Especialistas apontam que o enfrentamento das “policrises”, o fenômeno das crises sociais, ambientais e sanitárias sobrepostas, requer soluções integradas, gestadas com a participação da sociedade | ||||||||
São Paulo, 29 de fevereiro de 2024 – As mudanças climáticas provocam no Brasil um aumento da ocorrência de eventos extremos, como chuvas torrenciais, enchentes, secas, ondas de calor, queimadas e ciclones, e o ressurgimento e proliferação de doenças, como a atual epidemia de dengue, que potencializam os problemas sociais no país. Os eventos climáticos extremos ocasionam mortes, graves prejuízos econômicos e impactos psicológicos nas vítimas. Os mais afetados são moradores de comunidades vulneráveis, que são obrigados a conviver com problemas que se estendem por muitos meses ou até por anos, afirma a Prof. Dra. Liana Anderson, pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). “Como as mudanças climáticas aumentam a probabilidade de ocorrência de um evento extremo, trata-se não apenas de desastres mais severos, mas também de desastres severos mais frequentes, arrastando a sociedade para um empobrecimento crônico”, destaca Liana Anderson. “Um evento extremo pode destruir escolas, postos de saúde e toda a infraestrutura nas ruas. Quando isso ocorre de forma consecutiva, vai empurrando para um empobrecimento da sociedade. Tem um termo de um pesquisador que eu gosto muito, o Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, que é o empobrecimento silencioso. E ele é silencioso porque a gente acaba não contabilizando todos os danos”, enfatiza a pesquisadora, que é docente da pós-graduação em Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O conceito de policrises se aplica a um contexto de diversos eventos extremos acontecendo ao mesmo tempo, seja de natureza ambiental, política, bélica ou de saúde pública, que se sobrepõem e se retroalimentam, aponta o Prof. Dr. Leandro Luiz Giatti, doutor em Saúde Pública e pesquisador e professor associado da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP), Nos últimos anos, o mundo lidou com a pandemia de Covid-19, com diversos conflitos, como as guerras na Ucrânia e Oriente Médio, e com um número crescente de desastres naturais. No Brasil, houve grandes incêndios no Pantanal, várias enchentes, ciclones extratropicais e secas extremas, como a da Amazônia, enumera o biólogo. Liana Anderson cita a situação de populações que vivem em áreas isoladas na Amazônia, sem acesso a serviços públicos e sujeitas a vários impactos, como as secas, extremos de temperatura, garimpo, poluição da água, conflitos com madeireiros ilegais e violência do narcotráfico, sem falar na insegurança alimentar. Como lidar com as policrises? Leandro Giatti afirma que é necessário gerir as policrises de maneira articulada, que enxergue as conexões entre os problemas e que se debruce sobre as questões de uma forma transdisciplinar e em parceria com a sociedade. Em seus estudos, o biólogo incorpora elementos e metodologias das Ciências Sociais, como a pesquisa participativa. Ele acredita que sistemas socioecológicos mais diversos também podem ser mais resilientes. “Eu estudo muito as periferias vulneráveis, que não são o caos, como muitos pensam, mas sim uma usina de alternativas. As pessoas que vivem numa comunidade periférica urbana têm muitos saberes que as permitem viver em condições muito difíceis, e isso envolve colaborações, saberes e linguagens. Então eu creio que a resiliência para essas múltiplas crises tem que ser mediada pelas capacidades locais”, ressalta Leandro Giatti. “Eu trabalho nessa linha da pesquisa participativa, porque ela valoriza o saber local, ou melhor ainda, ela permite reconhecer que não há como desenhar uma solução, uma política e aplicação de uma política se você não dialogar com as pessoas. Eu valorizo sair da monocultura de ideias para os problemas complexos. Existe uma pluralidade de ideias e conexões, saberes e capacidade criativa se conectando com a nossa ciência tradicional e capacidade de gerar política pública. É isso que vai permitir que a gente tenha respostas para essas muitas crises”, aponta o biólogo. A Profa. Dra. Renata Ferraz de Toledo, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP e docente de graduação e pós-graduação da Universidade São Judas Tadeu, incorporou em seus projetos a metodologia da “pesquisa-ação”, que consiste em uma reflexão coletiva, um esforço colaborativo que incorpora na resolução de questões as populações diretamente afetadas por esses problemas. Renata Toledo se concentra em estudos qualitativos e participativos, que buscam uma aproximação entre ciência, política e sociedade, além de dialogarem com as comunidades que passam por problemas, para buscar soluções de forma conjunta. Segundo ela, os problemas relativos às mudanças climáticas e à saúde única, pela miríade de impactos possíveis sobre a população, têm que ser resolvidos com a participação da sociedade. Na busca dessas soluções integradas, Renata Toledo, assim como Leandro Giatti, se juntou ao projeto temático “Governança ambiental da macrometrópole paulista face à variabilidade climática”, da Fapesp. O projeto, coordenado pelo Prof. Pedro Roberto Jacobi, deu origem ao livro Inovação para a governança da macrometrópole paulista face à emergência climática e é um esforço em olhar para a macrometrópole paulista – que compreende a região metropolitana de São Paulo, Baixada Santista, Campinas e Sorocaba, totalizando 174 municípios onde vive 18% da população brasileira – e pensar formas inovadoras de enfrentar as mudanças climáticas de maneira integrada, já que os efeitos dessas mudanças ultrapassam as fronteiras dos municípios. “O projeto contou com mais de 100 pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento e instituições, reunidos com o objetivo de pensar soluções para as mudanças climáticas na perspectiva de integração das áreas. Pensar a governança da macrometrópole paulista a partir de políticas intersetoriais e transdisciplinares. Não podemos pensar os problemas das mudanças climáticas, que envolvem incertezas, controvérsias e tomadas de decisões urgentes, a partir de uma única área do conhecimento. O projeto envolveu pesquisadores das áreas de ciências exatas, humanas, da saúde e sociais aplicadas”, conta Renata Toledo. Liana Anderson, Leandro Giatti e Renata Toledo concederam entrevistas para a nova edição da revista O Biólogo, do Conselho Regional de Biologia da 1ª Região (CRBio-01), que aprofunda a discussão sobre as mudanças climáticas e saúde única. Leia aqui. | ||||||||
Assessoria de imprensa do CRBio-01 Diagrama Comunicações | ||||||||
Marcelo Cajueiro |
Nenhum comentário:
Postar um comentário