Os “justiceiros sociais”, geralmente uma “elite” branca de esquerda,
recorrem a uma forma de atuação cujo propósito é manipular o público
mediante o apelo emotivo. Artigo do professor Carlos Adriano Ferraz,
publicado pela Gazeta do Povo:
Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos, um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter”. Martin Luther King
“Todos têm perguntado ... ‘que devemos fazer com o negro?’ Eu tenho apenas uma resposta desde o início. Não façam coisa alguma para nós! Vocês terem feito algo para nós já nos causou dano. Não nos façam coisa alguma! (...) se o negro não puder se apoiar em suas próprias pernas, então o deixe cair”. Frederick Douglass
A Gazeta do Povo publicou recentemente um artigo (“Eu me declaro
pardo”: reprovados por comitê de cotas, alunos protestam contra UFPE”)
que reacende o problema insolúvel das cotas nas Universidades. Por que
insolúvel? Ora, porque a questão das cotas é motivada não por razões,
mas por uma ideologia. E por essa razão cotas deveriam ser banidas: não
há como resolver racionalmente essa questão, uma vez que ela está
corrompida em sua origem. Em verdade, as cotas mesmas são uma política
ineficiente, irracional e insensata, como já foi demonstrado, de forma
amplamente justificada e documentada, por autores como Thomas Sowell,
Walter Williams, Richard Sander e Stuart Taylor.
Assim, o tema das cotas faz parte dos dogmas adotados por nossas
universidades, juntamente com os mantras da “diversidade”, da
“inclusão”, etc. Tais são apenas alguns dos dogmas dos quais partem
nossos gestores, os quais eles simplesmente não questionam (afinal, são
dogmas). Assim, ao evocarem seus dogmas, nossos ungidos “justiceiros
sociais” (geralmente parte de uma “elite” acadêmica branca de esquerda),
desde dentro da universidade, recorrem a uma forma de atuação cujo
propósito é simplesmente manipular o público mediante o apelo emotivo,
especialmente na defesa de políticas e ideias destinadas ao fracasso
(como o sistema de cotas). Dessa maneira, eles partem desses dogmas e,
ao invés de se deixarem orientar por argumentos racionais voltados para a
verdade (que deveria, aliás, ser o propósito mais elevado de uma
Universidade), imergem em apelos emotivos, deixando de lado qualquer
resquício de razoabilidade.
Um desses dogmas é o das “cotas”, especialmente (mas não apenas) o
das “cotas raciais”. Aliás, um dogma de tal forma enraizado no universo
acadêmico que qualquer um que o questione será imediatamente chamado de
‘racista’ (ou, como mais na moda atualmente, de ‘fascista’ e
‘intolerante’).
Dessa maneira, temos sido reiteradamente ensinados, em nossas
Universidades, que o sistema de “cotas” é a solução para o problema das
assim chamadas “minorias”. Atualmente vários grupos são beneficiados com
essa denominação. Mas cabe perguntarmos: tal sistema é, realmente,
eficiente? Não apenas isso, é ele justo? Ou, ainda: essa política visa
realmente beneficiar as chamadas “minorias” ou assegurar a promoção
daqueles “posers de moralidade” (a “elite” acadêmica branca de esquerda)
que adotam tais “minorias” como ‘mascotes’ para seu próprio proveito?
Bom, a questão da eficiência é, aqui, irrelevante. Não apenas o termo
“eficiência” é politicamente incorreto em nossas universidades, como
também elas têm sido tradicionalmente geridas pela esquerda. Ou seja:
são administradas por quem não precisa pensar em ideias que as tornem
eficientes. Como disse Thomas Sowell, “não deveríamos ficar surpresos
por encontrar a esquerda em instituições nas quais as ideias não
precisam funcionar para sobreviver”. Assim, dado o dogma da “imaculidade
da universidade” (concebida sem o “pecado original” do aliciamento pelo
mercado), segundo o qual ela não pode se imiscuir com interesses de
mercado e com a ideia de empreendedorismo, falar em “eficiência” das
políticas adotadas nas universidades é uma heresia acadêmica (uma
heresia que, felizmente, vem sendo cometida por algumas áreas em
particular, por seu mérito e virtude).
E quanto à (in)justiça de tais políticas?
Eu diria, primeiramente, que quando o que importa é ser
“politicamente correto” e perpetuar o discurso emotivo, pouco importa
considerações racionais (e, mesmo, fatos) atinentes à legitimidade de
tais políticas. Mas, embora nossos gestores sejam cegos para elas, essas
considerações existem. Dois estudos seminais esclarecem, de forma
persuasiva e amplamente documentada, não apenas a injustiça dessas
políticas, mas também seu destino ao fracasso. Refiro-me às obras “Ações
Afirmativas ao redor do mundo” (2004), de Thomas Sowell, e “Mismatch:
How Affirmative Action hurts students It is intended to help, and why
Universities won’t admit It” (2012), de Richard Sander e Stuart Taylor.
Essas são duas obras fundamentais para analisarmos racionalmente a
questão, sem sentimentalismos tóxicos, sem demagogia e sem populismo.
Urge o estudo de tais estudos, especialmente nesse momento em que ações
ditas “afirmativas” se impuseram dogmaticamente desde nossas
universidades.
Com efeito, um dos dogmas solapados pelos autores dessas obras é o
dogma dos efeitos positivos das ações afirmativas. A obra de Thomas
Sowell, por exemplo, nos oferece um estudo empírico que revela toda a
hipocrisia e demagogia por detrás das ações afirmativas. Ele analisa
circunstanciadamente os resultados empíricos das políticas preferenciais
implantadas em países como Índia, Malásia, Nigéria, USA, etc, chegando a
conclusões que certamente seriam aplicáveis ao Brasil. Em resumo, em
lugar algum do mundo as ações afirmativas funcionaram como uma política
pública minimamente razoável. Ou seja, nossas universidades (mediante
seus gestores) estão tão atrasadas (e desligadas da ideia de eficiência)
que não apenas recorrem a ideias fracassadas: elas o fazem mesmo
havendo exemplos que demonstram o fracasso dessas ideias.
Como constatado pelos autores dos livros referidos (e por Frederick
Douglass no século XIX), os negros, por exemplo, nunca foram
beneficiados pelo assistencialismo (do qual fazem parte as ações
afirmativas). Em verdade, eles não foram beneficiados por qualquer
programa de assistência social. A economia de mercado (capitalismo)
sempre foi o mecanismo mais eficiente para assegurar a prosperidade
geral (inclusive das “minorias”).
Nesse sentido, Sowell ataca duramente a dominante “mentalidade
vitimista”. No contexto de suas abordagens acerca da ação afirmativa ele
demonstra que o racismo (ou a escravidão) nunca foi causa de pobreza,
criminalidade e desempenho medíocre nos estudos. Dentre as causas estão,
por exemplo, a dissolução da estrutura familiar (algo observado
inclusive pelo Senador estadunidense de esquerda, Daniel Patrick
Moynihan, ainda nos anos 1960, ao demonstrar que a então crescente
dissolução da família negra seria causa de caos e miséria), o
relativismo moral, a ideia de que todas as culturas têm o mesmo valor, o
vitimismo, um ensino elementar medíocre (que impede a igualdade de
largada), etc.
E qual a alternativa diante desse quadro? Ora, a alternativa seria,
dentre outras coisas, a rejeição do estado de bem-estar social, o fim do
monopólio da educação pública (adesão à ideia de um sistema de
vouchers, por exemplo) e, claro, a adoção de um comportamento autônomo,
responsável. Não apenas isso, seria preciso reconhecermos, contra o
“multiculturalismo”, que há, sim, culturas melhores que outras, culturas
que asseguram de forma mais eficiente a autorrealização individual e a
prosperidade social. Ou seja, culturas que prezam valores como
individualidade, liberdade, propriedade privada, empreendedorismo e,
claro, livre mercado, bem como que protegem a estrutura familiar,
evitando sua dissolução.
Outro ponto que pode ser extraído de ambos os livros é o seguinte:
quando “incluímos” na universidade estudantes tendo em vista aspectos
que não sejam suas qualificações intelectuais, causamos dano ao
indivíduo (que muito provavelmente fracassará caso as disciplinas
mantenham sua exigência) e à própria instituição, que decairá
inevitavelmente (o que terá impacto social, econômico, etc.). Parece
óbvio para qualquer pessoa que pense um pouco a respeito, mas nossos
atuais gestores jamais o admitirão. Eles não admitirão que tais ações
“afirmativas” causam nos indivíduos a perda da confiança, fazendo com
que tenham um desempenho cada vez mais baixo, o que consolida o abjeto
preconceito segundo o qual eles são estudantes inerentemente medíocres
se comparados ao que não ingressaram pelo sistema de cotas.
Com dados ainda mais atualizados do que os de Sowell, os autores de
‘Mismatch’ corroboram as teses de Sowell e oferecem evidências
esmagadoras quanto ao dano que as ações afirmativas causam às “minorias”
estudantis. Observem, por exemplo, que hoje escutamos discussões sobre
“políticas de permanência” na Universidade. Ou seja, temos as “ações
afirmativas” para incluir e consideramos “políticas de permanência” para
assegurar que os “incluídos” receberão, ao final, seu diploma. Em breve
teremos, além das “ações afirmativas”, “avaliações afirmativas”. Na
verdade, elas talvez já estejam ocorrendo, o que explica estarmos
formando estudantes que sequer são alfabetizados proficientemente (algo
mensurado por pesquisas como aquela intitulada “Estudo especial sobre
alfabetismo e mundo do trabalho”, do Instituto Paulo Montenegro, a qual
descobriu que apenas 22% dos que estão em vias de concluir – ou que
recém concluíram – um curso “superior” são proficientemente
alfabetizados).
Eis um dos grandes embustes que se consolidou em nossas Universidades mediante políticas destinadas ao fracasso.
Mas finalizemos com um exemplo polêmico e preocupante, a saber:
talvez estejamos admitindo na medicina, mediante cotas, alunos que
estariam qualificados para cursar, quem sabe, alguma licenciatura cuja
exigência para acesso seja mais flexível. Ou talvez estejamos incluindo
alunos que não estariam qualificados para a universidade de forma
alguma, o que não é demérito: poderiam desempenhar atividades
importantes e rentáveis que não exigem curso superior algum. Afinal, a
universidade não é para todos.
Não obstante, estamos autorizando indivíduos com habilidades
controvertidas a cuidarem da saúde de outras pessoas. E aqui podemos
citar um caso paradigmático, a saber, o de Patrick Chavis. Admitido na
Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em 1973, Chavis foi
beneficiado pelas “ações afirmativas”. Por anos ele foi o “modelo”
brilhante e midiático do suposto sucesso das “ações afirmativas” nos
USA. Com o diploma de médico ele voltou às comunidades negras para
servir como exemplo e para cuidar da saúde das pessoas. No entanto,
também por anos se ocultou algo terrível: diversos de seus pacientes
morriam de forma suspeita. Resultado: após muitas mortes e sofrimento em
diversos outros pacientes, a verdade emergiu. Patrick Chavis não era
sequer capaz de realizar procedimentos médicos básicos. Após uma
investigação que durou um ano sua licença foi revogada.
E seu exemplo não foi algo isolado. Ainda nos anos 1970 um Professor
da Harvard Medical School declarou que Harvard estava permitindo que
estudantes negros se graduassem sem que tivessem atingido certos padrões
mínimos para ingresso e permanência no curso. Ele foi obviamente
acusado de fazer declarações racistas, embora sua preocupação não fosse
com os estudantes negros, mas com todo estudante não qualificado para
ingressar e concluir o curso de medicina. Isso seria, segundo ele,
“permitir que pacientes que confiam em nós paguem pela nossa
irresponsabilidade”.
Assim, temos atualmente uma abrangente defesa das ações afirmativas,
especialmente na forma de ‘cotas raciais’. Elas seguem avançando
cegamente nas Universidades. Mas o ponto é que a ação afirmativa se
impôs como um ‘dogma’, o que significa dizer: ela foi estipulada sem uma
discussão sobre sua legitimidade e, mesmo, sobre seus efeitos
(individuais e sociais) em longo prazo. Em verdade, ela se apresenta
hoje quase de forma inquestionável (daí seu status de ‘dogma’).
Assume-se que ela é legítima e disso se depreendem diversas ações com o
propósito apenas de assegurá-la (mediante cotas em concursos, cotas na
graduação, cotas na pós-graduação, etc.). Questioná-las não é, como
sabemos, bem visto, de tal forma que o discurso sobre sua [suposta]
importância ganha força especialmente na fala de demagogos sem grande
envergadura intelectual, os quais pervertem nossas Universidades.
Resgatemos, pois, as visões de negros como Martin Luther King e
Frederick Douglass, homens judiciosos e excepcionais cuja visão
asseguraria a todos uma prosperidade fundada na dignidade da pessoa
humana.
* Graduado em Filosofia pela
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com
estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor
Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da
Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de
Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com
foco em ética, filosofia política e filosofia do direito.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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