BLOG ORLANDO TAMBOSI
O tal influencer já tinha sido multado em mais de R$ 17 mil pela morte de uma preguiça-real sob sua guarda e por outros delitos ambientais. Via Crusoé, a crônica semanal de Ruy Goiaba:
“Pare
o mundo, que eu quero descer” é um clichê, mas também uma descrição
exata do sentimento daqueles que trabalham nessa profissão fascinante e
bem remunerada que é o jornalismo. OK, não sou porta-voz dos meus
colegas e falo só por mim: em vez de ficar o dia inteiro deitado no sofá
lendo, ouvindo música ou fazendo nada, que é o que eu gostaria que me
pagassem para fazer (sou craque nisso, só falta o reconhecimento da
profissão), toda hora o noticiário me obriga a lidar com, well,
notícias, essas malditas coisas que acontecem nos momentos mais
inoportunos. E não para de acontecer coisa no Bananão: um dia é
“Bolsonaro preso amanhã”, nos outros é Deus e o Diabo no PL das Fake
News, CPMI do apocalipse zumbi de 8 de janeiro, calabouço fiscal, marco
do saneamento (sempre imagino um sujeito de boné da Sabesp dizendo “oi,
tudo bem? Eu sou o Marco do saneamento”. Desculpem, é mais forte que
eu).
Antigamente,
as coisas podiam acontecer à vontade que só virariam notícia no dia
seguinte, por mais que elas ficassem berrando e esperneando na sua
frente: era preciso seguir o lento processo de produção de um jornal.
Depois que inventaram essas modernices como rádio, TV e internet, o
homem-mordendo-cachorro nem precisa terminar de acontecer para ser
noticiado; aliás, é comum que nem precise acontecer. As redes sociais e o
WhatsApp não só levaram ao paroxismo esse mundo do “tudo ao mesmo tempo
agora” como acabaram com o papel de gatekeeper, guardião, que o
jornalismo profissional se atribuía: hoje todo mundo pode ser
jornalista, ombudsman e sua própria central produtora de fake news.
Checagem de fatos é, na melhor hipótese, enxugar gelo — na pior, as
supostas agências checadoras também dão sua mãozinha na disseminação de
notícias falsas; por exemplo, a “origem racista” de palavras como criado-mudo.
Escrevi
tudo isso para dizer que, nesse cenário, assuntos da semana passada são
por definição mais velhos que o naufrágio do Titanic ou a posse do
marechal Hermes da Fonseca na Presidência: claramente, a Primeira Guerra
Mundial ainda não tinha terminado quando rolou aquela história
envolvendo o influencer Agenor Tupinambá e Filó, sua capivara de
estimação. Na verdade, não deveria haver polêmica nenhuma aí. Capivara
não é pet; é obrigação do Ibama zelar tanto para que animais silvestres
vivam no seu habitat como para punir eventuais infratores; e o tal
influencer já tinha sido multado em mais de R$ 17 mil pela morte de uma
preguiça-real sob sua guarda e por outros delitos ambientais.
Mas
não, os libertários de rede social tinham de brigar por essa
importantíssima causa que é o direito de dar na capivara um banho com
xampu de gente: olha só que bicho fofinho, que cute-cute, que
monstruosidade separar o pai de pet do pet-filho, que enxurrada de likes
nas redes esse caso rende, que monetização mais bacana. (Vem cá: alguém
perguntou à capivara o que ela queria, hein, hein? Posso apostar que a
Filó não ganhou um tostão com toda essa notoriedade.)
O
pior é que hoje não dá nem para sugerir, à moda de Leo Jaime e Eduardo
Dussek, trocar sua capivara por uma criança pobre: assim como a nossa
simpática Hydrochoerus hydrochaeris, a criança pobre certamente será
instagramada, tiktokada e monetizada por gente muito interessada em
mostrar ao mundo como é boazinha. Aquele negócio de “não saiba a tua mão
esquerda o que faz a tua direita” é coisa do passado: nada escapa à
lógica do quanto mais clique melhor, nem este texto. Vou ali me deprimir
deitado no sofá — com o celular, para clicar em todo tipo de besteira
que passar pela internet — e já volto.
***
A GOIABICE DA SEMANA
O
troféu desta vez vai para o, ahn, debate de ideias sobre o PL das Fake
News, em que os lados a favor e contra defenderam seus pontos de vista
com uma pororoca de fake news: só isso já dá uma boa medida do sucesso
que essa lei vai ser. Mas o mais bacana foi o relator Orlando Silva
dizendo que o projeto é para “proteger as crianças” — pânico moral e o
melhor do Carnaval —, ou Gregório Duvivier alegando que o PL é uma
questão de soberania nacional: se houvesse teste cego de tuítes como
existe de vinhos, muita gente acreditaria se tratar de um Carlos
Bolsonaro (ou uma Damares Alves) do puro, do legítimo, do escocês.
Depois ainda querem me convencer de que bolsopetismo non ecziste.

Orlando Silva: é tudo pelas criancinhas.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi

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