BLOG ORLANDO TAMBOSI
Quando nos falta quase tudo, incluindo gêneros alimentares, que não nos falte a autodeterminação de gênero. Jaime Nogueira Pinto para o Observador:
Foi
nas vésperas das já quase cinquentenárias comemorações da revolução dos
cravos – que, pelo descarrilar da carruagem, prometem – que o Projecto
de Lei nº 332/XV foi aprovado pela Assembleia da República por 120
socialistas, 6 comunistas, 5 bloquistas, 1 animalista e 1 livre. Contra
estiveram 77 sociais-democratas e 12 chegas e houve 8 iniciados liberais
e 2 socialistas que se abstiveram. Era fundamental e urgente que o
projecto fosse aprovado, uma vez que a lei vem responder a um dos
problemas mais prementes da Nação.
A
leitura de algumas alíneas do dito Projecto-lei assegura-nos desde logo
que é de um importante passo no caminho para uma humanidade feliz que
se trata, assegurando-nos que, em Portugal, a utopia também é possível.
Tanto que nos remete para os slogans do Ministério da Verdade, que o
English Socialist Party of Oceania difundia, no 1984 de Orwell.
“Guerra
é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”, é um dos mais
famosos exemplos do New Speak, Nova Fala ou Nova Língua, que os sequazes
do Big Brother cultivavam em nome da construção do melhor dos mundos e
com a qual massacravam os ouvidos e a cabeça dos pobres cidadãos
oceânicos – que não tinham nada de que se queixar, pois usufruíam de
teletelas que, além de os endoutrinarem nas boas práticas, os
entretinham e vigiavam.
Talvez
por isso o 1984 de Orwell conheça agora um novo boom. Afinal,
ajuda-nos a perceber melhor o mundo que nos rodeia e a forma como está a
ser traçado o nosso “futuro radioso”. Um futuro que poderá vir a raiar
se não formos capazes de acordar do entorpecedor entretenimento que nos
proporcionam e reagir, sacudindo uma tirania que, ao contrário do
pesadelo orwelliano, nos é trazida por políticos democráticos
sorridentes e fala-baratos, por académicos com currículos pesados, por
estudos para-científicos de Observatórios, por pareceres de
especialistas e animadores televisivos, simpáticos e inofensivos. E,
claro, pelos episódios grotescos e rocambolescos da novela das nossas
instituições.
“Quem
controla o Passado, controla o Futuro; quem controla o Presente
controla o Passado” e “A massa mantém a marca, a marca mantém a média e a
média controla a massa”, são mais dois dos slogans da orwelliana
campanha de lavagem ao cérebro, que também nos dirão qualquer coisa.
Sobre
o controlo do passado, é bom parar para pensar na deturpação da
História de Portugal operada nas últimas décadas, que reduz a aventura
portuguesa do século de ouro a uma crónica de violência e pilhagem
indiscriminada, que equipara o regime derrubado pelo 25 de Abril a uma
variante lusa da tirania nazi-fascista, mas que não vê no presente
agravar da arrogância, da corrupção, da displicência e da impunidade
qualquer semelhança com os donos do poder, da democracia e do país que
por aqui passaram e se passearam na Primeira República.
Distopias
Tudo isto se tornou fácil e possível através dos media e do seu controlo.
Ainda
que nos fale eloquentemente do tempo que vivemos, o 1984 de Orwell vem
na linhagem das distopias do século XX e teve por objecto principal
denunciar o comunismo estalinista da Rússia Soviética. Logo no início,
outras distopias tinham já assinalado a inauguração da implantação
forçada da utopia no mundo real. Quatro anos depois da revolução
bolchevique na Rússia, em 1921, Zamiatin escrevia o Nós e ia parar à
prisão; e, em 1932, Huxley publicava Brave New World, inspirando-se na
frase de Miranda, filha de Próspero, o exilado duque de Milão de A
Tempestade de Shakespeare, ao ver pela primeira vez os náufragos que
chegavam a terra.
“Oh Wonder!
How many goodly creatures are there here
How beauteous mankind is! Oh brave new world
That has such people in’t”
Huxley
pegou no assombro de Miranda, até aí sozinha na ilha com o pai, perante
a beleza do género humano e a bondade das suas adoráveis criaturas; e
misturando utopia, distopia, ironia, tecnologia e promiscuidade, deu-nos
um admirável mundo novo, traçado a régua e esquadro para a felicidade
plena, numa sociedade organizada por castas definidas por letras: Alfas,
Betas, Deltas, Gamas e Épsilones – os mais baixos, a massa do Lumpen.
O
controle em Brave New World era mantido através de propaganda, que
desviava a atenção e suprimia a informação relevante. A esta propaganda
só escapavam as comunidades de “Selvagens”, que viviam nas periferias
não-civilizadas. Semelhante forma de controle é também usada em
Fahrenheit 451, onde se queimam os livros e se favorece a teleficção.
Nada
disto é alheio à legislação passada nas vésperas da data fundacional do
regime, como se de um símbolo da obra feita e de um princípio da obra
por fazer “para cumprir Abril” se tratasse. Não deixa de ser curioso que
um sistema educativo reconhecidamente deficiente em matéria de
preparação humanista e profissional e cheio de buracos e carências, um
sistema que tem os professores em revolta há meses e que conta com
escolas onde não há sequer psicólogos, queira agora acoitar sob a redoma
da lei um Bernardo que descobriu que era Sofia, um João que acordou
Maria, uma Ricardina que quer que lhe chamem Maximino ou uma Maria que
afinal é Zé (haverá muitos casos destes, dos genuínos, fora do incentivo
à experimentação e da pressão dos ideólogos do género?) E como não
podia deixar de ser, recomenda-se também a indigitação de controleiros
da discriminação de género para acusar todos os que pequem por
pensamentos, palavras, pronomes e omissões contra o humanitário
princípio de oferecer às crianças todo um leque de identidades à
escolha, independentemente daquela que lhes tenha sido “imposta à
nascença”. Com semelhante menu, há até quem se autodetermine (li outro
dia num jornal) “mulher trans, não-binária, pansexual e anarquista
relacional” … todo um programa.
Os mistérios do sexo contados às crianças à revelia do povo
Não
temos estatísticas nem estudos credíveis que sustentem as medidas
propostas. O que temos, neste diploma, é uma cópia servil de um projecto
ideológico a introduzir nas escolas, conforme o veiculado pelo PRESSE,
um “Guia de Informação e Apoio” que se autodetermina como “um espaço,
para os alunos, onde se desenvolvem acções de informação, educação e
comunicação no âmbito da educação sexual”. Vale a pena ver.
Como
em qualquer distopia que se preze, as crianças que a partir dos sete
anos se mostrem descontentes com o sexo que lhes foi imposto à nascença e
com o nome que lhes foi atribuído no registo, podem não ter professores
nem aulas, podem não ter acompanhamento psicológico, podem não ter
materiais tecnológicos ou sequer analógicos, podem não ter actividades
extra-curriculares desportivas, musicais ou culturais mas uma coisa é
certa: vão ter um responsável, um tutor, um conselheiro, um amigo, a
quem poderão pedir orientação e manifestar o seu desconforto e
desconformidade – desde que esse desconforto e desconformidade sejam “de
género”. Este conselheiro, designado pela escola, não necessita de
quaisquer credenciais profissionais, médicas ou outras: tem apenas de
ser amigo e solidário. O nome escolhido pela criança ou adolescente terá
depois de ser conhecido e respeitado por toda a população escolar, bem
como a opção de vestuário e outras expressões da identidade
autoatribuída que queira adoptar.
O
PAN, promovendo por uma vez uma tourada, insistiu que tanto os fiscais
como os formadores deveriam ter o selo ou o ferro LGBTQI+ para poderem
marrar com pais, professores, pessoal não docente e restante comunidade
educativa nas sessões de alfabetização e esclarecimento sexual por que
Portugal há tanto clama.
Enfim, o paraíso na terra.
Sublinha-se
também que, nos projectos do PAN, do Livre, e do BE, se exigem penas
severas para quaisquer “terapias de conversão” dirigidas à “correcção”
da homossexualidade ou da transexualidade, para evitar os traumas que
causam (e que causarão com certeza) e a elevada taxa de suicídios (que,
com certeza, será também real). Porém, em relação às terapias de
transição de género – à submissão a tratamentos com bloqueadores de
puberdade, a tratamentos hormonais irreversíveis e a correcções
cirúrgicas – não parece haver traumas associados a registar; ou tão
pouco consequências ou taxas de suicídio dignas de nota.
Nas
distopias, o medo é o grande instrumento totalitário, mas a sua
imposição é quase sempre mais mediática, mais dirigida às consciências
pela propaganda, mais incentivada por legislação avançada do que
declaradamente imperativa. E nas sociedades ocidentais,
constitucionalmente liberais, a repressão pela violência física não é
(ainda) possível – mas há sempre o império da lei…
Em
Nós, de Zamiatin, os cidadãos saíam em passeios colectivos, dando
louvores ao poder; em Brave New World, de Huxley, a sociedade buscava a
felicidade pelo conforto e pelo prazer e os cidadãos das várias castas
eram agarrados e distraídos pelo divertimento, para que a informação
subversiva ou alternativa à ordem estabelecida lhes pudesse ser sonegada
sem que dessem por isso.
A
presente imposição ideológica, que descarta a biologia e outras
minudências através de um processo orwelliano aparentemente liberal, é
exercida sobre uma população de crianças e adolescentes. É parte de uma
máquina de transformar em regra situações minoritárias e marginais, com
as quais há, com certeza, que ter toda a atenção e compreensão, mas
também a consciência de que não se tratam ou resolvem por decreto nem
devem generalizar-se. Entretanto, a máquina vai-se tornando um perigo
público, prometendo transformar o que aparenta ser uma questão acessória
numa questão essencial para o futuro da sociedade.
Gabriele
Kuby, em A Revolução Sexual Global – Destruição da liberdade em nome da
liberdade, explicou o processo pelo qual “os modernos e os
pós-modernos” se foram emancipando de tudo – de Deus, da natureza, da
família, da tradição e agora até da biologia. O problema é que, ficando
nessa aparente independência, orientados por coisa nenhuma a não ser
pela própria vontade e pelos próprios desejos e impulsos, se tornam
muito mais vulneráveis aos fortes, aos que controlam a informação, aos
que manipulam as massas.
A oligarquia que governa este país sabe disso. Há que acordar e reagir.
Postado há Yesterday por Orlando Tambosi

Nenhum comentário:
Postar um comentário