É papel do presidente da República estimular manifestações e ameaças contra a democracia? Obviamente, não. É papel do Supremo abrir inquéritos desse tipo, nos quais ele investiga, processa e julga? Evidentemente, não. Mário Sabino via Crusoé:
Enquanto
a patuleia petista festeja a condenação de Daniel Silveira (foto) pelo
STF a espantosos 8 anos e 9 meses de prisão, a malta bolsonarista
comemora a reação do seu chefão, com a concessão prematura de indulto ao
deputado, que o chefão deles tirou do bolso. No meio do tiroteio, a
imprensa já começa a perceber — e tendo a crer que fui o primeiro a
dizer isso — que o presidente da República está jogando certo para a
torcida do ponto de vista eleitoral (não estou aprovando moralmente,
fique claro). Ao confrontar o Supremo, Jair Bolsonaro passa a imagem de
defensor intransigente da liberdade de expressão, embora as ameaças de
Daniel Silveira, um desclassificado de todos os pontos de vista, não
tenham nada a ver com esse que é um dos sustentáculos da democracia.
O
fato incontornável é que o Supremo está agindo politicamente faz tempo,
desde 2019, quando o ministro Dias Toffoli abriu de ofício aquele
inquérito do fim do mundo, para apurar a produção fake news contra a
corte, e entregou a sua condução ao ministro Alexandre de Moraes. Foi no
âmbito desse inquérito, que continua aberto, que a Crusoé se viu
censurada por ter publicado notícia verdadeira a respeito de Dias
Toffoli. Não bastasse o inquérito do fim do mundo, o STF abriu um
segundo, formalmente a pedido da PGR, sobre os atos antidemocráticos de
2020, para apurar aquele carnaval macabro encenado por bolsonaristas
contra as instituições. Como os procuradores nada encontraram que
pudesse ser relacionado diretamente a autoridades com foro privilegiado,
a peça foi arquivada no ano passado. Alexandre de Moraes, que comanda o
espetáculo todo, então abriu outro processo, para apurar organizações
criminosas, as chamadas milícias digitais. Foi nesse último processo que
Daniel Silveira foi condenado.
É
papel do presidente da República estimular manifestações e ameaças
contra a democracia? Obviamente, não. É papel do Supremo abrir
inquéritos desse tipo, nos quais ele investiga, processa e julga?
Evidentemente, não. No meio dessa barafunda, contudo, a questão que
gostaria de colocar é outra: onde está o Poder Legislativo? Deveria ser
iniciativa de deputados e senadores partir para cima de quem incita à
violência contra as instituições, por meio dos instrumentos largos de
que dispõe, e convocar a PGR a agir. Mas a única iniciativa nesse
sentido, a CPI das Fake News, aberta em 2019, perdeu o foco, ao abrir o
leque das investigações (quem investiga muita coisa não investiga nada),
e está paralisada desde o início da pandemia. Agora, com a condenação
de Daniel Silveira, o parlamento vê um dos seus ser punido pelo
Judiciário, inclusive com uma prisão em flagrante que não era flagrante,
transformada em preventiva que não poderia ter sido decretada.
O
vácuo deixado por deputados e senadores, cuja preocupação institucional
é nenhuma, substituída que foi pelo fisiologismo, pela cretinice
ideológica e pelo oportunismo eleitoreiro, acabou ocupado pela mais alta
instância do Judiciário, que também passou a ser acionada por
parlamentares perdedores no plenário como se fosse uma terceira casa
legislativa. Quem extrai vantagem eleitoral desse embaralhamento é Jair
Bolsonaro, ao bancar o presidente destituído das suas atribuições e
defensor de liberdades.
Precisamos de um Poder Legislativo urgentemente, mas talvez isso só interesse aos cidadãos.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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