“Somos
feitos das experiências que vivenciamos ao longo da vida. (...) Tem um
quê de sabores inusitados, de mística, de criação e o toque único da
mixologia: a arte de criar sabores a partir de uma mistura alcoólica, de
cores, texturas e gostos que tornam cada receita única. Nossas memórias
e sensações podem, no meu ponto de vista, ser traduzidas em um gole,
uma textura ou um aroma.”
Stephanie Marinkovic bartender e mixologista que inspirou a história, no texto de orelha do livro
Estela
é uma bartender talentosa que faz drinques capazes de oferecer
exatamente o que o cliente precisa no momento. Mas esse excesso de
empatia cobra um alto preço para a garota, que é sensível como ninguém
às emoções alheias. Essa é a premissa de “Cobaia 09” (Caravana Grupo Editorial, 200 pág.), romance de Alexandre Cavalo Dias.
Sete em cada dez pessoas com depressão ou ansiedade são mulheres, de acordo com pesquisa do Think Olga,
organização não-governamental de inovação social. Esse universo é
transportado a “Cobaia 09” em um thriller que mistura suspense, terror e
ficção científica. Alexandre retrata a decadência da saúde mental de
uma mulher em um contexto de extrema desigualdade de gênero, a partir de
uma reflexão sobre o desaparecimento de pessoas que pode acontecer
todos os dias em uma grande cidade. O Mapa da Segurança Pública do
Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) mostrou que o Brasil
registrou, em média, 225 desaparecimentos por dia em 2023.
Escritor
e músico paulistano, Alexandre escreveu “Cobaia 09” durante as viagens
de turnês. "O primeiro tratamento do livro foi relativamente rápido”,
conta o autor, que escreveu a obra à mão em um caderno e depois
reescreveu mais três vezes no computador. “O problema foi reescrever,
jogar grandes pedaços fora até deixar a história interessante.”
Alexandre conta que chegou a arquivar a história por um tempo até
encontrar um caminho para seu antagonista, “um médico sádico que
inventou uma máquina que transformava a empatia em uma droga poderosa.”
Já
sua protagonista, Estela, foi baseada em Stephanie Marinkovic, uma
bartender e mixologista premiada que fazia drinques em um bar no
tradicional bairro do Bixiga, em São Paulo. “Quando experimentei pela
primeira vez fiquei muito impressionado e logo nos tornamos amigos”,
recorda Alexandre. O autor conta que se perguntava como alguém poderia
fazer misturas tão saborosas e a ideia de uma bartender com poderes
empáticos nasceu. “O que a Ste fazia parecia mágica.” A bartender leu o
livro ainda nos primeiros capítulos e virou consultora, além de
inspiração.
Uma bartender especial
Trabalhando
no Sensitive Bar, Estela não apenas oferece drinques personalizados
para seus clientes, como desfaz simbolicamente a barreira de seu balcão
ao se envolver profundamente nos conflitos e sentimentos de quem está do
outro lado. Seja ao evitar que um conhecido tire a própria vida ou para
encantar involuntariamente uma jornalista curiosa e experiente, Estela
usa “poder”, mas não passa ilesa por ele.
A
capacidade de “absorver” os anseios e preocupações ao seu redor gera um
desgaste constante do emocional de Estela, que como boa bartender
misteriosa, teme em compartilhar muito da sua vida com outras pessoas. A
exceção a esse comportamento recluso é a amizade com Marcos, dono do
bar, que a socorre em momentos de vulnerabilidade, e a gatinha Lilith, a
Lili, companheira felina da protagonista.
Esse
ambiente de oscilação emocional é ainda mais abalado quando dois
personagens totalmente opostos cruzam o caminho da bartender. De um
lado, Cecília, uma jornalista em ascensão que é atraída ao balcão de
Estela em um momento de celebração, mas termina por se envolver
profundamente com a vida da reservada bartender.
Do
outro lado, está o principal antagonista de Estela, um médico rico e
autocentrado que, por trás de sua carreira bem-sucedida, esconde um
vazio emocional e uma incapacidade de se sensibilizar com qualquer
pessoa que não seja um caminho para alcançar seus objetivos. Mas esse
abismo sentimental não impede a ambição do médico em alimentar seus
próprios vícios. Alusão do autor aos vampiros clássicos das histórias
góticas, em “Cobaia 09” as vítimas não são acorrentadas em calabouços,
mas sim em um laboratório, versão high tech e atualizada do
castelo medieval, onde realiza um experimento macabro que o leva a
drenar emocionalmente outras pessoas.
O
encontro desses personagens leva o leitor por uma viagem pela
perversidade do patriarcado que empodera os homens a enxergar as
mulheres apenas como objetos utilitários para a satisfação de seus
desejos. O apoio na amizade de Marcos e o fortalecimento pelo amor de
Cecília serão suficientes para que Estela possa sobreviver?
Escritor e músico: conheça o autor Alexandre Cavalo Dias
Influenciado
por uma lista variada de autores que incluem John Lindqvist, Shirley
Jackson, Stephen King, Rubem Fonseca, Joe Nesbo, You-Jeong, Raphael
Montes, Peter Straub, além dos quadrinistas Neil Gaiman, Junji Ito e
Alan Moore, Alexandre sempre se interessou pela mistura entre suspense
psicológico com pitadas de terror. “Escrevo de forma bem direta, como
uma série de TV”, explica o autor que usou um narrador em terceira
pessoa para guiar o leitor na aventura da protagonista. “As cenas são
encadeadas para manter o suspense, sem desviar o leitor para passagens
sem importância para a trama final.”
Alexandre
é músico, compositor, escritor, editor e roteirista de quadrinhos.
“Escrevo desde sempre, mas profissionalmente, a partir dos anos 90
fazendo roteiros de HQs, letras de músicas e textos para revistas
pequenas”, explica. Na Abril Jovem, roteirizou histórias para as
revistas de Zé Carioca, Urtigão e Margarida. Lançou sua primeira Graphic
Novel em 2005, pela Brainstore, chamada “Noite de Caça”.
Um
dos fundadores da banda “Velhas Virgens”, Alexandre conta que começou a
escrever com foco em histórias em quadrinhos e na composição de letras
de música. Como músico, criou em 1999 a gravadora e editora Gabaju
Records, produziu e lançou 19 CDs da sua banda, 5 DVDs e algumas HQs. Em
2021 recebeu uma indicação ao Grammy Latino como melhor álbum de rock
pelo lançamento do disco “O Bar Me Chama”.
Em
“Cobaia 09”, Alexandre acredita que a força das relações é a principal
mensagem do livro: “É a importância da amizade e do amor na vida de
qualquer um. Até dos mais reclusos”. Mas também enfatiza o cuidado da
saúde mental como uma das principais reflexões de sua história. O autor
destaca como insistir na escrita é fundamental para aprender o ofício e
como trabalhos anteriores ajudaram a encarar seus personagens “Todo
livro é uma parte que arrancamos de nós mesmos. Muitas vezes à força.
Esse não é diferente”, analisa. “Ficar tão próximo de dois personagens
tão antagônicos me fez refletir sobre o meu papel de homem daqui pra
frente.”
Confira um trecho do livro:
“Estela
fazia malabarismos com os inúmeros ingredientes e garrafas, organizados
no balcão do bar e nas prateleiras ao fundo. Destreza de quem
desenvolveu paladar e olfato apurados. Concebia e misturava elementos
variados para criar sabores inebriantes. A habilidade cativava os
clientes como o público em um show. Para além dos truques, o que fazia
diferença era a mágica da artista. Estela olhava dentro dos olhos da
pessoa e sua intuição fervilhava: enxergava anseios, medos e desejos.
Podia-se sentir o calor brotando do seu corpo, um brilho invisível.
Estela ficava quase etérea, espectral, então respirava fundo e fazia a
bebida perfeita. Quem provava a delícia líquida sentia emoções distintas
e únicas. Era o reconhecimento de lembranças, sentimentos ou mesmo
histórias esquecidas em algum ponto do inconsciente. Toda taça vinha
carregada de sensações fortes e pessoais. Se o Sensitive Bar tinha uma
alma, era a bartender Estela.”
Adquira “Cobaia 09” pelo site da Caravana Grupo Editorial:
https://caravanagrupoeditorial.com.br/produto/cobaia-09/
Nenhum comentário:
Postar um comentário