Ao contrário do que pensa o autoritarismo vigente em certas
instituições, não existe meia liberdade de expressão: ou você tem
liberdade de falar ou não. Artigo dos professores Lucas Rodrigues
Azambuja e Adriano Gianturco, do Ibmec-BH, publicado pela Gazeta do Povo:
O caso da decretação de prisão contra Danilo Gentili em razão de uma
ação movida pela deputada Maria do Rosário é um caso extremo, porém
representativo da frágil situação que a liberdade de expressão e outros
direitos têm no Brasil.
O Brasil aparece como “parcialmente livre” nos rankings de liberdade
de imprensa e liberdade na internet da Freedom House, sendo um dos
países mais perigosos para se exercer o jornalismo. A Freedom House
ainda afirma que a principal forma de censura são ações judiciais, o que
é corroborado pelo Relatório de Transparência da Google que mostra que o
Brasil está entre os países que mais enviaram ordens judiciais para
retirada de conteúdo das plataformas dessa empresa. Os meios mais comuns
de cerceamento da liberdade de expressão são jurídicos através dos
chamados crimes contra honra. Nesse sentido, tal como afirma a Human
Rights Watch a respeito do caso de Gentili, “leis que estabelecem
sanções penais contra a injúria, a difamação e a calúnia são
incompatíveis com a obrigação internacional de proteger a liberdade de
expressão”.
Mas qual é a origem dessas formas de cerceamento da liberdade expressão?
A resposta passa por entender como leis e direitos são formulados e
aplicados de forma personalista em países patrimonialistas como o
Brasil. Isso quer dizer que direitos e liberdades não são considerados
como universais a todos indivíduos, mas como concessões do Estado a
serem distribuídas desigualmente entre diferentes grupos de status, e
para regular a sociedade. Por exemplo, enquanto políticos contam com
“imunidade parlamentar” para dizerem o que quiserem, o cidadão comum tem
sua liberdade de expressão restringida sob o pretexto dos crimes contra
honra. Ou como disse Voltaire: “Para saber quem controla sua vida,
simplesmente descubra quem você não tem permissão de criticar”.
Nessa lógica, a liberdade de expressão depende de quem fala, o que
fala e para quem fala. Temos até uma expressão cotidiana que reflete
essa condição: “Você sabe com quem está falando?” Ou seja, nem mesmo
fora dos meios de comunicação, a liberdade de expressão pode ser
exercida por todos de forma igual, por exemplo, o caso de uma agente de
trânsito que, numa blitz em 2011, rebocando um carro sem documentos e
placa, o proprietário se identificou como juiz e a agente, interpretando
isso como uma “carteirada”, disse “é juiz, mas não Deus”, por causa
disso ela foi condenada por crime de abuso de poder e ofensa contra o
juiz. Ou, então, o advogado que foi parar na delegacia, após criticar um
ministro do STF durante um voo. Casos como estes não são raros e
mostram como a liberdade de expressão depende de “quem é você” na
hierarquia do poder na sociedade. As leis de injúria, difamação e
calúnia nesse contexto existem exatamente para garantir que a liberdade
de expressão seja uma concessão desigualmente concedida pelos “donos do
poder”.
A pergunta que fica é: será mesmo que Danilo Gentili teria sido
condenado se tivesse protestado e criticado outra pessoa que não uma
deputada? Acho que todos sabemos a resposta para essa pergunta.
Não existe meia liberdade de expressão, ou você tem liberdade de
falar ou não tem. A liberdade de expressão inclui dizer qualquer coisa
para qualquer pessoa, incluso criticar e debochar de qualquer coisa a
respeito de qualquer pessoa. Na verdade, ela existe exatamente para
poder dizer coisas incomodas. Ou seja, todos têm o mesmo direito:
provocador e provocado; debochador e debochado; caluniador e caluniado;
ofensor e ofendido; governante e governado; maioria e minorias. O
direito de liberdade de expressão deve ser um limite ao poder dos
governantes, nunca um limite aos governados. J. S. Mill já mostrou que a
liberdade de expressão é extremamente útil para poder discernir entre
bons argumentos e argumentos ruins. Existem opiniões e falas incômodas e
ofensivas mesmo, mas como já escreveu Lysander Spooner,“vícios não são
crime”.
Lucas Rodrigues Azambuja, sociólogo
e professor no IBMEC BH. Adriano Gianturco, coordenador do curso de
Relações Internacionais no IBMEC BH.
BLOG ORLANDO TAMBOSI
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