Saber por que morrem tão poucos na Alemanha e tantos italianos abre
várias suposições, desvendá-las ajudará a entender melhor o vírus e seus
efeitos. Vilma Gryzinski:
A coluna de caminhões do Exército levando os mortos sem sepultura de
Bergamo, uma das cidades devastadas pelo coronavírus, foi, com razão,
chamada de uma das imagens mais tristes da história da Itália.
Os caixões enfileirados no chão, outra imagem chocante, foram
armazenados nos caminhões e levados para cremação em outras regiões.
Como já estava lamentavelmente previsto, a Itália se tornou ontem o país com mais mortos pelo corona em todo o mundo: 3 405. Na China, são 3 249.
Enquanto morrem mais de 400, quase 500 pessoas por dia na Itália, sem
que o confinamento comece a mostrar resultados, na Alemanha, no total,
ontem foram 44.
O número de infectados é um terço dos na Itália. A essa altura, já
sabemos que é uma comparação provisória ou até enganosa, pois depende do
número de exames feitos e do número de casos reais.
Este, em qualquer lugar, só será conhecido depois das pesquisas por
amostragem que mostrarem qual a proporção da população já desenvolveu
anticorpos ao novo corona, mesmo sem ter tido sintomas ou apenas
manifestações mais leves.
Vai demorar. Quando houver esses dados, os índices de letalidade
cairão, pois mostrarão um contágio muito maior do que os contabilizados –
mas o mortos continuarão mortos.
Mesmo no calor da batalha, no entanto, os índices de letalidade já
indicam diferenças impressionantes. Principalmente quando compararam
países com padrão de vida parecido e sistemas de saúde compatíveis com
seu desenvolvimento.
No momento, a coisa está assim. Na China, onde tudo começou e agora
está refluindo, ficou em 4%. Na Itália, mais do que dobra, para 8,3%.
Grã-Bretanha, ainda atrás do ritmo no continente europeu, tem 3,9% e
França, 2,9%.
Por que a disparidade?
“Não temos uma resposta real e é provavelmente uma combinação de
fatores”, respondeu, sem firulas, Richard Pebody, da Organização Mundial
de Saúde.
A segunda mais alta expectativa de vida do mundo – ou seja, uma
população mais idosa – é frequentemente citada, mas deixa várias
incógnitas.
“A média de idade dos pacientes hospitalizados é mais alta, 67 anos,
enquanto que na China era 46”, disse Walter Ricciardi, conselheiro
médico do governo italiano.
Ricciardi também acha que a causa dos óbitos registradas nos
hospitais tem um certo peso: todos que entram com corona e não resistem,
são incluídos na cota do vírus, sem levar em conta outras doenças
graves pré-existentes.
Com todos esses fatores, a disparidade com a Alemanha continua enorme.
O que mais influencia? Especialistas concordam que a Alemanha tem uma
grande vantagem em matéria de número de leitos em UTIs. São 28 mil,
fora os que estão sendo acrescentados.
Dá 29,2 por 100 mil habitantes. A Itália tem 12,5.
A expectativa de vida também é alta na Alemanha, 82 anos, praticamente igual à da Itália.
A coisa vai piorar? Com certeza. Mas a Alemanha já está em quinto
lugar em número contagiados (China, Itália, Irã e Espanha) e continua
muito distante em letalidade.
A resposta que paira em muitas mentes recorre ao estereótipo da
eficiência alemã em relação ao estilo mais informal da Itália – ninguém
que esteja acompanhando a batalha titânica dos médicos e outros
profissionais de saúde ousaria falar nisso agora.
Existem, porém, fatores culturais que estão entrando na lista de
hipóteses. Populações onde o distanciamento social já é uma prática
teriam vantagem sobre as que se beijam e abraçam.
Seria uma das explicações buscadas para o caso mais estranho ainda do
Japão. Devido à intensidade dos contatos com a China, era projetada uma
onda devastadora num país já tão exposto a desastres naturais.
O tsunami simplesmente não aconteceu. O número de casos registrados no Japão não chega a mil.
As aulas foram suspensas, mas o país não precisar entrar na
quarentena obrigatória. A detecção precoce de focos localizados parece
ser uma das vantagens.
Outra: é um país sem contatos físicos, onde as pessoas se
cumprimentam com diferentes graus de curvatura da cabeça e do corpo, sem
dar as mãos.
Já se sabe muita coisa sobre o novo vírus: seu genoma, como ataca
preferencialmente os homens mais velhos e, por consequência, com outros
problemas de saúde, principalmente pressão alta. O caminho do estrago
que faz nos pulmões, avançando para a falência renal quando entra já num
caminho sem volta.
Ainda falta saber muito. Principalmente, a pergunta que todo mundo faz: quando vai acabar?
Para os especialistas, existe outra pergunta igualmente importante: ele vai voltar?
Por enquanto, uma das hipóteses mais temidas, a de que pessoas
infectadas uma vez possam ter outro contágio, parece quase eliminada –
foram apenas quatro casos detectados na China.
Podem ter sido flagrados numa espécie de janela imunológica.
“O sistema imunológico demora cerca de um mês para aprender a
desenvolver uma resposta imunológica ao vírus”, disse ao El País o
imunologista Eduardo Fernández Cruz.
O novo vírus é “inteligente”, como em geral os das gripes, com grande capacidade de adaptação, ou mais limitado?
“Os vírus podem pensar. Fazem coisas que não esperamos. Adaptam-se ao
meio-ambiente. Transformam-se para sobreviver”, resumiu no passado o
pesquisador Michael Lai, considerado o “pai do coronavírus”, por estudar
os antecessores do atual.
Os vírus que ganham a corrida evolutiva são os mais contagiosos, não
os mais letais. Hospedeiros vivos garantem mais a propagação dos
elementos dos que os mortos.
O mundo inteiro está trocando o pneu com o carro do coronavírus rodando em velocidade total.
Desvendar seu comportamento, entender as disparidades regionais e por
que tratamentos parecidos em países similares estão dando resultados
diferentes é vital.
“Nosso conceito de normalidade está sendo testado como nunca antes”,
disse Angela Merkel, com a habitual falta de drama, mas alguns tons a
mais de gravidade.
“Desde a II Guerra Mundial, nunca houve um desafio a nossa nação que exigisse tanta unidade de propósito e ação”.
A primeira-ministra não é mulher de usar palavras fortes, muito menos
evocar uma guerra que a Alemanha provocou e pela qual pagou um preço
brutal, para fazer efeito ou jogar para a plateia.
Todos os chefes de governo estão falando a mesma coisa. Merkel, que é
química física por formação, demorou muito mais do que quase todos os
outros para se pronunciar, mas o tom didático e grave passou o recado.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário