Elton Duarte Batalha é professor na Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado. Doutor em Direito.
Há
uma relação entre linguagem e democracia muitas vezes inexplorada, mas
com implicações importantes daquela sobre esta. O uso de determinadas
expressões para estigmatizar o opositor produz efeitos sobre o debate
público com consequências nefastas sobre instituições e mesmo em relação
às conexões interpessoais no campo privado. O diálogo necessário à
manutenção de um ambiente democrático pode sofrer, assim, impacto
relevante, determinando o futuro de questões relevantes para o país.
Dois
dos termos mais utilizados nos últimos tempos no Brasil, quando há
discussão sobre questões políticas, são ‘fascista’ e ‘comunista’.
Evidentemente, o uso de tais expressões, carregadas de peso histórico,
faz com que o interlocutor seja rotulado como alguém com características
extremamente nocivas ao convívio democrático. Dado que o debate é a
forma mais adequada de demonstração de diversas visões de mundo, de
forma a canalizar eventuais conflitos de modo civilizado para alguma
forma de consenso, a tentativa de atribuir característica inerentemente
negativa ao indivíduo com quem está debatendo constitui uma forma
desleal de vencer o embate argumentativo, com consequências deletérias
ao tecido social. Afinal, uma vez que o outro praticamente personifica o
Mal, como encontrar qualquer ponto de contato na tentativa de resolução
de algum problema? Mais ainda: como manter relação pacífica na vida
cotidiana com alguém que, supostamente, defende valores ofensivos à
dignidade humana? Nota-se, portanto, que a dissolução dos laços sociais
por tal nível de polarização linguística pode produzir efeitos bem mais
duradouros do que muitas vezes se imagina.
Importante
observar, ainda, que o uso indiscriminado de termos com grande estigma
produz um efeito colateral perigoso: a perda de sentido. Chamar alguém
de fascista, nazista ou comunista, por exemplo, faz com que os eventos
trágicos ligados a tais fenômenos históricos sejam, de algum modo,
banalizados. O mesmo comentário vale para o termo extrema direita, usado
com estranha facilidade em tempos recentes no Brasil e no mundo. Será
que todas as figuras populistas surgidas no cenário político ultimamente
merecem tal qualificação? Ou será que o uso inadequado de tal nome pode
levar a sociedade a abrandar o peso de tal atributo caso a figura
política em questão não se mostre um risco tão grande assim à
democracia?
Há que se observar,
ademais, que adjetivar o opositor para inviabilizar o debate, além de
trazer riscos ao ambiente democrático, demonstra, em última análise, uma
certa sinalização de virtude. Afinal, se o interlocutor representa a
personificação do Mal em termos políticos e sociais, o agente acusador
passa a ser, teoricamente, alguém mais elevado sob a ótica axiológica.
Em um debate com base dicotômica em termos de valores, no qual uma parte
julga-se moralmente superior à outra, o campo para encontrar consenso
praticamente desaparece e a razão política, normalmente baseada na
técnica de encontrar a solução possível, passa a basear-se na lógica do
‘tudo ou nada’. Evidentemente, os efeitos potenciais para a democracia
são sombrios.
A linguagem usada no debate público, portanto, deve ser observada com cuidado. Em época de rede social e uso de recortes de diálogo para disseminação na internet, a tentativa de humilhação do interlocutor e finalização do debate com o uso de algum termo forte pode render frutos a curtíssimo prazo, mas é péssimo para a democracia, a qual, necessariamente, deve ser construída com visão de longo prazo. Enquanto o ambiente democrático demanda uma lenta e laboriosa construção de pontes com quem pensa de forma diversa, o uso sem cautela de adjetivações durante o debate tem o condão de destruí-las. Há, nesse uso, certo autoritarismo que usa as vestes da democracia, ganhando o apoio de incautos que são atraídos pela utilização de tais expressões. O ambiente democrático saudável é feito sem espetáculo, com base em trabalho diuturno e consistente de pessoas moderadas. Não parece emocionante em uma civilização imagética como a contemporânea, mas é o caminho trilhado com sucesso historicamente.
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
Sobre a Universidade Presbiteriana Mackenzie
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