Num tempo de intensificação da competição global, a diplomacia portuguesa pode ter muito que fazer. Receber o presidente do Brasil é importante. Dizer-lhe o que é inaceitável, também é. Henrique Burnay para Observador:
A
visita do Presidente do Brasil, Lula da Silva, à Assembleia da
República recordou três coisas sobre política externa: que os radicais
são muito iguais entre si, confundem interesse nacional com ideologia e
preferem a performance à substância; que os países têm interesses, não
têm sentimentos nem estados de alma; e que o papel dos países que falam
português, a começar pelo Brasil, pode ser muito mais importante nos
próximos tempos. E, portanto, as obrigações de Portugal
Começando
pelo espetáculo. Desta vez foi o Chega que fez a cena e confundiu a
recepção ao Presidente do Brasil com uma manif de bolsonaristas,
justicialistas ou meros arruaceiros. Qualquer pessoa que exija respeito
pelos órgãos de soberania tem de ter ficado incomodada. Além disso, o
Chega invocou a posição de Lula sobre a Ucrânia. Uma coisa grave e
lamentável, de facto. Mas quem recebe Salvini e admira Trump não pode
invocar esse argumento. Os amigos do Chega pensam como o PCP (e como o
Chega sinceramente pensa, mas não diz) sobre a Ucrânia e a Rússia.
Mas
há o reverso. O problema, para alguns dos críticos, não é o que o Chega
fez, é contra quem o fez. Há 38 anos, quando Ronald Reagan discursou no
Parlamento, os deputados do PCP saíram (sem pateadas), e o dos Verdes
tentou lançar uma pomba branca desde uma gaiola. O Chega foi mais
caricatural, caricato e ofensivo, mas o conceito é o mesmo: não gostamos
do convidado. Alguns dos que criticam o Chega teriam feito semelhante
se alguém tivesse tido a ideia de convidar Donald Trump para ir à
Assembleia da República. O problema é esse. O interesse nacional não tem
interesse para as suas acções.
A
outra lição que a vinda de Lula a Portugal recorda é a dos interesses
dos Estados, por oposição aos estados de alma. Não são só os portugueses
no Brasil ou os brasileiros em Portugal – o que é suficiente para
pensar duas vezes antes de pateadas e cartazes. São também os
investimentos. E a importância que os países têm. Se os únicos países
com os quais nos damos fossem iguais a nós, sobrariam muito poucos. O
que não quer dizer que convidar o presidente do Brasil, que diz o que já
se sabia que dizia, para a cerimónia do 25 de Abril na Assembleia da
República tenha sido uma boa ideia. Não por Lula ter estado preso. Mas
por Lula não ser um democrata sincero. A menos que se ache possível
ser-se democrata sincero e amigo da Rússia e da China ao mesmo tempo, e
sem ser apenas por interesse.
Finalmente,
tudo isto leva-nos ao último ponto: a importância global dos países de
língua portuguesa e onde é que entramos nessa conversa.
Quando
o 25 de Abril mudou Portugal, a lógica da Guerra Fria fez com que os
países recém-nascidos se tornassem em satélites da União Soviética. Não
muito depois de Portugal aderir à União Europeia, o muro de Berlim caía e
esses países começaram a transitar para a democracia. Mais ou menos,
nalguns casos.
Um
estudo pouco aprofundando que fiz no final do século passado mostrava
que os países membros da CPLP raras vezes votavam ao lado de Portugal
nas Nações Unidas quando estavam em causa questões fundamentais. Os
últimos anos, quando a Rússia perdeu relevância na cena global e a China
fazia de campeã do comércio internacional, podem ter diminuído essa
distância, mas o confronto global está de regresso, e o lugar de cada um
desses países é tudo menos irrelevante. Brasil, Angola, Moçambique, São
Tomé, mas também Guiné e mesmo Timor, contam no mundo. Seja na
Assembleia das Nações Unidas, seja na importância das suas matérias
primas, seja na sua localização. Seja na língua que falam e no dinheiro
que investem (Brasil). Tudo isso significa que a suposta relação
especial que queremos ter com estes países é muito mais importante para a
ordem internacional agora do que foi nos últimos anos. E isso implica
saber fazer diplomacia. Daí que tenha sido tão importante mostrar ao
presidente do Brasil que a sua posição sobre a Ucrânia é inaceitável
para uma parte relevante dos seus interlocutores e dos parceiros que lhe
interessam (não é só a China que lhe importa). Mas, também por isso,
substituir a diplomacia por uma manifestação de arruaceiros mais própria
de delinquentes não é certamente o que se espera de quem defende o
interesse nacional. Mas, lá está, essa não é a preocupação do Chega. Nem
dos que teriam feito o mesmo se o convidado fosse Trump.
Postado há 4 days ago por Orlando Tambosi
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