BLOG ORLANDO TAMBOSI
A posição que melhor serve Portugal neste momento é defender que a Ucrânia deve primeiro aderir à Aliança Atlântica e que a adesão à UE não pode ser precipitada. Foi aliás este o padrão no Leste. Bruno Cardoso Reis para o Observador:
Será
que a simpatia pela Ucrânia invadida nos leva a ignorar as dificuldades
no campo militar ou na sua adesão à União Europeia e à NATO? São
perguntas legítimas, colocadas por Daniel Oliveira, num bom texto com um
mau título, que vale a pena discutir.
Tomar partido e analisar com rigor
Há
muitos fenómenos complexos e distantes na política internacional, em
relação aos quais é difícil ou faz pouco sentido tomar posição. Mas
entre a Ucrânia agredida e a Rússia agressora não tenho dúvidas em tomar
partido, aliás, o Daniel Oliveira também não, o que não nos impede de
tentar fazer uma análise desapaixonada. Tanto mais quanto o risco de
regresso ao Mundo anterior a 1945, em que apenas o poder militar
interessava e os grandes impérios conquistavam e anexam formalmente o
território dos mais fracos não será uma receita para a paz, o
desenvolvimento ou a segurança da maioria dos países, desde logo de
Portugal. Não preciso de esconder a minha posição, como os que se
envergonham de declarar as suas simpatias pela Rússia de Putin. Também
não necessito de procurar falsas equivalências para mostrar o rigor da
minha análise.
Foi
claro: uma guerra real é diferente de um filme de guerra de Hollywood, e
por isso uma vitória justa não é uma vitória garantida. Sublinhei que a
história mostra que numa guerra de trincheiras o impasse é o estado
normal de coisas. Destaquei que uma ofensiva como a que a Ucrânia está
fazer, com ataques frontais, sem domínio aéreo, contra linhas defensivas
bem preparadas é das operações militares mais custosas e difíceis.
Também tenho chamado a atenção para as dificuldades da adesão de um país
tão grande e tão pobre como a Ucrânia à União Europeia. Há problemas de
redistribuição de poder, de eficaz reorganização das instituições
europeias, de orçamento. Há problemas e desafios específicos para
Portugal em termos de uma nova perda de peso relativo, possível perda de
fundos e uma reorientação da UE mais para Leste.
Nem guerra, nem paz fáceis
Não
há uma via fácil e garantida para a vitória ucraniana, e não é
plausível a adesão rápida e sem problemas à União Europeia, ou à NATO.
Ignorar estes problemas gerará expectativas irrealistas e aumenta a
probabilidade de conflitos sérios entre aliados cuja coesão é essencial
para fazer frente à Rússia. Por outro lado, se se quer discutir de forma
séria esta questão, definidora da futura ordem regional e global, temos
de reconhecer que também não existem alternativas pacíficas fáceis e de
sucesso garantido. Não vi até ao momento uma proposta minimamente
credível de uma paz durável com a Rússia governada por Putin. Porque é
que desta vez o líder do Kremlin irá procurar um real compromisso como
um país que ele diz que não existe e com um governo que desqualifica
como nazi? Porque é que as partes irão implementar de boa fé um acordo,
quando a hostilidade e a desconfiança entre elas nunca foram tão
grandes? Claro que se Trump, ou alguém parecido, ocupar a Casa Branca, a
partir de 20 de Janeiro de 2025, ou se alguns países europeus chave,
como a Alemanha ou a França, se cansarem do apoio à Ucrânia, Kiev poderá
ficar perigosamente isolada. Mas isso não é inevitável. E, sejamos
claros, uma paz a qualquer preço, o abandono da Ucrânia num limbo
resultaria numa Europa mais instável e num Mundo mais perigoso.
Provavelmente encorajaria novas guerras de conquista, novos ataques,
híbridos e não só.
Termos
chegado a este ponto não é um sinal de fracasso ucraniano ou da
inutilidade do apoio ocidental. Não significa que seja um erro ajudar um
país agredido a defender-se, ou travar uma potência agressiva na
vizinhança. É extraordinário o que os ucranianos fizeram com o seu
heroísmo tornado mais eficaz pela ajuda militar ocidental. Travaram uma
invasão russa que muitos consideraram imparável por um adversário muito
superior em equipamento militar, população, território e recursos.
Recordemos que Ucrânia recuperou cerca de 50% do território inicialmente
ocupado.
O que fazer?
Infelizmente
para a Ucrânia a única paz realista nas circunstâncias atuais é uma paz
fortemente armada. Para isso é fundamental consolidar o apoio militar
ocidental a um nível sustentável. A Ucrânia precisa de armas para
continuar a defender-se da agressão russa enquanto ela durar. Elas
também são fundamentais para poder vir a negociar numa posição de força,
bem como para dissuadir novas agressões russas. Precisamos de
desenvolver a indústria militar europeia e ucraniana por forma a
transformar uma necessidade custosa, num Mundo mais perigoso e instável,
também numa oportunidade económica. Para o investimento em defesa ser
sustentável é fundamental ser fonte de investimento em empresas,
empregos e inovação nas economias nacionais. Na Europa isso implicará
parcerias, como Portugal fez com sucesso com o Brasil para o avião de
transporte militar KC-390. Isto é fundamental para dar tempo para se
criarem melhores condições para a Ucrânia poder vir a aderir à NATO e à
UE.
A
posição que melhor serve Portugal neste momento é defender que a
Ucrânia deve primeiro aderir à Aliança Atlântica – com alguns
esclarecimentos quanto à aplicação do artigo 5 – e a adesão à UE não
pode ser precipitada. Foi aliás este o padrão no resto do Leste:
primeiro NATO, depois UE. A UE não vai fazer da Ucrânia um país mais
seguro se continuar fora da Aliança Atlântica. Até lá, vale a pena notar
que 81% portugueses apoiam a adesão da Ucrânia à UE e 78% à NATO. Isto
segundo uma sondagem recente, no âmbito das sempre úteis Transatlantic
Trends do German Marshall Fund, com apoio da FLAD. Esperemos que seja
por uma questão de princípio, não porque pensam que os custos e as
consequências serão para outra, não para Portugal.
Postado há 5 weeks ago por Orlando Tambosi
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