Cesar Borges de Sousa*
Mobilizar
um município do Agro brasileiro em torno de um grande sonho. Eis, em
síntese, a missão deixada pelo legado Alysson Paolinelli: corporificar
uma visão de Estado revolucionária, cujo propósito principal é alinhar
os interesses das Nações desenvolvidas com as do mundo tropical. Como
fazer isso num ambiente global desgovernado, polarizado, imprevisível? A
receita de Paolinelli é construir modelos para demonstrar, em pequena
escala, que estamos falando de uma utopia possível, realizável: fazer
com que o Agro Tropical elevado à categoria de Bioeconomia ocupe um
espaço de liderança sustentada e sustentável como parte de um novo ciclo
de expansão da economia mundial – o “Terceiro Salto”.
Para
isto, é indispensável que os modelos comprovem que esse pacto vai gerar
produção de bem-estar, riqueza a partir da democratização de
conhecimentos (com impacto direto na redução do fluxo da migração
forçada Sul-Norte) e que ao mesmo tempo seja capaz de dar respostas
concretas para os desafios incontornáveis do nosso tempo e das próximas
décadas: a insegurança alimentar e energética; as mudanças climáticas e a
desigualdade social.
Com estas ideias básicas e com o
apoio do Banco Mundial – parceiro de primeira hora do sonho de
Paolinelli – concluímos a primeira etapa do Projeto de implantação do
Polo Global de Bioeconomia Sustentável, Inclusiva e Saudável da
Amazônia, em Sinop. Não foi simples. E não o será. Da mesma forma que na
cena internacional, as articulações complexas aqui envolvem várias
dimensões de interesses e de compreensão. Mas, em Sinop, o engajamento
determinado das lideranças produtivas e dos pesquisadores locais abriu
janelas de perspectivas antes impensáveis.
Sim, podemos ir muito longe.
Sinop pode se transformar no primeiro “Biomunicípio” tropical. Não é pouco. Vejam o amplo leque de possibilidades:
As soluções urbanas baseadas na natureza
As Soluções Baseadas na Natureza (SBNs) são ferramentas que possibilitam à gestão pública e privada uma atuação eficiente e transformadora na qual a infraestrutura natural faça parte de uma estratégia que produza cidades mais inteligentes, mais resilientes e que ofereçam oportunidades de renda e empregos dignos e sustentáveis.
A Base Agrícola
Os
Programas de Bioeconomia são movidos pelos “insumos de base biológica”.
Em outras palavras, pelos produtos da agricultura, quando deixam de ser
mera matéria-prima (commodity) para operar como fator crítico da
universalização do desenvolvimento sustentável.
Portanto,
um Polo Global da Bioeconomia só fará sentido se forem dadas as
condições estruturantes para viabilizar e otimizar o funcionamento do
setor agrícola. No caso Sinop, o principal gargalo apontado pelos atores
locais situa-se no campo da logística, face aos sistemas precários de
escoamento de safras existentes.
Nesse sentido, o Fórum do
Futuro aproximou do Projeto do Polo Global, via UNESIN (União das
Entidades de Sinop) a Porto Central, empresa gestora do mais ambicioso
projeto de logística em implantação no Brasil. Já estão sendo
implementados: um porto no Espírito Santo com capacidade instalada duas
vezes maior do que a de Santos; uma ferrovia (batizada de “Alysson
Paolinelli”) ligando Minas Gerais às instalações portuárias.
A Porto Central quer ser uma alternativa logística para Sinop.
Outro aspecto estruturante é a proposta de inclusão digital. Apenas 10% das unidades produtivas de Sinop têm acesso à Internet, o que situa o Polo digital proposto originalmente pela Presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, no eixo central da questão de universalização de oportunidades num mundo em acelerada transformação.
Infraestrutura Verde
A
infraestrutura verde, uma das aplicações das SBN, vem sendo usada em
diferentes regiões do mundo. Por meio da implantação, manutenção ou
recuperação de áreas verdes em pontos estratégicos das cidades, por
exemplo, cria-se um sistema natural capaz de absorver a água da chuva,
filtrar sedimentos do solo e reduzir custos com saneamento e saúde
pública.
Alysson Paolinelli apregoava como prioridade
absoluta a preservação das “áreas de recarga dos lençóis freáticos”,
como base da estratégia de “produção de água”.
Um estudo
coordenado pelo WRI Brasil, publicado em 2018, mostrou que o aumento da
cobertura florestal em 8% no Sistema Cantareira, na capital paulista,
poderia reduzir em 36% a sedimentação. As áreas verdes impedem que mais
sedimentos cheguem aos rios e às estações de tratamento. A
infraestrutura natural melhora o desempenho financeiro das empresas de
saneamento ao reduzir o custo de tratamento da água. Em Sinop, ao lado
de programas já existentes de ampliação da cobertura florestal e de
gestão do lixo urbano, esse efeito poderia ser ampliado muitas vezes
através do Planejamento da Economia Circular e da Gestão Integrada de
Resíduos, de Reúso e de identificação de oportunidades econômicas
oriundas das iniciativas de preservação.
Por exemplo, o importante Teles Pires, no lugar de destino de esgotos com tratamento limitado, pode oferecer um robusto potencial de usos socioeconômicos múltiplos: psicultura, pesca esportiva, turismo gastronômico, etc... Precisamos quantificar, valorar, as oportunidades sócio econômicas resultantes do qualificado uso dos recursos naturais.
Planejamento Urbanístico e Construção Civil
Parceiras do Projeto Sinop, a EDB (produz poliuretano vegetal a partir de óleo de soja) e a Weber Ambiental abrem gigantescas possibilidades de inovação e reúso de materiais no setor da construção civil. Casas de soja, estruturas rurais de armazenamento feitas com poliuretano vegetal, utilização de novas tecnologias; redução de desperdícios; Identificação Novos Materiais.
A tecnologia trazida pela Weber é tão ousada que possibilita transformar lixo em combustível para aviação. E foi na perspectiva de somar as diversas ações setoriais que já existem que a empresa se candidatou a compor o corpo de mantenedoras da UNESIN.
Planejamento Estratégico do Uso de Biocombustíveis
A
estrutura de preços originada no Estado brasileiro tradicionalmente
favorece os combustíveis fósseis, na medida em que a decisão de compra
os consumidores é fortemente influenciada pelos fatores preço e
conveniência, em detrimento da sustentabilidade. É assim no mundo todo.
Mas, em Sinop pode ser diferente.
A articulação de uma
estratégia integrada de promoção do uso do biocombustível na gestão
pública e privada (nos ônibus e veículos públicos, nos tratores das
fazendas, no transporte escolar e pessoal...) pode fazer Sinop exibir
uma experiência de impacto global: enquanto 90% da economia mundial
continuam movidos a Petróleo, nosso desempenho municipal pode ser muito
melhor.
A produção de etanol de milho e de biodiesel de
soja para transportes coletivos e tratores agrícolas pode ser objeto de
incentivo tributário por parte do estado. A medida favorece e justifica o
papel inovador e visionário que a Caramuru Alimentos e a Inpasa já
exercem na região.
Pode-se imaginar o impacto
internacional de uma iniciativa que é uma resposta direta e cabal às
questões levantadas pelo debate global.
Legitimar a atividade do Agro Tropical não foi possível com propaganda e marketing. Mas, exemplos inquestionáveis como esse são uma oportunidade histórica de expressar aquilo que o Agro Tecnológico brasileiro referenciado em Ciência pode oferecer ao mundo.
Planejamento da Industrialização e de Serviços da Bioeconomia
Sabemos
que é fundamental uma base agrícola consolidada e estruturada. Afinal, a
matéria-prima da Bioeconomia são os “insumos de base biológica”, em
outras palavras o produto agrícola. Muda, porém, o foco estratégico: no
lugar de mirar a exportação de commodities como objetivo exclusivo, a
Bioeconomia prestigia alternativas de investimento que estimulem a
agregação de valor no local e diminuam as ameaças e riscos que o Agro
brasileiro enfrenta diante da dependência dos preços praticados no
mercado das commodities.
Na visão prospectiva, permitir
que a saúde econômica e financeira do setor seja governada pelo
desempenho da bolsa de Chicago é abrir mão de escolher a qualidade do
nosso próprio futuro.
O Projeto Sinop traz uma
oportunidade histórica: o casamento dos interesses da potência econômica
do Agro Nacional com a visão e as expectativas dos consumidores
urbanos. Esta é a plataforma que pode assegurar a liderança brasileira
no mercado da Bioeconomia mundial, que somente em 2023 movimentou
US$13,5 Trilhões, contra US$5 Trilhões da cadeia dos combustíveis de
origem fóssil.
É quando a soja se transforma em mais de
mil produtos industriais, verdadeiros diplomatas que podem representar
os interesses do Agro no diálogo urbano. Sinop abre uma nova janela de
esperança para o Brasil e para o mundo.
A mobilização colaborativa integrada em Rede exige humildade, empatia, valorização de cada ator e muita fé no futuro do Brasil.
Esperança,
porém, não é estratégia. Pavimentar esse novo caminho vai exigir muito
trabalho, colaboração e compreensão entre todos os envolvidos.
Vamos sonhar juntos.
*Cesar Borges de Sousa é CEO do Instituto Fórum do Futuro, Presidente da Rede Soja Sustentável, Presidente do Instituto Soja Livre, CEO da EDB – (Casas de Soja) e acionista e membro do Conselho Deliberativo da Caramuru Alimentos
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