O Brasil é um país mais jovem e mais quente do que a Itália. Verdade
para as duas afirmações. Mas isso é o suficiente para assegurar que os
brasileiros estão protegidos de um desastre? Diego Schelp para a Gazeta do Povo:
São as imagens mais fortes da pandemia do novo coronavírus até agora,
divulgadas na sexta-feira (27) pelo jornal americano New York Times. A
reportagem, com o título "Nós carregamos os mortos de manhã até de
noite", mostra o colapso no sistema de saúde na cidade de Bergamo, na
Itália, a mais afetada pela Covid-19, com mais de 1.300 mortes e
contando. Macas enfileiradas em corredores dos hospitais, doentes sendo
socorridos em casa por funcionários com equipamentos de proteção
individual (EPIs, em falta nas unidades públicas de saúde brasileiras)
dignos de filmes de guerra biológica e crianças se despedindo à
distância — talvez para sempre — de pais sendo levados para dentro de
ambulâncias.
A Itália segue tendo recordes diários de mortes pela Covid-19 e,
assim como a Espanha, já superou a China, onde o surto viral começou, em
números absolutos. Não que se possa acreditar nos dados que o governo
chinês tem divulgado. Há relatos vindos da imprensa em Hong Kong, mais
livre do que na China continental, de que Pequim está escondendo pelo
menos um terço dos novos casos.
Ora, mas o Brasil é um país mais jovem e mais quente do que a Itália.
Verdade para as duas afirmações. Mas isso é o suficiente para assegurar
que os brasileiros estão protegidos de um desastre, de cenas espantosas
como as que podem ser vistas na reportagem acima citada?
O cientista americano Dennis Carroll, que nos últimos quinze anos
comandou o Programa de Ameaças de Doenças Infecciosas da Agência de
Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (USAID), disse-me que
há dois fatores a serem levados em conta em relação ao argumento
climático ("moro num país tropical") e ao demográfico ("somos tão
jovens").
O primeiro é que ninguém sabe, ainda, se o coronavírus terá um
comportamento sazonal, ou seja, se vai dar uma trégua conforme as
temperaturas aumentam no hemisfério norte, para voltar apenas no início
do inverno.
O segundo é que, apesar de jovem, o Brasil tem uma grande população
e, se nossos idosos forem contaminados, isso seria o suficiente para
esgotar os recursos e as capacidades do nosso sistema de saúde.
O que se pode concluir a partir das ponderações feitas por Carroll? Quantas vidas vamos perder para o coronavírus?
Na questão climática, além da incerteza sobre se as temperaturas mais
elevadas são mesmo uma barreira para o vírus, há de se considerar que o
Brasil está justamente entrando em uma estação mais fria.
Segundo uma análise do Instituto de Tecnologia de Massachusetts
(MIT), nos Estados Unidos, a maioria das infecções do coronavírus até
agora ocorreu em regiões do mundo com temperaturas entre 3°C e 17°C. Em
São Paulo, por exemplo, a média climatológica começa a entrar nessa
faixa em maio e ali permanece até agosto. Como o vírus vai se comportar
no outono brasileiro? Não se sabe.
Quanto à questão demográfica, ainda que apenas os mais velhos
tivessem a vida ameaçada pelo Covid-19 (o que não é verdade, como mostra
o levantamento divulgado pelo Ministério da Saúde na sexta-feira, 27,
segundo o qual 11% dos mortos têm 60 anos ou menos), é preciso lembrar
que o Brasil tem uma população de idosos significativa.
Segundo estimativa do IBGE, perto de 10% dos brasileiros têm 65 anos ou mais. Isso representa algo como 20 milhões de pessoas.
Segundo a revista britânica The Economist, estima-se que o
coronavírus pode infectar, nos próximos meses, entre 25% e 80% da
população dos países emergentes ao sul da linha do Equador.
Com base nessas estimativas, na hipótese mais conservadora — se
temperaturas mais altas retardarem a disseminação do vírus, se apenas os
idosos se contaminarem e se a infecção só atingir 25% deles — a
Covid-19 atingiria 5 milhões de brasileiros.
Quantos desses 5 milhões perderiam a vida é difícil de projetar
porque a taxa de letalidade do vírus verificada no Brasil pode estar
distorcida por falta de diagnóstico. (A orientação no estado de São
Paulo, por exemplo, é a de fazer o teste apenas em pacientes em estado
grave ou que morreram.) Mas, levando-se em conta a taxa de letalidade da
Covid-19 na China, nos primeiros meses de epidemia, que foi de cerca de
3%, isso significaria que 150.000 brasileiros poderiam morrer —
lembrando que estamos falando aqui apenas de idosos, sem considerar os
riscos para outras faixas etárias.
Essa é uma estimativa conservadora no caso de que nada fosse feito —
nenhuma medida de isolamento social, por exemplo. Um estudo recente do
Imperial College de Londres é menos otimista: projeta 1,15 milhão de
mortos pela Covid-19 no Brasil, se nada for feito. O mesmo trabalho
estima que 44.000 brasileiros perderiam a vida por causa da doença em um
cenário em que medidas drásticas de restrição fossem tomadas.
Pode-se, também, citar um estudo da Universidade de Oxford, no Reino
Unido, que projetou em 478.000 o número de mortos pela Covid-19 no
Brasil, em um cenário em que 40% da população se visse infectada pelo
vírus. O estudo levou em consideração as características etárias da
população brasileira e fatores como a estrutura do nosso sistema de
saúde.
É bem possível que outros vetores façam com que o número não chegue
nem perto disso. Mas e se forem 10% ou mesmo 1% do que os pesquisadores
projetaram: 47.800 mortos? 4.780 mortos? O Brasil não pode parar para
salvar essas vidas?
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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