Tomamos um banho de atraso, preconceito e truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima. Fernando Gabeira para O Globo:
Com
as convenções partidárias, começou, oficialmente, o processo eleitoral.
Dizem que teremos eleições históricas. De certa maneira, todas as
eleições são históricas, se considerarmos que muitas resultam em
programas transformadores, outras resultam em impeachment. Nunca passam
em branco.
Na
verdade, é necessário admitir que as eleições têm inúmeros traços
singulares e pedem também uma certa preparação do eleitor para os meses
de campanha.
O
primeiro ponto a destacar é a violência. Já houve um assassinato em Foz
do Iguaçu, as redes estão inundadas por insultos e, em Minas, um homem
foi preso por ameaçar pendurar os ministros do Supremo de cabeça para
baixo.
Não
sei se a melhor tática é prender quem faz ameaças. Em alguns países, as
pessoas passam a ser apenas monitoradas. O que não deixa de ser uma
escolha arriscada; se cometem um crime, a responsabilidade acaba se
transferindo para quem hesitou em prendê-las.
De
qualquer forma, nesse capítulo, meu programa de eleitor é contribuir
para baixar a bola. Sempre que houver discussão perigosa, esfriar os
ânimos.
É
preciso também fazer com que as opções violentas paguem um preço
eleitoral. Não é difícil. Outro dia, um grupo bolsonarista cercou uma
comitiva de deputados de esquerda, na Tijuca, no Rio. Truculentos e
armados, acabaram expulsando os adversários da rua. Reinaram solitários
para uma plateia de algumas centenas de pessoas. Mas as notícias
negativas sobre seu ato atingiram milhares de eleitores. A violência, em
termos de voto, é um tiro no pé.
Um
segundo aspecto que importa nestas eleições é a defesa da democracia.
Circula um manifesto redigido em São Paulo, e todos os eleitores
interessados em defender o Estado de Direito devem assiná-lo. Mas isso
não basta. O manifesto pede um estado de vigília permanente, e esse
estado, sim, pode nos unir em momentos difíceis.
Sobre
fake news, também temos responsabilidades: não deixar que prosperem.
Nos EUA já existem cursos para que as pessoas se defendam de fake news,
consultando fontes, desconfiando de interesses ocultos por trás de uma
notícia falsa.
Algo
essencial na campanha é compreender como, em muitos aspectos, o Brasil
foi devastado pela extrema direita. Cabe um esforço maior para a
reconstrução, a fim de que um programa de retomada do ciclo vital do
país seja formulado.
Felizmente,
as entrevistas com os candidatos têm sido construtivas. Não há mais
cascas de banana, apenas um esforço sério para questionar as ideias para
o país.
Há
um aspecto em que tenho insistido, sempre que posso, no diálogo com
candidatos: qual o papel da sociedade na retomada do crescimento?
No
Brasil de hoje, existe um abismo entre política e sociedade. Muito
possivelmente, esse abismo não desaparecerá. No entanto é preciso que
haja clareza sobre as possibilidades de as pessoas construírem um Brasil
melhor, a despeito até dos políticos.
No
auge da pandemia, quando Bolsonaro relutava em comprar vacinas, ficou
evidente que a própria sociedade o faria, embora as produtoras quisessem
negociar apenas com governos.
Se
as eleições forem mesmo históricas, cada gesto de um simples eleitor
terá importância. Longe estão os tempos em que falar de História
significava falar de grandes vultos, de gente que vira estátua.
Hoje,
compreendemos que os fios da História são tecidos por mãos humildes,
por discretas escolhas cotidianas que, somadas, acabam fazendo que o
país ande para a frente.
Tomamos um banho de atraso, preconceito e truculência. Hora de sacudir a poeira e dar a volta por cima.
Não
estaremos tão atarefados quanto os candidatos. Mas, como eleitores, há o
que fazer nesta campanha. Um dos pontos que nunca é demais lembrar:
nunca se esqueçam das eleições para o Congresso, apesar do pouco
destaque na imprensa.
Um Parlamento melhor, ainda que apenas um pouco melhor, já representa recuperar um dos importantes sinais vitais da democracia.
Como estamos no início da campanha, há ainda muito o que escrever sobre ela.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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