Assim como tem que falar “todas e todos” para não ser machista, tem que escurecer ou esclarecer para não ser racista. Bruna Frascolla para a Gazeta do Povo:
No dia do lançamento da chapa Lula/Alckmin, a
apresentadora disse: “Quero fazer um escurecimento ou esclarecimento.
Como nós respeitamos as leis, a legislação e as instituições, é
importante avisar e deixar em claro, ou escuro, que hoje nós não estamos
lançando candidaturas. Nós estamos lançando, sim, um movimento, o
movimento ‘Vamos juntos pelo Brasil’! […] Eu tou aqui para dizer que
vamos juntas, vamos juntos, vamos todas e todos em busca da felicidade.
[…] O que nos une é a empatia! O que nos une é o amor! O que nos une […]
é garantir que todas, todos e todes brasileiros tenham direitos”. Vocês
podem ver (ou não ver, se forem cegos, cegas e cegues) aqui.
Eu
devo confessar que não fiquei muito surpresa, porque vi a expressão
“nota de escurecimento” anos atrás, na boca (ou teclado) de gente de
federal. No começo, dava para alegar licença poética, porque era coisa
de gente de Literatura. Mas vocês sabem como é: no começo é uma licença
poética, depois se torna etiqueta, depois aparece alguma norma, e no fim
o cidadão é execrado em praça pública ou até preso se padecer de falta
de licença poética. Botem no Google “nota de escurecimento” e vocês vão
ver o que acabei de descrever: tem aqueles trocadalhos do carilho que
acadêmico progressista acha super profundo e chama de poesia, mas o
primeiro resultado que aparece é uma “nota de esclarecimento e/ou escurecimento” da UFRB de 2013,
e não muito abaixo aparece a nota de escurecimento de um militante que
acabara de sair da Secretaria de Igualdade Racial de Curitiba.
Ou
seja, assim como tem que falar “todas e todos” para não ser machista,
tem que escurecer ou esclarecer para não ser racista. É claro que em
situações normais isso daria um esquete de humor. Se a distinta
comunidade lusa e o IBAMA não objetassem, o esquete mostraria o Manoel, o
Joaquim e um papagaio boca suja tentando aderir ao politicamente
correto. Porque dizer que pretos não gostam de receber esclarecimentos
por serem pretos parece coisa saída de piada de português. Dessa lógica,
infere-se que negro apaga a luz quando quer encontrar alguma coisa.
Bom, talvez os militantes do movimento negro acreditem mesmo nesse tipo
de coisa. Não vou ofendê-los se disser que estão longe de serem
brilhantes.
Não pensam, são paus mandados
Mas
não é piada, e eu sei que, se eu fosse alguém respeitável nesse meio,
poderia espalhar por aí que o uso da palavra “orientação” deve ser
banida, pois é apologia do Império Japonês. Contaria então que este foi
aliado da Alemanha Nazista e da Itália Fascista. Para se afastar do
Eixo, é necessário falar “sulamericação” ou “africação” em vez de
"orientação". “Ocidentação”, não, que é racista. A parte mais jovem da
minha fina audiência ficaria embasbacada com minha cultura, pois ouviria
pela primeira vez que o Japão era aliado de Hitler. Mas se eu, sendo
eu, dissesse depois que “orientar” é palavra muito mais velha do que a
II Guerra, isso só pode significar que sou uma pessoa perigosa, pois
contesto os dogmas das pessoas boazinhas.
A
experiência de começar a repetir por aí é tão boa quanto a de fazer
papers à Sokal. Vejam o que dizia Chesterton em 1920. Ele comentava que é
uma parte importante da educação mandar a criança para o cantinho,
embora não existissem manuais explicando como se deve fazer isso. Na
verdade, do jeito que a burocracia progressista se imiscuía na vida
privada, em breve surgiria uma norma sobre o ângulo adequado do
cantinho, ou talvez quisessem banir a prática alegando que ela pode
causar estrabismo. Ele mesmo poderia contribuir para essa crença assim:
“tenho certeza de que se eu repetisse ao acaso e em um número
significativo de rodas de bate-papo, em pouquíssimo tempo isso se
tornaria um dogma universalmente aceito da ciência popular. Pois o mundo
moderno não aceita nenhum dogma que se apoie em algum tipo de
autoridade, mas aceita qualquer dogma que não se funde em autoridade
nenhuma” (A superstição do divórcio, p. 50). O exemplo mais gritante
disso, ao meu ver, é a história fantasiosa de que “criado mudo” é uma
expressão racista advinda do costume de deixar um escravo negro plantado
à beira da cama de bico fechado. Não existe nenhum acadêmico que
reivindique a descoberta dessa etimologia e tenha escrito um paper
apontando suas fontes históricas. Ainda assim, a “primeira agência de
fact-checking do Brasil” achou que devia alertar a plebe para o racismo
contido nessa expressão. Ela fez uma semi-errata dizendo que a
historinha era falsa, mas que não pode usar o termo mesmo assim.
Basta alguém "empático" repetir, repetir e repetir, e qualquer lorota vira communis opinio. A lorota do criado mudo foi parar até em livro didático.
Em áreas menos dependentes de documentação que a etimologia, cientistas
enviesados podem fazem experimentos e dar um jeito de confirmar a
lorota da vez. Selecionando bem a amostragem, dá para concluir qualquer
coisa. Como as pessoas que pensam diferente estão fora da academia,
ninguém fará experimentos rivais.
Problema generalizado
A
mania cientificista caminha de mãos dadas com o aumento do poder da
burocracia, e à medida que esta vai ficando cada vez mais poderosa, as
pessoas vão se importando cada vez menos com o raciocínio, já que a
burocracia entrega a Verdade pronta. Por isso agem como cães amestrados,
como bestas irracionais, julgando-se altamente científicas. Afinal,
abanam o rabo e dão patinha para os prepostos da Ciência. No Ocidente, a
praga só tem crescido e não tem coloração política definida. O nome que
talvez melhor descreva este modelo de dominação talvez seja globalismo,
no qual uma plutocracia anônima e apátrida aparelha os Estados
nacionais do mundo e impõe sua ideologia progressista às populações
governadas. Em vez de tanques e bombas, usam ONGs e judicialização. Seu
alvo predileto dentro do Estado é o Judiciário, que pode fazer coisas
tão extravagantes quanto inferir que o direito à privacidade implica o
direito a abortar quando der na telha. Embora o globalismo
não seja muito conhecido do cidadão comum, suas pautas são facilmente
reconhecíveis como politicamente correto, ambientalismo à Greta Thumberg
e epidemiologia à Átila Iamarino. A direita, sobretudo olavete,
popularizou o alerta contra Agenda 2030 da ONU. Mas ainda se fala pouco
de seu lado privado, que é o ESG: um mecanismo para tirar da bolsa e deixar sem crédito todas as empresas que não sigam a cartilha lacradora.
No
Brasil, quem é um ativista do ESG é Sérgio Moro. Por ora, é difícil
imaginá-lo dando um escurecimento a todes, embora já o tenhamos visto concordando com a criminalização tácita e antidemocrática do machismo.
Cá
no Brasil, a esquerda pós-Lava Jato é pródiga em dar exemplos cômicos
de politicamente correto. Mas este não é um problema específico do PT; é
coisa de qualquer um que possa ser tratado como bom-moço pela imprensa
comum.
Democracia como superstição
Os
cães amestrados gostam de democracia; afinal, seus mestres os
adestraram para isto. A um grito de “democracia”, os cães ficam pimpões
sobre duas patas. Então consigo imaginar num futuro próximo um
autodeclarado liberal brasileiro, muito amestrado, escrevendo algo assim
para posar de virtuoso em rede social: “Estou chocade com as denúncias
da Anistia Internacional sobre as violações de direitos humanes no
Azerbaijão. O criminoso genocida, machista, Ilham Aliyev, negou às
mulheres o direito de (re)existir. Todos os dias mais de mil mulheres se
matam no Azerbaijão por falta de injeções de estrogênio e cirurgias
afirmativas de gênero”. Na verdade, o presidente Aliyev apenas tinha se
recusado a dar mudança de sexo grátis, e nisso ganhara simpatia de todos
os radicais de extrema-direita no Ocidente. Assim, seria bonito
condenar Aliyev e manifestar o apoio às tropas ocidentais levadas ao
local para defender a democracia e os direitos humanos.
No
que depender do cão amestrado, nossas leis serão alteradas na mão
grande para botar na cadeia quem quer que viole o politicamente correto.
Do jeito que as regras se multiplicam, vai ser crime o cidadão comum
abrir o bico, já que não tem como se inteirar dos escurecimentos todos.
Nossos partidos, que já não podem captar recursos de empresas, nem
colocar candidatos do sexo e cor que quiserem, terão cada vez menos
autonomia. Ao mesmo tempo, movimentos obscuros como o Acredito e o
Renova BR podem fazer o que quiser na nossa política partidária, sem
prestar contas a ninguém. Fala-se até em "Bancada Lemann", mas não tem problema porque é um bom-moço empresário.
Se
o Brasil mantiver certas formalidades, como eleição e divisão dos
poderes, e tiver apoio da mídia ocidental, está tudo bem! Mais
importante que a correspondência entre a vontade do povo e o chefe da
nação é o cumprimento de formalidades. Está tudo bem se o cidadão não
tiver liberdade para dizer que mulheres têm vagina. O importante mesmo é
que ele pode votar nos candidatos aprovados pelo TSE.
É
hora de começarmos a falar em superstição democrática. Porque
democracia não é uma série de formalidades, nem é um fim em si mesma. É
um meio de preservar a liberdade. Pelo andar da carruagem, mais vale
procurar liberdades numa monarquia absolutista do que nas ex-democracias
do século XXI.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
Nenhum comentário:
Postar um comentário