A burguesia de esquerda age como se carregasse nas costas todo o peso do mundo, mas a sua cruz é de isopor. Luciano Trigo para a Gazeta do Povo:
Um
dos traços distintivos do nosso tempo é o fenômeno da “burguesia de
esquerda”. Essa burguesia foi convencida a acreditar (ou finge acreditar
por cinismo) que é portadora de uma dívida histórica infinita, mas com
uma vantagem: ela pode pagar essa dívida alegremente, em prestações a
perder de vista. Basta replicar diariamente slogans lacradores e postar
textões nas redes sociais apontando o dedo, difamando, perseguindo e
esfolando quem discordar da agenda progressista.
A
burguesia de esquerda age como se carregasse nas costas o peso do
mundo, como os ombros do poema de Drummond, mas na verdade a sua cruz é
de isopor: ela não precisa gastar um centavo, nem ajudar de verdade os
pobres e as minorias, nem fazer qualquer esforço real para reduzir as
desigualdades sociais. É suficiente lacrar todos os dias e se declarar
de esquerda, o lado certo, o lado do bem.
Na
verdade, ela não precisa nem se levantar do sofá: dá para praticar o
ódio do bem pelo celular até no intervalo do Big Brother. A
contrapartida ao pagamento diário desse carnê é um certificado de
superioridade moral assinado por um ator de telenovela, uma bilionária
de esquerda, um cantor de funk e uma youtuber-blogueirinha-digital
influencer – pois são estes os personagens que a mídia vende como as
referências éticas da nossa época.
Esse
certificado de superioridade moral garante à burguesia de esquerda ser
deixada em paz para continuar a usufruir de todos os seus privilégios
sem culpa: viagens ao exterior, gastos exorbitantes em shopping centers,
jantares em restaurantes caros frequentados pelos happy few, roupas de
grife, festas abastecidas da droga da moda. Acham natural e bonito e até
defender a censura, desde que aplicada aos adversários. Nunca pisaram
numa favela, mas odeiam a polícia e fecham os olhos para os
traficantes/bandidos vítimas da sociedade: sua relação com os pobres que
ela afirma defender é abstrata.
É
um fenômeno que mereceria um estudo aprofundado, este da burguesia de
esquerda: uma burguesia cuja situação de classe não coincide com sua
consciência de classe – porque sua consciência de classe é uma má
consciência de classe. Essa burguesia é em tudo burguesa– menos no
discurso, radicalmente hostil à “elite branca” que ela própria integra.
Essa
esquizofrenia de classe ajuda a entender por que, por exemplo, na
eleição municipal do Rio de Janeiro em 2016, o candidato do PSOL foi
maioria apenas nos bairros ricos da Zona Sul carioca (e somente aí),
povoados por uma juventude que aprendeu, nas salas de aula da Escola com
Partido, a odiar a elite à qual pertence, mas na qual não se enxerga
nem se reconhece. A periferia em peso votou no candidato evangélico.
Muita burrice e ingratidão.
Mas
cuidado, leitor: mesmo sendo pobre ou pertencendo a alguma minoria, se
você criticar a burguesia de esquerda será execrado e condenado ao
desterro simbólico, à morte social diante de pelotões de fuzilamento
moral montados às pressas pela “galera do bem” em grupos de WhatsApp.
Tempos sombrios.
Voltando
à análise do mapeamento das estratégias de perversão da democracia
realizado por Noam Chomsky, tema deste e deste artigo, encerro
comentando a última, a estratégia do monitoramento:
7 - Monitoramento:
“Por
meio do uso de técnicas de pesquisa de opinião, mineração de dados em
redes sociais e também dos avanços nas áreas de psicologia e
neurobiologia, os donos do poder tem conseguido conhecer melhor o
comportamento do indivíduo comum muito mais do que ele mesmo. A
monitoração deste comportamento além de alimentar os dados que
aperfeiçoam seu modelo psicossocial, oferecem informações que facilitam o
controle e a manipulação da opinião pública.”
Até
a campanha eleitoral de 2018, as redes sociais eram ocupadas de forma
hegemônica e predatória pela esquerda: durante mais de uma década, um
exército de militantes virtuais (conhecidos como MAVs), remunerados ou
não, se dedicou com afinco a espalhar nas redes sociais posts elogiosos
(nem sempre verdadeiros) sobre o Governo e seus aliados e posts
agressivos (geralmente falsos) sobre a oposição. Além disso, invadiam
sem nenhuma cerimônia o espaço de comentários de qualquer postagem ou
reportagem crítica ao governo, colando textões que desqualificavam o
autor do post original.
Isso
mudou bastante, é claro: em 2018 a esquerda perdeu de vez o monopólio
das redes sociais – como já tinha perdido o monopólio das ruas, a partir
dos protestos de junho de 2013. Mas, curiosamente, durante o longo
período em que as redes eram monopolizadas pela esquerda, não se teve
notícia de uma iniciativa sequer do Poder Judiciário para interferir no
ativismo digital, nem muito menos para criminalizar a militância
virtual. Antes era liberdade de expressão. Hoje é crime que dá cadeia.
A
lista de Chomsky poderia ser complementada com muitas outras
estratégias – que serão tema, quiçá, de um artigo futuro: a estratégia
da auto-vitimização; a estratégia da auto-vangloriação; a estratégia da
campanha eleitoral permanente; a estratégia da “moral total flex”; a
estratégia do shaming; a estratégia da difamação, do cancelamento e do
assassinato de reputações; a estratégia de atribuir ao adversário as
próprias condutas; a estratégia de afirmar como verdade óbvia uma
opinião; a estratégia das agressões e ofensas diretas. Etc etc etc.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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