Por Wanderley Carneiro
Nas
últimas décadas, sobretudo na atual, as queimadas pelo mundo têm
ganhado notoriedade e muitas vezes seus impactos são alarmantes. É fácil
lembrar os grandes incêndios divulgados nos meios de comunicação,
ocorridos na Califórnia em 2020, Portugal em 2017 e Grécia em 2007, só
para citar alguns que ganharam destaques em outros continentes.
No
Brasil, os dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) de
2024, mostram que esse fenômeno não é novo e que seu comportamento tem
oscilado ao longo dos anos. Essa oscilação é explicada principalmente
por períodos nos quais houve maior fiscalização e as políticas
ambientais foram mais rigorosas, sobretudo após a implantação do Plano
de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDAm), criado em 2004, que fortaleceu a fiscalização ambiental,
aumentou as áreas protegidas e incentivou práticas sustentáveis.
Apesar
disso, nos últimos anos, as notícias sobre queimadas tiveram uma maior
amplitude, em consequência de portais e redes sociais. Contudo, embora
parte das autoridades se esforce e a população esteja mais
sensibilizada, a perspectiva ainda não é boa.
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Esse
cenário ruim se justifica porque as previsões climáticas, feitas há
décadas, estão sendo confirmadas, seja pelo efeito do aquecimento global
que tem tornado muitas regiões mais secas em determinados períodos do
ano, ou pela forma predatória com que o meio ambiente vem sendo tratado,
especialmente em áreas de fronteiras agrícolas de países onde o nível
de controle é frágil e a punição aos crimes ambientais pode não ocorrer.
Ao
que tudo indica, não estamos sendo eficientes para lidar com essas
externalidades que destroem o recurso mais valioso que a humanidade
possui para sua sobrevivência.
Prova
disso é o que ocorre em ecossistemas como o Pantanal, localizado em MT e
MS, onde, em 2020, cerca de 30% de sua área foi totalmente devastada.
Isso corresponde a 4,5 milhões de hectares, segundo o INPE. Para que
você tenha uma ideia, considerando que um hectare tem 10.000 m2 e um
campo de futebol padrão FIFA tem em torno de 7.140 m2, ou seja, 0,714
hectares, podemos dizer que a área queimada foi equivalente a 5,9
milhões de campos de futebol. Nessa tragédia toda, milhares de animais
foram mortos e a vida de muitas pessoas foi drasticamente afetada.
Agora,
em 2024, quatro anos depois, novamente se constata queimadas
descontroladas por todo o Brasil, inclusive em regiões como o Pantanal,
Amazônia e em outras onde se pratica agricultura de alto nível
tecnológico, como é o caso do interior do estado de SP.
O
estado de São Paulo viveu momentos difíceis em setembro de 2024, pois
as queimadas tornaram o céu cinzento e a qualidade do ar ruim para a
população. Nesse período, segundo a agência Suíça QAir, os níveis de
poluição do ar em São Paulo a tornaram a grande cidade mais poluída do
mundo. Ao que tudo indica, esse cenário só irá melhorar quando o período
das chuvas chegar, o que, com sorte, ocorrerá em meados de outubro.
De
todo modo, o objetivo deste texto é mostrar, a partir de uma linguagem
mais simples, como as queimadas contribuem para a degradação do solo,
recurso fundamental para o agronegócio, para o meio ambiente e para os
seres humanos.
Mas de onde vem o fogo das queimadas que degradam o meio ambiente? Essa é uma pergunta comum, contudo, poucos conseguem dar uma resposta convincente. Isso porque esse tipo de fogo pode ter várias origens, tais como:
- Origem criminosa: alguém ateia fogo em locais secos de forma intencional para causar danos. Isso é classificado como ato criminoso, previsto em lei no artigo 261 do Código Penal e descrito na Lei de Crimes Ambientais (LEI nº9.605/98). Um exemplo disso é a prática de soltar balões, ato que pode causar queimadas quando esses objetos caem em áreas rurais, florestais e urbanas, provocando até a morte de pessoas;
- Negligência: ocorre por falta de conscientização. Por exemplo: jogar bitucas de cigarro em beiras de estradas, manuseio incorreto de produto inflamáveis, dentre outros;
- Combustão espontânea: pode ocorrer em ambientes muito quentes e secos. Apesar de ser um fenômeno incomum, acontece;
- Queimadas controladas que escapam ao controle: Essa é uma prática comum em zonas agrícolas.
Independentemente de sua origem, o fogo das queimadas é quase sempre trágico.
A
prática das queimadas controladas é empregada para limpar áreas de
vegetação densa, preparar terrenos para o cultivo e controlar pragas e
ervas daninhas. Esse método ganhou popularidade por ser eficaz e de
baixo custo para essas finalidades. Ademais, no curtíssimo prazo pode
melhorar a fertilidade do solo, porque alguns nutrientes que estavam na
estrutura da planta viram cinzas e vão para o solo, aumentando
momentaneamente sua fertilidade. Tal prática ainda é usada por alguns
agricultores em determinas regiões.
Entretanto,
no longo prazo, se tal prática for feita repetidamente, ocorrerá uma
severa degradação ambiental, principalmente do solo. Ademais, as cinzas
que ficam no solo podem ser carreadas para mananciais de água, e a
fumaça poluirá o ar. Ambos os efeitos são prejudiciais ao homem.
Os
produtores primários do agronegócio, em qualquer lugar do mundo, sabem
que o solo e a água são vitais para o sucesso produtivo. No caso do
solo, as queimadas podem degradar suas características físicas, químicas
e biológicas, tornando-o sem estrutura, com baixa capacidade de reter
água e, por consequência, um recurso inadequado ao crescimento das
plantas e um habitat inóspito aos microrganismos que nele vivem.
Empobrecimento químico e físico do solo pelas queimadas
O
solo é formado por pequenas partículas minerais conhecidas como areia,
silte e argila. Também faz parte da sua composição a matéria orgânica, o
ar e a água. As quantidades e diversidades desses elementos, bem como a
forma com a qual se organizam, determinarão o tipo de solo, o seu grau
de fertilidade, a estrutura física, a atividade microbiológica e,
consequentemente, a sua capacidade de sustentar o desenvolvimento das
plantas.
Os elementos químicos que
são usados pelas plantas, como Ca, K, Mg e NH4, são retidos nas
partículas do solo, especialmente nas argilas e matéria orgânica, pelo
efeito da Capacidade de Troca Catiônica – CTC, enquanto Mn e P são
retidos por adsorção. Esses elementos químicos são vitais para a
crescimento das plantas e seres humanos. Em outras palavras, o solo
funciona como um depósito de nutrientes, para que, com a ajuda da água
ali também retida, ofereça uma nutrição lenta e constante às plantas.
Mas
não é todo solo que tem boa capacidade de drenagem e retenção de água.
Para que a água esteja presente e disponível para o sistema radicular
das plantas, o solo deve ter boa estrutura física, e isso ocorrerá se
tiver uma quantidade adequada de macroporos para a drenagem e de
microporos para a retenção da água.
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No
deserto, as partículas de areia são soltas, não há estrutura de solo e,
consequentemente, não há água retida nem disponível. Isso é o que
impede o crescimento de plantas, exceto raras espécies que conseguem
retirar água da pouca unidade do ar presente naquele ambiente.
Um
outro elemento fundamental para a estruturação do solo é a matéria
orgânica, que se acumula em função da decomposição de animais e vegetais
ao longo dos anos. Ela, além de fornecer nutrientes, também tem a
capacidade de funcionar como uma espécie de “cimento”, que prende as
partículas de areia, silte e argila umas às outras e forma estruturas
maiores chamadas de agregados. Na figura 02, observam-se essas
estruturas.
Além disso, essa matéria
orgânica também funciona como uma espécie de “esponja”, retendo água e
disponibilizando lentamente para as plantas. E contribui fornecendo
micronutrientes, como Bo, Cu, Fe, Mn e Zn, além de servir como fonte de
carbono e energia para os microrganismos do solo.
Os
macroporos são pequenos canais por onde a água penetra no solo. É por
meio deles que a água infiltra e é drenada para as camadas mais
profundas. Já os microporos são os locais onde água fica armazenada.
Essa dinâmica físico-química é fundamental para que o solo seja
permeável e ao mesmo tempo retenha a água de que as plantas precisam.
Contudo,
fica fácil imaginar que o solo, principalmente em sua parte mais
superficial, aproximadamente os 10-15 cm superficiais, também conhecido
como horizonte A, é um elemento “vivo” e fundamental para a
sustentabilidade ambiental. Agora, imagine essa estrutura sendo afetada
por uma queimada. É o que explico brevemente a seguir.
Durante
as queimadas de áreas com grande quantidade de biomassa seca, a
temperatura na superfície do solo pode ultrapassar 1000o C, condição
suficiente para destruir completamente a vida microbiológica, queimar a
matéria orgânica dos primeiros centímetros e destruir a estrutura do
solo ou, no mínimo, comprometê-la seriamente. Ademais, parte dos
nutrientes presentes nessa camada são volatilizados pelo calor intenso e
outros se perdem na fumaça.
Então,
de imediato, há perdas microbiológicas, físicas e químicas para o solo,
além das plantas e da matéria orgânica destruídas. Não podemos nos
esquecer que muitas das espécies animais que estão presentes e não
conseguem fugir durante uma queimada são mortas.
Com
o tempo, parte do meio ambiente pode se regenerar, mas o processo de
reestruturação do solo e a recuperação dos nutrientes perdidos podem
demorar anos, a depender do que vier a acontecer futuramente naquele
local. Se novas queimadas ocorrerem naquela área e nenhuma ação humana
de recuperação for promovida, o processo de degradação ambiental será
inevitável e isso acarretará o que chamamos de desertificação, ou seja,
solos sem estrutura e com predominância de areia seca, sem vegetação e
sem vida de plantas e microrganismos fundamentais para a biologia do
solo.
Outro impacto da alta
temperatura sobre os solos é a desestruturação, fazendo com que as
partículas de areia, silte e argila fiquem soltas. Estando elas soltas,
poderão ser carregadas pelas enxurradas ou pelo vento, causando outros
processos nocivos ao meio ambiente, como erosão das áreas agricultáveis,
assoreamento de rios, morte de espécies ribeirinhas, inundações de
cidades decorrente do assoreamento dos rios, poluição das áreas urbanas e
piora das doenças respiratórias, dentre outros.
No
meio ambiente, mesmo aquelas regiões que estão mais distantes umas das
outras apresentam conexões. Quando estudamos os efeitos de uma ação
maléfica como as queimadas, percebemos que seus efeitos vão muito além
daquilo que acontece naquele local, no momento do fogo e isso foi
relatado neste texto de forma breve.
Sob
a ótica do agronegócio, o empobrecimento do solo é péssimo para a
produtividade, porque a correção é custosa e demorada e os efeitos
nocivos são grandes e diversos. Aqui, aquele ditado popular de que “é
melhor prevenir do que remediar” cabe 100%.
Finalmente,
pensando no agronegócio e no bem-estar social, a agenda ESG tem muitos
desafios pela frente. Talvez o principal deles seja o desenvolvimento de
uma consciência voltada à sustentabilidade ambiental e amparada por uma
base forte de educação ambiental. Ademais, leis ambientais rígidas e
punição exemplar aos que praticam os crimes ambientais como as queimadas
criminosas devem estar sempre presentes.
O autor: O Prof. Dr. Wanderley Carneiro éPró-Reitor de Extensão e Desenvolvimento da FECAP. É engenheiro agrônomo, especialista em manejo e conservação de solo e água.
Sobre a FECAP
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