MEDIÇÃO DE TERRA

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MEDIÇÃO DE TERRAS

domingo, 29 de janeiro de 2012

Fabricação de queijo movimenta economia de cidade na Bélgica


Tradição é antiga na Europa, mas hoje são poucos os casos que sobram.
Monges são responsáveis pela produção dos alimentos.

Do Globo Rural
O Globo Rural foi até a Bélgica para contar a história de um queijo delicioso, produzido por monges. São religiosos que vivem numa abadia, um mosteiro, que também fabrica cervejas. Vico Iasi e Sandro Queiroz conversaram com produtores de leite, padres, queijeiros e conheceram até uma princesa.
Com a chegada do outono, a paisagem rural da Europa se enche de cores. Nos últimos meses do ano, a temperatura vai caindo e o verde dos campos vai dando lugar aos tons de amarelo, de laranja, de marrom, de vermelho.
Chimay, no sul da Bélgica, é uma cidadezinha tranquila, com ruas estreitas e fachadas antigas. A região vive basicamente da agropecuária, do turismo e da fabricação de dois produtos: a cerveja e o queijo de Chimay, ambos ligados a história de uma velha abadia.
Para saber mais sobre o assunto, nós fomos visitar uma figura importante da nobreza local. Ela mora numa construção histórica: o Monumental Castelo dos Príncipes, no centro da cidade. Quem nos recebe é uma senhora simpática e falante: a princesa Elisabeth de Chimay.
Orgulhosa, a princesa contou que alguns aposentos do castelo têm quase 800 anos de idade. Destaque para a capela, que em 1449 chegou a abrigar o famoso Santo Sudário, um tecido que teria envolvido Cristo; e a joia do castelo, o Teatro dos Príncipes, que ainda hoje acolhe concertos de música clássica.
“Naquela época, o dono do castelo era conhecido como o grande príncipe. Pois bem, esse príncipe, que era bisavô do meu marido, resolveu convidar alguns monges do norte da Bélgica para fundar uma abadia. Para isso, doou algumas terras aos religiosos, que começaram a levantar o novo mosteiro. Uma vez instalados, os monges passaram a fazer os seus produtos caseiros, que há séculos garantem a prosperidade da região”, explicou a princesa.
Foi com uma mãozinha da nobreza que começou a história de um dos símbolos de Chimay: a abadia de Notre-Dame de Scourmont. Notre-Dame quer dizer Nossa Senhora e Scourmont é o nome do lugar.
Mas como surgiu a ideia de fabricar cerveja e queijo na abadia? “Os monges tinham alimentação fraca e trabalhavam muito. Então, era preciso reforçar as refeições com produtos mais nutritivos. Foi aí que surgiu a ideia de fabricar queijos e cervejas. Tudo era feito pro nosso próprio consumo, para compensar o esforço físico e para fortalecer os músculos”, respondeu o padre Père Omère ou padre Homèro.
Só que os produtos dos monges eram tão saborosos que logo atraíram a atenção de pessoas de fora. Aos poucos, a fabricação artesanal foi dando lugar a uma atividade comercial. Mas não perdeu a identidade trapista.
Hoje em dia, a cerveja de Chimay continua a ser feita nos prédios da abadia. Só que os monges não põem mais a mão na massa. Contam com equipamentos modernos e funcionários treinados.
Hoje, a abadia fabrica três cervejas da mesma família, mas com cores e sabores diferentes. Todas são encorpadas, cremosas, levemente amargas e com teor alcoólico que varia de 7% a 9%.
Se a cerveja dos monges ganhou fama e prestígio pelo mundo afora, a história do queijo não é menos interessante. A fabricação de queijos da abadia atravessou os séculos e permanece viva, como um dos símbolos da região. Na base desse trabalho estão centenas de sítios e de famílias do campo. Gente que mora no entorno de abadia e que ganha a vida produzindo leite.
Criadores típicos de Chimay, Xavier e Vincianne Leroy fornecem leite para o laticínio da abadia. Casados, eles têm duas filhas que são estudantes e cuidam sozinhos do sítio. Simpático e acolhedor, o casal contou que o sítio pertence a família de Xavier há cinco gerações. Na propriedade de 80 hectares, que fica bem pertinho da cidade, eles cultivam um pouco de milho e mantêm 70 hectares de pasto. O rebanho total da fazenda é de 230 animais. Sessenta e cinco são vacas em lactação.
“Nós criamos principalmente a raça holandesa, que produz muito. Tem também uma raça que foi desenvolvida na Bélgica: a BBB, ou blanc bleue belge. É um animal que pode ser usado tanto em criações de corte quanto em rebanho leiteiros, como o nosso. As vacas vivem soltas nos piquetes e podem pastar à vontade. Mas com a chegada do inverno o rebanho vai todo para o estábulo, onde fica confinado por vários meses”, disse Xavier.
A ordenha na fazenda é feita duas vezes por dia. Bem cedinho, de madrugada, e no final da tarde, quase de noite. O Xavier cuida sozinho de todo o trabalho.
Assim que entram no estábulo, as vacas recebem um complemento no cocho. Trata-se de uma mistura de milho, palha e um concentrado à base de cereais. O trabalho na sala de ordenha não tem nada de especial. Os equipamentos do sítio são bem antigos.
Na média, cada vaca dá cerca de 20 litros por dia. Isso garante ao sítio uma produção diária de cerca de 1,3 mil litros de leite. Grande parte é destinada à fabricação do queijo da abadia.
No começo dos anos 80, os monges de Scourmont resolveram construir um novo laticínio da abadia. O objetivo era melhorar o controle sanitário, adotar métodos mais modernos e aumentar o volume de produção. Tudo isso respeitando a história e a tradição do queijo local.
O leite dos sítios chega em caminhões refrigerados e é bombeado para uma série de tubos e equipamentos. A fabricação começa nos tachos. O processo é acompanhado de perto pelo gerente, Jean Marie Boche, um francês que trabalha com queijos há 35 anos.
“Eu já trabalhei em várias empresas. Já fabriquei o queijo brie, da França, queijos de cabra, manteiga. Enfim, já fiz um pouco de tudo”, contou Jean Marie.
Jean Marie explicou que o laticínio faz cinco tipos de queijo de vários tamanhos e formatos. As receitas seguem basicamente as mesmas etapas. Primeiro, o leite, já aquecido, recebe uma dose de fermento e coalho. Depois de alguns minutos, com o leite já coalhado, entra em ação a lira mecânica. Ela vai partindo a massa em pedaços pequenos.
Os pedaços são bombeados para um tanque retangular. Uma tampa comprime lentamente a massa para expulsar o soro. Na sequência, o material com aparência de um queijo branco é cortado e colocado em formas de plástico. Em seguida, as formas são levadas para uma segunda prensa.
Depois, os trabalhadores retiram os queijos das formas. As peças são levadas para um banho na salmoura. Após algumas horas, é a vez de uma ducha especial.
“Esse líquido contém água, sal e bactérias invisíveis a olho nu. Elas foram desenvolvidas especialmente para a receita. As bactérias contribuem para o sabor da massa e para a formação da casca do queijo”, explicou Jean Marie.
Para um dos cinco queijos fabricados no laticínio a ducha é reforçada com um ingrediente especial: a cerveja de Chimay.
Na etapa final, os queijos são levados para as caves. São salas que têm temperatura e umidade controladas. Os produtos ficam em prateleiras de quatro semanas a oito meses, segundo o tipo.
O laticínio da abadia vende cerca de mil toneladas de queijo por ano. Metade fica na Bélgica e metade é exportada principalmente para a França, o Japão e os Estados Unidos.
Qual será o sabor desses produtos? Quem respondeu foi Alain Hotelet, o responsável comercial. “Este é o queijo clássico, que foi o primeiro a ser fabricado pelos monges. Ele é muito suave e, por isso, apreciado por um público amplo. Já, o segundo tipo, o grand cru, leva mais tempo na maturação. É um queijo com aroma mais marcante e um gosto mais forte”, detalhou.
Mais alto e alaranjado, o vieux chimay chega a ficar oito meses nas caves. É um queijo seco, ótimo para ser consumido em cubos, como aperitivo.
Bem diferente do poteaupré, com massa cremosa e cheiro forte, é um produto para quem gosta de queijos com personalidade. Bronzeado e mais robusto, o queijo na cerveja é o mais famoso e o mais vendido pelo laticínio.
Os queijos dos monges de Chimay não estão entre os mais baratos nem os mais caros da Europa. O queijo na cerveja, por exemplo, custa o equivalente a R$ 40 o quilo.

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