com intelectuais, amigos e familiares. Tenho percebido o crescimento extraordinário do Brasil nas últimas décadas e creio que, de alguma forma, colaborei ao acreditar naquilo que fazia, principalmente no que se refere à conscientização de jovens, que serão sempre o futuro de qualquer nação.
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