MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 15 de janeiro de 2012

Folhetos de cordel traziam diversão e informação para o povo nordestino

 

Leandro Gomes de Barros é considerado o pai da literatura de cordel.
O Globo Rural reapresenta as melhores matérias do ano de 2011.

Do Globo Rural
Muito antes de aparecer na televisão, o povo da roça, principalmente do Nordeste, já usava o cordel para divulgar suas histórias. A reportagem mostra a história dos poetas cordelistas.
“Foi um trio americano que primeiro teve a glória
De fazer daqui da Lua uma via transitória,
Que vai ficar para sempre na face A da história”.
No cordel, aconteceu, virou poesia. Tem muita gente que só acreditou que o homem tinha mesmo chegado à Lua depois que leu a história rimada. Contada num folhetinho de capa singela, papel simplório e vendido por quase nada.
Em alguns lugares da zona rural, parece até que foi feita uma plantação de parabólicas, tamanha a quantidade. A notícia chega via satélite, mas quando não existia luz elétrica, rádio ou TV, eram os folhetos de cordel que traziam informação e diversão. Eles eram o jornal e a novela do sertanejo.
“Peço ao senhor Jesus
Que em tudo me conduz
Que dê-me um facho de luz
Com fios de inspiração
Para escrever em cordel
Como é que é o papel
De qualquer um menestrel
Com raízes no sertão”
Nascido no sertão da Paraíba, o poeta Abdias Campos viveu estes dias, em que para o homem simples da roça, versejar era tão comum quanto lavrar. “Minha mãe botava a gente para dormir dizendo versos. Meu pai, a gente ia pro roçado, ele ia cantando. Depois do jantar ia pro terreiro, sentava nos bancos e ficava dizendo versos. Quando se ia pra feira, sempre se avisava: olha, traz o folheto novo. As histórias da própria redondeza eram contadas nesses folhetos”.
O cordel corria o Nordeste na mala dos folheteiros, que iam de povoado em povoado vendendo poesia. Quem já conhecia as letras virava o leitor da família.
“Pra lhes deixar a par sobre esta literatura,
Que é a mais popular e, ainda hoje perdura,
Vamos direto ao começo, donde vem esta cultura?”
Quem nos conta a história do cordel no Brasil é o poeta e presidente da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, que não fica no Nordeste, mas no Rio de Janeiro.
“Para nós de língua portuguesa, a origem é ibérica, vem de Portugal e Espanha, mas o cordel vem de mais longe, atravessou o período medieval. Aqui no Brasil, o cordel chegou em Salvador, na mala dos colonizadores portugueses. Dali, se irradiou pelo outros estados do Nordeste. Se irradiou na comunicação oral, não tinha chegado escrita ao Brasil, a imprensa”, explicou Gonçalo Ferreira da Silva.
Foi a voz dos cantadores que primeiro encheu o sertão de versos.
“Este Nordeste querido, que tanta beleza tem
Seu cordel é sua vida, um amor que vai além”
Oliveira de Panelas, um pernambucano cheio de bom humor se autodefine: “Eu sou poeta, repentista, violeiro, cordelista, cantador”.Oliveira ganha a vida mesmo como cantador e sabe bem a diferença entre o poeta repentista e o cordelista. “Todo repentista pode ser um cordelista, mas nem todo cordelista pode ser um repentista. Porque o repentista faz de improviso. Pensando é que ele faz. Não vamos dizer que ele seja um grande cordelista, aliás, a diferença é essa”.
“Uma coisa se eu pudesse transformava sem sobrosso
A voz de Maria Alcina botava em Ney Matogrosso
Nem que fosse necessário um transplante de pescoço”.
“Obrigado pai celeste, ter me dado esse Nordeste para fazer poesia”.
O poeta cordelista é chamado de poeta de bancada. Ele senta, pensa e escreve seus versos. Mas o que faz do cordel uma poesia diferente? O jornalista e pesquisador da cultura brasileira Assis Ângelo já fez livro, CD, organizou concurso de poesia de cordel e não para de garimpar novidades. Algumas não tão novas assim. “Isso aqui é uma coisa recente, de 1626.” Tem também folheto em francês, folheto em japonês, cordel em quadrinhos.
Em sua casa, em São Paulo, ele resume a diferença entre poesia de cordel e a poesia chamada de erudita. “Uma tem o lustre, tem o brilho da erudição no sentido de formação acadêmica e a outra, não, a outra é a poesia pobre. Ela é direta, é clara, não fica preocupada com expressões que as pessoas não conheçam. Ela não fica mexendo dicionários para encontrar palavras bonitas. São poesias que têm história com começo, meio e fim”.
Na feira de São Cristóvão, reduto dos nordestinos no Rio de Janeiro, encontramos um desses típicos poetas populares. Todos os domingos, José João dos Santos passeia pela feira que ajudou a criar. Ele saiu da Paraíba para o Rio de Janeiro na década de 40. Trabalhou como pedreiro, como porteiro, até ficar conhecido por suas cantorias e versos como Mestre Azulão.
“Na terra de azulão não chove no mês de maio
O povo de lá só vive de fazer cesto e balaio
Foi a terra que a vaca engoliu o papagaio
Porque o papagaio é verde
E ela pensou que era uma moita de capim”.
“Foi no autódromo de Ímola
Grande Prêmio italiano
Dia primeiro de maio
De noventa e quatro o ano
Que trouxe tristeza e pena
Acabando Ayrton Senna
Neste desastre tirano”
Homenageado neste cordel, Ayrton Senna é até hoje para muitos brasileiros o número um do automobilismo. Na literatura de cordel, o poeta também considerado número um, começou a arriscar suas rimas na paisagem do sertão paraibano.
Da Serra do Teixeira saíram muitos cantadores e poetas. Segundo alguns pesquisadores, a região é o berço da literatura de cordel. Se lá é o berço, o pai é Leandro Gomes de Barros. Em Pombal, cidade paraibana onde nasceu, Leandro virou nome de rua.
Ele é descrito pelo folclorista Câmara Cascudo de um jeito carinhoso: "Baixo, grosso, de olhos claros, bigodão espesso, cabeça redonda, meio corcovado, risonho contador de anedotas, tendo a fala cantada e lenta do nortista, parecia mais um fazendeiro que um poeta. Pleno de alegria, de graça e de oportunidade".
Quando começou a imprimir seus poemas, a publicação se chamava simplesmente folheto. O nome cordel veio depois, como conta Gonçalo Ferreira da Silva: “O verbete surgiu em 1881, por ocasião da publicação do dicionário contemporâneo de Caldas Valente em Portugal”.
No dicionário, cordel aparece como “cordão, guita, barbante”. Literatura de cordel: “conjunto de publicações de pouco ou nenhum valor”. Na época, os próprios poetas não aceitavam essa denominação. Aos poucos foram se acostumando. Hoje, quase não se vê mais o folheto à venda pendurado em barbante, mas o nome cordel pegou.
Os folhetos de Leandro viraram clássicos. Além de O Cachorro dos Mortos, Vida de Cancão de Fogo e seu Testamento, História da Donzela Theodora, Vida de Pedro Cem. Alguns deles temperaram a obra de um morador de Recife: o dramaturgo e romancista Ariano Suassuna.
“A minha peça mais conhecida, o Auto da Compadecida, é fundamentado em três folhetos da literatura de cordel. O primeiro ato é baseado em um folheto chamado O Enterro do Cachorro, que depois se descobriu que era de autoria de Leandro de Barros e era um pedaço de um folheto chamado O Dinheiro”, explicou Suassuna.
O Testamento do Cachorro conta a história de um padre, subornado para fazer o enterro de um cachorro. Veja no vídeo como ficam os versos originais que inspiraram Suassuna com as cenas do filme o Auto da Compadecida. Ali também é mostrada a relação da xilogravura com a literatura de cordel.

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