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Moraes deveria se declarar suspeito para o julgamento…
Mariana Muniz e Thiago Bronzatto
O Globo
Na estreia da série de entrevistas e reportagens do GLOBO sobre os ataques do 8 de Janeiro, que estão prestes a completar um ano, o ministro Alexandre de Moraes, relator das investigações sobre a investida golpista no Supremo Tribunal Federal (STF), detalha, em entrevista, os desdobramentos das apurações sobre o episódio. O magistrado, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), conta que a investigação desvendou três planos contra ele, que envolviam até homicídio.
Onde o senhor estava no dia 8 de janeiro?
Após a posse do presidente Lula, viajei com a minha
família para a Europa e estava em Paris dia 8 de janeiro. Meu filho me
mostrou imagens de pessoas invadindo o Congresso. Liguei imediatamente
para o ministro Flávio Dino (Justiça). Perguntei a ele como tinham
entrado, porque havia ocorrido uma reunião de órgãos de segurança em que
tinha ficado proibida a entrada de manifestantes na Esplanada dos
Ministérios. Num determinado momento, o presidente também falou comigo.
Ele e o Dino conversaram sobre a possibilidade de intervenção federal ou
GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Quem decidiu foi o Poder Executivo,
mas eu relembrei que no tempo do presidente (Michel) Temer, houve a
possibilidade de intervenção só na área da segurança, e talvez isso
fosse melhor.
O que o senhor fez?
O que chocava era a inação da Polícia Militar. Fui
secretário de Segurança Pública em São Paulo e ministro da Justiça.
Afirmo sem medo de errar: não precisaria de cem homens do Batalhão de
Choque para dispersar aquilo. O que precisávamos ver era qual gravidade e
a sequência. Fiquei aguardando a provocação da Polícia Federal e da
Advocacia-Geral da União (AGU) para decidir (no inquérito). Achei
importantes três decisões: as prisões do então secretário (Anderson
Torres) e do comandante geral da Polícia Militar (Fábio Augusto Vieira),
para evitar efeito dominó em outros estados. Eu me certifiquei que as
demais polícias militares estavam tranquilas, mas não podíamos arriscar.
Ao mesmo tempo, o afastamento do governador (Ibaneis Rocha), para
evitar que pudesse ocorrer algo extremista em outros estados,
eventualmente outro governador apoiar movimento golpista. E a
determinação de prisão em flagrante imediata de quem permanecesse em
frente a quartéis pedindo golpe.
O que poderia ter acontecido?
Se tivéssemos deixado mais pessoas em frente a quartéis
(no dia seguinte), poderia gerar mais violência, com mortes e distúrbios
civis no país todo. Se não houvesse a demonstração clara e inequívoca
de que o Supremo Tribunal Federal não iria admitir nenhum tipo de golpe,
afastaria qualquer governador que aderisse e prenderia os comandantes
de eventuais forças públicas que aderissem, poderíamos ter um efeito
dominó que geraria caos no país.
Havia os acampamentos nos quartéis e outros episódios de
violência, como a tentativa de atentado a bomba nos arredores do
aeroporto de Brasília. Era possível prever o que houve?
Foi um erro muito grande das autoridades deixar, durante o
ano passado, aquelas pessoas permanecerem na frente dos quartéis. Isso é
crime e agora não há mais dúvida disso. O Supremo Tribunal Federal
recebeu mais de 1.200 denúncias contra quem estava acampado pedindo
golpe militar, tortura e perseguição de adversários políticos. No dia do
segundo turno, também tivemos um problema grave com a Polícia
Rodoviária Federal (PRF), objeto de inquérito, que inclusive gerou a
prisão do ex-diretor (Silvinei Vasques). Houve a greve dos caminhões
tentando parar o país. A violência estava numa crescente. No dia da
diplomação, 12 de dezembro de 2022, houve prisões após a (tentativa de)
invasão da Polícia Federal. Como na posse não houve nada, infelizmente
as pessoas da área de segurança talvez tenham ficado mais otimistas. O
grande erro doloso foi permitir a entrada (dos golpistas) na Esplanada
dos Ministérios. O 8 de Janeiro foi o ápice do movimento: a tentativa
final de se reverter o resultado legítimo das urnas.
O que a investigação já delineou sobre o plano golpista?
Nas investigações e nos interrogatórios de vários desses
golpistas, temos que os discursos nos quartéis onde estavam acampados
diziam que deveriam vir para Brasília. De vários financiadores, (a ordem
era que) deveriam vir, invadir o Congresso e ficar até que houvesse uma
GLO para que o Exército fosse retirá-los. E, então, eles tentariam
convencer o Exército a aderir ao golpe. O que mostra o acerto em não se
decretar a GLO, porque isso poderia gerar uma confusão maior, e sim a
intervenção federal. Não que o Exército fosse aderir, pois em nenhum
momento a instituição flertou (com a ideia). Em que pese alguns dos seus
integrantes terem atuado, e todos eles estão sendo investigados.
Os executores já foram condenados, os financiadores estão
sendo denunciados e há outras linhas da apuração da participação de
militares e dos autores intelectuais. Até onde a investigação vai
chegar?
Não há limite. Todos aqueles que tiverem a responsabilidade comprovada, após o devido processo legal, serão responsabilizados.
Já se chegou a alguns financiadores, divulgadores e instigadores.
Obviamente, é possível chegar aos organizadores, inclusive
intelectuais. Em menos de um ano, já temos mais de 30 condenados pelo
plenário do Supremo Tribunal Federal. Não poderíamos deixar que aqueles
que tentaram romper com a democracia no Brasil continuassem achando que
uma eventual impunidade pudesse encorajá-los a atentar novamente.
O ex-presidente Jair Bolsonaro fez uma série de ataques
às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral. Qual é a responsabilidade
dele?
Todas as pessoas sobre as quais a Polícia Federal
encontrar indícios serão investigadas, desde os executores até eventuais
políticos. Mas isso a investigação é que vai demonstrar.
Qual foi a influência das plataformas no 8 de Janeiro?
A regulamentação das redes sociais vai ser uma bandeira
importante do Tribunal Superior Eleitoral no primeiro semestre de 2024.
Elas falharam e foram instrumentalizadas no 8 de Janeiro. Proliferaram o
discurso de ódio, antidemocrático, permitindo que as pessoas se
organizassem para a “festa da Selma”, que era o nome utilizado (para o 8
de Janeiro).
O senhor foi alvo desse discurso de ódio e se deparou na investigação com planos para prendê-lo.
Eram três planos. O primeiro previa que as Forças
Especiais (do Exército) me prenderiam em um domingo e me levariam para
Goiânia. No segundo, se livrariam do corpo no meio do caminho para
Goiânia. Aí, não seria propriamente uma prisão, mas um homicídio. E o
terceiro, de uns mais exaltados, defendia que, após o golpe, eu deveria
ser preso e enforcado na Praça dos Três Poderes. Para sentir o nível de
agressividade e ódio dessas pessoas, que não sabem diferenciar a pessoa
física da instituição. Houve uma tentativa de planejamento. Inclusive, e
há outro inquérito que investiga isso, com participação da Abin, que
monitorava os meus passos para quando houvesse necessidade de realizar
essa prisão. Tirando um exagero ou outro, era algo que eu já esperava.
Não poderia esperar de golpistas criminosos que não tivessem pretendendo
algo nesse sentido. Mantive a tranquilidade. Tenho muito processo para
perder tempo com isso. E nada disso ocorreu, então está tudo bem.
O senhor precisou reforçar a sua própria segurança?
Ela continua a mesma desde o momento em que eu assumi a
Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (em 2014). Eu já recebia
ameaças da criminalidade organizada. O esquema é o mesmo há quase nove
anos. Em relação à minha família, aumentei a segurança. Esses golpistas
são extremamente corajosos virtualmente e muito covardes pessoalmente.
Então, chegam muitas ameaças, principalmente contra minhas filhas,
porque até nisso eles são misóginos. Preferem ameaçar as meninas e
sempre com mensagens de cunho sexual. É um povo doente.
Há críticas em relação às prisões feitas no dia 8 de janeiro. São justas?
Nunca vi alguém preso achar que a sua prisão é justa.
Analiso as críticas construtivas, mas ignoro as destrutivas. Nenhum
desses golpistas defende que alguém que furtou um notebook não possa ser
preso. E eles, que atentaram contra a democracia, não podem? Os presos
são de classe média, principalmente do interior, e acham que a prisão é
só para os pobres. A Justiça tem que ser igual para todos.
Os críticos também dizem que as penas aos primeiros condenados foram altas.
Quem faz a pena não é o Supremo Tribunal Federal, é o
legislador. O Congresso aprovou uma legislação substituindo a Lei de
Segurança Nacional exatamente para impedir qualquer tentativa de golpe.
Se as penas máximas fossem aplicadas em todos os cinco crimes, pegariam
mais de 50 anos, mas pegaram 17 (no máximo). Se não quisessem ser
condenados, não praticassem nenhum crime.
Qual é a lição que fica do 8 de Janeiro?
A primeira é impedir a continuidade dessa terra sem lei
das redes sociais. Sem elas, dificilmente (os atos golpistas) teriam
ocorrido de forma tão massiva. Na parte criminal eleitoral, todos os
políticos, quando houver comprovação de participação, devem ser alijados
da vida política, além da responsabilidade penal. Quem não acredita na
democracia não deve participar da vida política do país.
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