Erupções solares podem golpear a Terra e ter graves consequências para a
humanidade se não estivermos preparados. Artigo de Patrícia Sánchez
Blászquez e Pablo Pérez González para o El País:
A cada segundo, no centro do Sol,
700 milhões de toneladas de hidrogênio se transformam em 695 milhões de
toneladas de hélio mediante fusão nuclear. A diferença de massa,
equivalente a 15 arranha-céus como o Empire State, vira energia segundo a famosa equação de Einstein, E=mc2.
Esta energia é a que faz o Sol brilhar e a responsável por, mesmo a 150
milhões de quilômetros de distância, recebermos o seu calor.
A energia gerada no núcleo do Sol é transportada ao exterior e às
camadas mais externas e menos densas. Quando recebem o calor de abaixo,
começam a ebulir. Isto cria enormes correntes de gás quente que viajam
centenas de milhares de quilômetros, levando o calor gerado no centro
para a superfície, do mesmo modo como ao fervermos água em uma chaleira
no fogão. Devido à alta temperatura, os elétrons dos átomos são
separados do seu núcleo, por isso o gás do Sol é uma sopa de partículas
carregadas, o que chamamos um plasma. Quando uma partícula carregada
está em movimento, ela gera um campo magnético, de modo que estas
correntes de plasma funcionam como um dínamo e levam também o campo
magnético à superfície.
Os campos magnéticos não costumam ser tão ordenados como o da Terra,
pois a rotação do Sol é mais rápida no Equador (25 dias) do que em
latitudes médias (28 dias). Sim, o Sol não é como uma pião, cuja rotação
é uniforme; conforme nos afastamos do Equador, o material vai “ficando
atrasado”, anda mais devagar. Por isso, as linhas de campo magnético se
retorcem e se enredam umas com as outras, impedindo em alguns casos os
movimentos do gás, que fica confinado (uma palavra muito na moda e que
se usa muito em física). Como resultado visível do fenômeno magnético,
aparecem regiões mais frias e escuras na superfície do Sol, que chamamos
de manchas, que seriam as zonas onde os tubos de fluxo magnético
afloram à superfície. As manchas sempre aparecem em pares, assim como
acontece com os polos de um ímã.
Embora seja famosa a disputa travada entre o jesuíta Christopher Scheiner e o astrônomo florentino Galileu Galilei pela prioridade do descobrimento das manchas no Sol, o fato é que o primeiro registro conhecido delas aparece no Livro das Mutações (I Ching, 易經),
escrito por volta de 1200 a.C.. Este foi o primeiro dos múltiplos
registros que os astrônomos chineses e coreanos realizaram,
fundamentalmente por encomenda do imperador, que os usava para realizar
presságios. Na cultura asteca, onde se adorava ao deus sol, existem
registros indicando como seu rosto aparece “bicado” pela varíola, o que
pode ser uma indicação destas manchas. Também no Ocidente as manchas
foram observadas muito antes, mas a concepção aristotélica do universo
como imaculado e perfeito, depois adotada pela Igreja, fez que a ideia
de um Sol manchado fosse considerada uma heresia. Desde meados do século
XIX sabemos que as manchas aparecem, se tornam mais abundantes e
desaparecem em períodos de 11 anos, o chamado ciclo de atividade solar,
no qual o campo magnético global do Sol troca de polaridade (os polos
norte e sul se invertem).
Como as partículas carregadas respondem à presença de um campo
magnético, a acumulação de plasma nos pontos onde o campo magnético
aflora às vezes pode ser observada na forma de imensos arcos de fogo que
se estendem por centenas de milhares de quilômetros. Esses arcos eventualmente se tornam instáveis e podem chegar a se romper,
liberando toda a imensa energia acumulada neles no que chamamos de uma
ejeção de massa coronal. Estes eventos lançam partículas carregadas a
velocidades muito altas, capazes de viajar, em alguns casos, a distância
da Terra ao Sol em menos de um dia. Quando chegam à Terra, a atmosfera
absorve a radiação e as partículas são desviadas pelos campos magnéticos
terrestres, a chamada magnetosfera, e seguem a trajetória de suas
linhas de campo, dirigindo-se para os polos da Terra, onde acabam
penetrando e interagindo com os gases da atmosfera e criando as belas
auroras polares.
Entretanto, se uma ejeção de massa coronal for suficientemente
grande, pode deformar a magnetosfera terrestre, dando lugar a fenômenos
como o ocorrido em 1º de setembro de 1859, o chamado evento de Carrington.
Às 11h18 daquele dia, Richard Carrington estava fazendo esboços das
manchas solares quando observou uma imensa eclosão luminosa que parecia
sair de dois pontos do grupo de manchas. Dezessete horas mais tarde, uma
onda de auroras boreais transformou a noite em dia em toda a América do
Norte, chegando até a Colômbia.
Felizmente, a única tecnologia moderna já em uso naquela época era o
telégrafo. Estes falharam em todo o mundo, causando faíscas nas linhas e
ateando fogo a alguns escritórios, mas sem causar males maiores.
Entretanto, na sociedade em que vivemos hoje as correntes elétricas
produzidas nestes eventos podem chegar a afetar os satélites de
comunicação e navegação e inclusive a queimar os transformadores de alta
tensão, nos deixando sem abastecimento elétrico. Em 2012, a Terra
escapou por pouco de uma ejeção de massa coronal tão poderosa como a de
1859. Se a tempestade solar acontecesse uma semana antes, teria nos
atingido em cheio, causando danos nos sistemas eletrônicos avaliados, só
nos Estados Unidos, em até 2,6 trilhões de dólares (13,4 trilhões de
reais), sendo necessários vários anos para a sua reparação total.
Mas ainda há outras (potenciais) más notícias. Uma publicação de 2012
descobriu que estrelas similares ao Sol podem ter superfulgurações,
muito mais energéticas que o evento de 1859. Se estas tempestades nos
apanharem despreparados, as consequências podem ser catastróficas.
Dependemos da eletricidade para tudo. Uma falha no sistema de
fornecimento significaria que não teríamos luz, computadores,
comunicações, água corrente. Haveria desabastecimento nos supermercados,
e a comida apodreceria por não poder ser refrigerada. Além disso,
devido à falta de eletricidade, seria complicado voltar a construir o
sistema de suprimento. É difícil predizer os danos totais que um destes
eventos causaria em nossa sociedade, mas cedo ou tarde saberemos, é só
questão de tempo. Há filmes sobre isso, pode acontecer, estamos
avisados! – tanto quanto com o que estamos vivendo agora.
A missão Solar Orbiter (SolO), uma colaboração entre as agências
espaciais europeia e norte-americana (ESA e NASA, respectivamente)
enviou há alguns dias as imagens do Sol mais próximas já obtidas. Um dos
objetivos desta missão é entender melhor os ciclos de atividade solar,
justamente para podermos nos precaver deles. Esperemos que estes
esforços nos salvem dos presságios do imperador Wang Mang, que dizia em
relação às manchas solares: “São uma anormalidade e só podem estar
indicando a chegada de catástrofes”.
Patricia Sánchez Blázquez é professora titular na Universidade Complutense de Madri (UCM).
Pablo G. Pérez González é
pesquisador do Centro de Astrobiologia, ligado ao Conselho Superior de
Pesquisas Científicas da Espanha e ao Instituto Nacional de Técnica
Aeroespacial (CAB/CSIC-INTA).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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