Ao contrário do que parece, os impactos da informalidade nem sempre são
prejudiciais e podem mesmo ser benéficos. Artigo do professor e
economista Ubiratan Jorge Iorio, publicado pela Oeste:
Jorge está pensando em abrir um pequeno negócio, que ele estima ter
potencial para gerar uma renda anual de $100. Mora no subúrbio de uma
capital, é um cidadão correto e deseja legalizar a empresa. Contudo,
para atender a todas as exigências da versão moderna da Hidra de Lerna —
o monstro mitológico de cabeças regeneráveis e automultiplicáveis em
que o Estado moderno se transformou —, além das despesas de registro,
terá de desembolsar $40 todos os anos em taxas, impostos e outras
tungadas do ogro estatal.
De início, surge uma dúvida: será que o governo alocará esse montante
mais eficientemente do que Jorge o fará, caso este decida que é mais
compensador não registrar a empresa e usar os $40, por exemplo, para
abrir uma filial em outro bairro, que lhe renderia mais $100 todos os
anos e geraria empregos para dois ou três balconistas? Quem pode
garantir que o Estado não vai destinar os $40 que tomará de Jorge para
um fundo partidário, remunerar os seguranças de um ex-presidente
condenado em três instâncias ou pagar lagostas a ministros? Não será
melhor para ele e para os balconistas e suas famílias — e menos
desrespeitoso com todos os pagadores de impostos — que o negócio não
seja legalizado? Quem, nesse caso, fere a ética, a clandestinidade de
Jorge ou a prodigalidade do Estado com o dinheiro dos outros?
Fenômenos econômicos precisam ser sempre analisados segundo dois
pontos de vista: o que considera apenas as consequências visíveis, de
curto prazo, ou aquilo que se vê; e o que leva em conta não só os
efeitos expostos a olho nu, mas também — e principalmente — focaliza o
binóculo para descortinar o longo prazo, antecipando aquilo que for
possível enxergar e prever. Essa recomendação para cotejar entre o que
se vê e o que se deve prever é especialmente importante quando
analisamos os mercados informais, ou economia informal. Quando a
informalidade é alta, a consequência que se vê é que o governo vai
arrecadar menos e isso pode dificultar a criação de programas públicos e
retardar o crescimento econômico. Provavelmente é essa a impressão da
maioria das pessoas e, seguramente, a dos economistas que sofrem de
miopia intervencionista.
Mas a boa análise socioeconômica, ao buscar compreender o que se deve
prever, sugere que, ao contrário do que parece, os impactos da
informalidade nem sempre são prejudiciais e podem mesmo ser benéficos.
Em outras palavras, temos de considerar as duas faces do fenômeno da
economia paralela.
No fim do primeiro trimestre deste ano havia no Brasil, segundo o
IBGE, cerca de 38 milhões de trabalhadores exercendo atividades
informais, correspondendo a uma taxa de informalidade de 40,6% do PIB,
seguramente uma das maiores do mundo. Isso não é novidade para ninguém, e
decorre do abominável custo Brasil, uma selva inextricável e medonha
gerada e alimentada pela paixão mórbida pela burocracia das regras,
regulamentações, encargos e fardos trabalhistas e pela verdadeira tara
patológica para tributar, que políticos e economistas intervencionistas
manifestam incessantemente. A informalidade tornou-se mais explícita com
o cadastro dos que recorreram ao auxílio emergencial para enfrentar a
pandemia, uma revelação que não surpreende, já que até mesmo o Estado —
para escapar dele mesmo! — costuma contratar trabalhadores informais. O
que talvez seja novidade para alguns é que esse problema não é
exclusividade brasileira.
Todas as transações cujo controle escapa ao Estado são tecnicamente
incluídas no cesto da informalidade, como, por exemplo, o pagamento ao
barbeiro que vai cortar seu cabelo em casa e que não o incluirá na
declaração de rendimentos. Boa parte da economia informal é composta da
venda de drogas nos morros e ruas, jogos clandestinos, prostituição,
contrabando e demais atividades não sujeitas a registros e não
declaradas ao Fisco, o que explica por que é difícil avaliar com
precisão seu tamanho. É até cômico imaginar um funcionário do IBGE
subindo um morro carioca para fazer perguntas a um traficante cercado de
comparsas armados, ou parando na porta de um bar para abordar um
apontador de jogo do bicho, ou entrando em alguma casa com lâmpadas
vermelhas para interromper as atividades profissionais de uma moça pouco
virtuosa, ou arguindo um contrabandista sobre suas compras e vendas de
produtos chineses…
Embora as estimativas variem, é possível comparar a extensão da
informalidade entre diversas economias. Um estudo abrangente do Fundo
Monetário Internacional, de 2018, explorou a economia paralela de 158
países, entre 1991 e 2015. Eis as principais conclusões do relatório: 1)
a informalidade está fortemente correlacionada com o desenvolvimento
econômico, a carga tributária e a legislação; 2) ela se concentra em
atividades econômicas com escalas pequenas, intensivas em mão de obra
não qualificada e autofinanciadas; 3) o valor médio da taxa de
informalidade nas 158 nações foi de 31,9% do PIB; 4) os países com os
três maiores porcentuais foram Geórgia (64,9%), Bolívia (62,3%) e
Zimbábue (60,6%); 5) as características variam de acordo com países,
regiões, estados e, em alguns casos, municípios; e 6) as três menores
taxas observadas foram na Suíça (7,2%), nos Estados Unidos (8,3%) e na
Áustria (8,9%). Entretanto, no início de 2020, nos Estados Unidos, a
economia informal, devido aos efeitos de longo prazo da contração da
economia, foi estimada entre 11% e 12% do PIB, percentual que deve ser
hoje maior em razão do isolamento imposto pela pandemia. Infelizmente,
não há informações que permitam comparar políticas de diferentes países
para diminuir a informalidade e na maioria deles nem mesmo há menção
específica a tais políticas.
Obviamente, a lista de atividades consideradas paralelas e, portanto,
o tamanho da informalidade, varia de acordo com as leis de cada
jurisdição, como no caso do álcool, proibido em alguns e permitido na
maioria dos países, ou dos cassinos. É também manifesto que excessos de
impostos, tarifas, regulamentações e burocracia, além de estimularem a
corrupção, impulsionam a economia informal, como nos casos da importação
de computadores e celulares no Brasil e dos cigarros na cidade de Nova
York.
Quanto à informalidade em atividades legais, impõem-se duas
perguntas: uma é se sempre é recomendável tentar diminuí-la e a outra é
sobre a maneira correta de fazê-lo. À primeira, um economista liberal
responde que é sempre melhor que os recursos permaneçam com seus “justos
donos”, aqueles que suaram para produzi-los, do que nas mãos da Hidra,
enquanto os “progressistas” respondem sempre afirmativamente.
Quanto a medidas para diminuir a informalidade, a esquerda insiste no
aperto da fiscalização tributária e na criação de programas sociais
específicos, dois caminhos líquidos e certos para aumentar a sonegação,
estimular a corrupção e piorar a alocação de recursos. Já os liberais
sabem que o correto é reduzir burocracia, encargos trabalhistas,
regulamentações, tarifas de importação e tributação, que são os óbices
concretos que fazem o Jorge pensar dez, vinte vezes antes de legalizar a
empresa e contratar funcionários.
Em termos prospectivos, não tenho receio em afirmar que o conjunto de
medidas liberalizantes que a equipe econômica de nosso governo começou a
tentar implantar em 2019 e que a pandemia interrompeu, caso seja
retomado com intensidade, contribuirá bastante para colocar a
informalidade nos mesmos níveis observados nos países desenvolvidos e
tornar coisa do passado a frase do saudoso Roberto Campos, que afirmava
em tom jocoso que os contrabandistas deveriam ser tratados como heróis
nacionais, porque disponibilizam produtos muitas vezes melhores e sempre
mais baratos para os consumidores.
Ubiratan Jorge Iorio é doutor em
Economia (EPGE/FGV), presidente do Conselho Acadêmico do Instituto Mises
Brasil e professor associado (aposentado) da Uerj.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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