Do saldo devedor de R$ 2,662 bilhões com o BNDES, R$ 472 milhões
correspondem a parcelas que já estão em atraso. Calote será coberto com
verbas de fundo vinculado ao Ministério da Fazenda. Herança maldita de
Lula & Dilma:
O caos econômico e social por que passa a Venezuela reabriu o debate
sobre a capacidade real de o país de Nicolás Maduro cumprir as dívidas
que tem com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES). Hoje, o saldo devedor da Venezuela com o BNDES é de US$ 710
milhões (R$ 2,662 bilhões, pelo câmbio desta terça-feira, dia 27). Desta
quantia, US$ 126 milhões (R$ 472 milhões) correspondem a parcelas que
já estão em atraso.
O risco de calote é reconhecido pelo BNDES. O banco pode recorrer, em
caso de prejuízo comprovado, ao Fundo de Garantia à Exportação (FGE),
gerenciado pelo Ministério da Fazenda e que funciona como um seguro.
O débito corresponde a quatro projetos: obras para uma linha no metrô
de Caracas, para uma linha no metrô de Los Teques, cidade a 30
quilômetros da capital venezuelana, e as construções de uma usina
siderúrgica e de um estaleiro. Os dois primeiros empreendimentos estão a
cargo da Odebrecht, e os restantes, da Andrade Gutierrez – ambas as
empresas estão envolvidas na operação Lava Jato. Todos os empréstimos
foram efetuados pelo BNDES quando o Brasil estava sob o comando do PT: a
operação da siderúrgica foi fechada durante a gestão de Luiz Inácio
Lula da Silva, e as demais, durante o primeiro mandato de Dilma
Rousseff.
A saída do PT da Presidência, com o impeachment de Dilma em 2016,
correspondeu também a uma alteração na política do BNDES para os
empréstimos a países estrangeiros. Saiu a visão mais “expansionista” das
gestões petistas, que tinha como meta um fortalecimento das empresas
brasileiras no exterior, e entrou no lugar uma postura mais cautelosa.
Em setembro de 2016, o então presidente do banco, Dyogo Oliveira,
disse que os empréstimos a Venezuela - e a Cuba, que também tem
problemas com os empréstimos - “provavelmente não deveriam ter sido
feitos, mas agora temos que ir atrás do dinheiro”.
Também em 2016, na gestão de Michel Temer, o BNDES anunciou novas
regras para as operações internacionais. Segundo o banco, as diretrizes
implantadas passariam a considerar aspectos como a “análise do projeto
como um todo, efetividade e economicidade” e “a conformidade com as
práticas internacionais de contratação” - em relação a este último
aspecto, o banco menciona explicitamente o objetivo de “coibir
financiamentos”. Desde maio daquele ano, os repasses para projetos na
Venezuela estão suspensos.
Crítico frequente das relações das gestões petistas com Venezuela e
Cuba, o presidente Jair Bolsonaro apresentou, em seu programa de governo
na campanha do ano passado, a meta de fazer com que o BNDES se
posicione principalmente como um agente nos processos de privatização.
“O BNDES deverá retornar à centralidade em um processo de desestatização
mais ágil e robusto, atuando como um “Banco de Investimentos” da União e
garantindo que alcancemos o máximo de valor pelos ativos públicos”,
aponta o plano de Bolsonaro. O texto também diz, no campo sobre política
externa, que “não mais faremos acordos comerciais espúrios ou
entregaremos o patrimônio do Povo brasileiro para ditadores
internacionais”.
Na posse do presidente atual do banco, Joaquim Levy, o ministro Paulo
Guedes (Economia) também criticou a atuação do BNDES sob as gestões
anteriores. Segundo Guedes, o banco fez “projetos econômicos estranhos
do ponto de vista de retorno de capital, estranhos do ponto de vista
político, estranhos do ponto de vista de quem é o beneficiário”.
“Achamos que isso distorce a economia, derruba a taxa de crescimento,
transfere renda perversamente”, falou Guedes, em 7 de janeiro. Levy foi
ministro da Fazenda em 2015, no início do segundo mandato de Dilma
Rousseff.
O que são as operações internacionais do BNDES?
Além da Venezuela, o BNDES tem operações recentes atualmente em
outros 13 países: Costa Rica, Cuba, Argentina, República Dominicana,
Honduras, México, Paraguai, Peru, Guatemala e Equador, na América, e
Gana, Angola, e Moçambique, na África.
Nos projetos internacionais, o banco não “dá dinheiro” e nem chega a
emprestar diretamente as verbas a outros países. As operações obedecem a
seguinte rotina: empresas brasileiras que querem prestar serviços no
exterior procuram o banco e apresentam os projetos em que desejam
participar. O BNDES então repassa o recurso à companhia nacional, para
que ela preste os serviços, e o pagamento do empréstimo é feito pelo
governo do país estrangeiro. É nesta etapa em que estão ocorrendo os
calotes e atrasos atuais.
O objetivo do BNDES ao efetuar os empréstimos é fortalecer as
empresas nacionais, o que, segundo o banco, faz “gerar emprego e renda
no Brasil”. “Quando financia as exportações de uma empresa brasileira de
engenharia para obras no exterior, o BNDES exige que todos os bens e
serviços apoiados sejam de origem brasileira”, aponta texto no site do
banco.
Embora tenham sido impulsionados nas gestões petistas, os projetos
internacionais já existiam durante governos anteriores. Em 2001, no
segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, uma operação que garantiu
recursos para o metrô de Caracas foi fechada, na casa de US$ 107,5 mi.
Disputa política
Ao longo dos últimos anos, o BNDES se tornou um dos principais campos
de batalha na política nacional. Do lado dos defensores dos governos de
Lula e Dilma, os argumentos a favor da atuação do banco se baseavam na
renda e nos empregos que as empresas contempladas pelos empréstimos
gerariam em território nacional. Já os opositores ao PT criticavam o
BNDES basicamente por dois argumentos: o favorecimento a empresas
brasileiras específicas, sem critérios claros de seleção, e a concessão
de empréstimos a países com denúncias de violação de direitos humanos e
ideologicamente alinhados à esquerda, como a Venezuela.
Ainda em setembro do ano passado, durante o período eleitoral, o
então candidato Jair Bolsonaro escreveu que os “venezuelanos morrem de
fome devido à tirania de um governo que anda de mãos dadas com a
ditadura cubana” e que “via BNDES e outras fontes de seu dinheiro o
Brasil é um dos maiores patrocinadores do socialismo que massacra
milhões no mundo”. Já eleito, Bolsonaro destacou uma página que o BNDES
divulgou em seu site com a lista de projetos internacionais que contam
com verba do banco. “BNDES divulga interessante link identificando os
países que usaram os recursos financeiros do Brasil e os motivos dos
empréstimos. Tire suas conclusões”, escreveu, numa referência velada às
ações em Venezuela e Cuba.
O banco foi tema de CPIs na Câmara e no Senado e pode ser alvo de
outra comissão parlamentar de inquérito. No início de fevereiro, o
deputado federal Vanderlei Macris (PSDB-SP) apresentou uma requisição
para criação de nova CPI do BNDES, sob a alegação de que as anteriores
“não abriram a caixa-preta do banco”.
“Sem a ciência dos brasileiros, os governos do Lula e da Dilma
autorizaram o BNDES a realizar financiamentos para obras no exterior.
Por sinal, uma decisão tomada no governo Lula, abrindo a possibilidade
de o BNDES financiar essas grandes obras. E por mais de uma década, nós
tivemos uma dilapidação nefasta de recursos da sociedade brasileira,
fundos que foram aplicados fora de nossas fronteiras e que ainda muito
pouco sabemos em relação a isso”, relata o requerimento elaborado pelo
tucano.
A “decisão tomada no governo Lula” aí mencionada é o decreto 6.322,
de 2007, que permitiu ao banco financiar a aquisição de ativos por
empresas de capital nacional no exterior. Essa decisão foi o que
possibilitou, por exemplo, que o frigorífico JBS adquirisse empresas em
outros países e se tornasse o maior do mundo no setor. O pedido de CPI
será analisado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Como o
início do mandato dos deputados foi marcado por um excesso na
solicitação de CPIs, a nova investigação sobre o BNDES não figura em um
cenário muito provável.
“Isso nos inquieta ainda mais quando nos lembramos que os últimos
governos brasileiros, alinhados ideologicamente, emprestaram, por meio
do BNDES, algo em torno de R$ 11 bilhões ao governo venezuelano”,
afirmou o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que conseguiu aprovar
nesta terça-feira (26) um requerimento sobre o assunto na Comissão de
Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do
Consumidor.
Ele propôs a realização de uma audiência pública para esclarecer os
empréstimos feitos pelo Brasil à Venezuela entre 2003 e 2016, com as
presenças do ministro José Mucio Monteiro, presidente do Tribunal de
Contas da União (TCU), e de Joaquim Levy, presidente do BNDES.
Operações válidas
O deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP), que foi ministro nos
governos Lula e Dilma, disse que as operações internacionais do BNDES
foram válidas por terem garantido, à época, recursos às empresas
brasileiras.
O petista também minimizou a responsabilidade dos antigos gestores do
banco diante do possível calote dos outros países: “quem autorizou os
empréstimos não tem culpa se o cenário no outro país se modificou.
Quando os empréstimos foram feitos, a economia sugeria que as operações
seriam positivas para o Brasil”. Padilha também descartou a ideia de que
os empréstimos foram feitos por afinidade ideológica: “se fosse assim,
não teriam ocorrido no governo Fernando Henrique”. (Gazeta do Povo).
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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