BLOG ORLANDO TAMBOSI
Com
habilidade de vendedor de carros usados e a segurança que 6,8 bilhões
de dólares dão a qualquer um, o ex-primeiro-ministro aprontou muito. Vilma Gryzinski:
Todo
mundo já falou tudo o que tinha a falar mal de Silvio Berlusconi –
inclusive os que pretendem criticar Donald Trump e até Jair Bolsonaro
quando baixam o sarrafo no ex-primeiro-ministro italiano.
Quem
quiser ver uma crítica avassaladora, leia o que Roberto Saviano tem a
dizer. Muitos italianos, em geral de esquerda, mas não unicamente,
também acham até hoje que ele hipnotizou os eleitores que,
sistematicamente, votavam nele. Seus suspiros de alívio estão sendo
ouvidos até agora.
Mas
quem quiser dar um pouco de risada com o incontrolável, insuportável,
inclassificável Cavalieri – assim a imprensa italiana se referia a ele
-, veja algumas de suas histórias cômicas, mais aceitáveis agora que ele
está sob a tumba de mármore rosa e granito que fez- ilegalmente – no
gigantesco mausoléu da Villa San Martino, em Arcore, seu palacete
oficial. Algumas histórias foram reunidas pelo site Politico.
Fora
o Milan, Berlusconi também comprou o Monza, um time menor, e deu um
incentivo extra aos jogadores na festa de natal do ano passado nos
seguintes termos.
“Encontramos
um novo técnico”, disse referindo-se a Raffaele Palladino. “Ele é bom,
encantador e capaz de incentivar nossos rapazes, mas estou acrescentando
um pequeno estímulo. Como disse antes aos rapazes, se vocês venceram um
time grande, vou mandar um ônibus cheio de prostitutas para a o
vestiário”.
Houve
gritaria, claro, mas Berlusconi atribuiu as críticas a quem não entende
uma “simples piada de vestiário” e padece de uma “profunda falta de
senso de humor que os torna tão tristes e capazes de atacar
gratuitamente os que consideram inimigos. Mas é natal, então feliz natal
para eles também”.
Berlusconi
ocupava uma posição única como homem mais rico da Itália. No Brasil,
seria como se fosse dono do Flamengo, do grupo Globo, incluindo a rede
de televisão e o jornal de alcance nacional, grandes projetos
imobiliários e bancos de investimento, além de ter chefiado o governo,
em mandatos sucessivos, por dez anos. Sua fortuna é calculada em 6,8
bilhões de dólares.
É
um colchão suficiente para acomodar brincadeiras de mau gosto, ou coisa
pior, como quando disse que achava Barack Obama bonito e “bronzeado”.
Ou quando se escondeu atrás de uma coluna, num encontro público com
Angela Merkel, e apareceu dizendo “supresa”. Numa entrevista à BBC,
negou que tivesse chamado a austera primeira-ministra alemã de gorda
intransável, para usar um termo publicável. “Isso foi inventado por
alguém que quer me deixar mal com Angela”.
A
presidente da Finlândia da época, Tarja Halonen, também entrava na
turma que nunca participaria de um bunga bunga, mas Berlusconi disse que
usou seus encantos de playboy com ela. A Finlândia já tinha virado
assunto quando as cidades de Parma e Helsinque disputaram quem ficaria
com a sede da Agência Europeia de Segurança Alimentar. “Os finlandeses
só comem conserva de rena, nem sabem o que é um prosciutto”, reclamou
Berlusconi, não sem uma pequena dose de razão. Parma acabou ganhando a
sede.
Sobre
Martin Schultz, deputado alemão que era presidente do Parlamento
Europeu e com quem se desentendeu em 2003, disse: “Eu conheço um
produtor de cinema italiano que está fazendo um filme sobre os campos de
concentração nazistas. Vou recomendar você para o papel de kapo. Seria
perfeito”.
Schultz
deu uma resposta incisiva e inteligente, sobre um primeiro-ministro que
“confrontado com a menor das objeções, perde os modos dessa maneira”.
Mas todo mundo se lembra é da comparação absurda feita por Berlusconi.
“O
que é isso? Por que ele tem que gritar?”, reclamou a rainha Elizabeth
II quando Berlusconi tentou chamar a atenção de Obama na foto oficial da
reunião do G20 de 2009.
Não
é qualquer um que levava bronca da rainha e saía lépido e fagueiro –
tem que ter a formidável cara de pau de Berlusconi que disse, sobre os
juízes dos quais recebiam regularmente condenações por uma litania de 36
processos, que eram “antropologicamente diferentes” do resto das
pessoas.
Sobre
a sedução serial, especulou: “Pensem em quantas mulheres existem que
gostariam de ir para a cama comigo, mas ainda não sabem disso. A vida é
um problema de comunicação”.
Indagado,
certa vez, a respeito da participação de um amigo de idade avançada nas
notórias festas que se transformavam em orgias alimentadas a joias e
pacotes de dez mil dólares dados às beldades envolvidas, ele ergueu o
dedo mindinho e respondeu: “Para encontrar seu pirulito, aos 80 anos,
seria necessária uma verdadeira caça ao tesouro”.
Curiosamente,
Berlusconi chegou ao fim da vida bem diminuído por uma mulher cuja
carreira foi lançada por ele, Giorgia Meloni, uma das bonitinhas do
milionário que a nomeou ministra com apenas 31 anos. Levada à chefia de
governo numa daquelas guinadas com que a política italiana, como
Berlusconi, vive gritando “supresa”, ela deixou todas as declarações
bombásticas e tiradas populistas de fora de seu vocabulário.
Está
fazendo um discreto governo de centro-direita e ampliando sua base de
apoio, num desmentido aos prognósticos catastróficos de que praticamente
instauraria o fascismo no poder.
Silvio
e Giorgia travavam uma nada discreta luta de bastidores que tinha tudo
para se inclinar a favor dela. Os “órfãos” de Berlusconi agora tenderão a
ir para o lado dela.
Curiosamente,
as palavras mais sinceras, entre líderes políticos, a respeito de
Berlusconi foram ditas por Vladimir Putin: “Para mim, Silvio era uma
pessoa querida, um verdadeiro amigo. Sempre admirei sinceramente a
sabedoria dele, a capacidade de tomar decisões equilibradas e de longo
alcance mesmo nas situações mais difíceis. Em cada um de nossos
encontros, eu era recarregado por sua incrível vitalidade, seu otimismo,
seu senso de humor”.
Berlusconi
vivia exibindo o “letto di Putin”, a enorme cama que o líder russo
tinha dado de presente a ele. Putin, hoje justamente execrado como o
responsável final pelas atrocidades praticadas na Ucrânia, não só
visitou várias vezes a espetacular Villa Certosa, o complexo de lazer de
Berlusconi na Sardenha. Deixou que as próprias filhas desfrutassem das
amenidades oferecidas pela propriedade com 25 quartos, seis piscinas,
pizzaria própria, um anfiteatro romano e um vulcão fake, antiguidades
verdadeiras e entrada subterrânea pelo mar através de uma caverna com um
mosaico de Poseidon no fundo.
Não
existe maior prova de confiança do que deixar duas jovens e loiras
russas aos cuidados de Berlusconi que, como todos os canalhas, adoráveis
ou insuportáveis – ou talvez uma combinação de ambos – sabia muito bem
quando erguer ou baixar o topete implantado. Dizem até que contava
piadas autodepreciativas, um sinal de inteligência superior.
Seus
absurdos, seus abusos, sua falta de compostura, seu modo de conquistar
aqueles que gostam de quem “diz as coisas como elas são”, em geral uma
forma de quebrar os limites da civilidade, vão se apagar com o tempo –
aliás, já estavam se diluindo com o avanço da idade e da doença que
levou o Cavalieri aos 86 anos. Mas continua a ser difícil não dar risada
de muitas de suas tiradas.
Depois que passam, os fanfarrões ficam mais suportáveis.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
Nenhum comentário:
Postar um comentário