BLOG ORLANDO TAMBOSI
A derrubada de seis mísseis hipersônicos, a arma mais moderna do arsenal russo, humilha o Kremlin e revela um expurgo à la soviética. Vilma Gryzinski:
Os
inimigos da liberdade e da democracia comemoraram quando a Rússia
anunciou que havia destruído uma bateria de mísseis Patriot, o caríssimo
e sofisticado escudo protetor que os Estados Unidos cederam à Ucrânia
(a Alemanha deu uma segunda bateria).
Durou
pouco a alegria – na verdade, foi atingido apenas um veículo do círculo
antiaéreo que cerca cada um dos preciosos Patriot, sistema que funciona
como um posto de comando com capacidade para localizar por radar e
derrubar automaticamente mísseis inimigos com seus oito lançadores.
Mas esperem: tem mais notícias espetaculares. A Ucrânia
não só derrubou os quase cem mísseis e drones que choveram sobre Kiev
na noite de segunda-feira – talvez o maior feito de toda essa guerra –,
como neutralizou seis mísseis Kinzhal, o foguete supersônico que tornava
inúteis todas as baterias antiaéreas do planeta por causa de sua
velocidade. E quem fez isso foi o não atingido Patriot, o mesmo sistema
que protege Israel das chuvas de mísseis vindas de Gaza.
As adagas – o nome do míssil em russo – na verdade estão caindo metaforicamente sobre a cabeça de Vladimir Putin.
O fracasso dos Kinzhal acabou revelando uma reação típica das antigas
épocas mais sombrias da União Soviética: três cientistas que
desenvolveram o míssil hipersônico foram presos ao longo do último ano e
acusados de traição.
As
acusações contra os cientistas, todos de um instituto de mecânica
teórica e aplicada de Novosibirsk, são baseadas em argumentos puramente
stalinistas: eles derem palestras no exterior, publicaram artigos em
revistas científicas e participaram de projetos internacionais.
“Não
só tememos pela sorte de nossos colegas, como simplesmente não sabemos
como continuar nosso trabalho”, escreveram pesquisadores que trabalhavam
com os presos. Anatoli Mastov e Alexander Shipliuk foram detidos no ano
passado e Valeri Zgentisev, colocado em reclusão por uma decisão da
justiça datada do último 7 de abril. Na carta, os cientistas defendem os
colegas como “patriotas e pessoas decentes”, além de advertir que os
participantes das pesquisas aerodinâmicas enfrentam a possibilidade de
um declínio “rápido e irreversível” por falta de renovação dos quadros e
da “continuidade interrompida”.
“Vimos
o apelo, mas os serviços especiais estão cumprindo suas funções”,
respondeu o porta-voz oficial do Kremlin, Dimitri Peskov.
A
derrubada dos mísseis hipersônicos, que alcançam velocidade Mach 10, ou
12 250 quilômetros por hora (um avião comercial voa a 900), não apenas
desmoraliza a “mãe de todos os mísseis” como põe em xeque a capacidade
de ataque nuclear impossível de ser interceptado que dava uma enorme
vantagem estratégica à Rússia. Mais ainda, o fiasco do Kinzhal levanta
dúvidas sobre todo o maior arsenal nuclear do mundo, construído com a
proeza científica que levou a antiga União Soviética a rivalizar com os
Estados Unidos e até ultrapassá-los, em termos de tonelagem.
Fora
do espectro nuclear, a grande vantagem da Rússia sobre a Ucrânia, além
da superioridade numérica, é o arsenal de mísseis capazes de fazer a
morte chover em qualquer lugar do país, sem possibilidade de reação. A
nova onda de mísseis desfechada hoje contra várias cidades ucranianas é
uma prova disso.
Mas
agora, a defesa antiaérea, reforçada pelo treinamento fornecido pelos
Estados Unidos e pelos Patriots, deu um inesperado e espetacular show na
segunda-feira. A tranquilidade com que os russos atacavam a centenas e
até milhares de quilômetros de distância foi seriamente afetada.
“Se
fomos capazes de fazer isso, não existe nada de que não sejamos
capazes”, comemorou o presidente Volodimir Zelenski. A chuva de mísseis
deveria azedar o retorno de Zelenski ao país, depois de um giro europeu
fazendo o que ele faz de melhor: pressionar, gentilmente, por mais e
melhores armamentos, incluindo os caças de alta performance, como os
F16, prêmio que até agora não conseguiu.
“É
improvável que equipamentos topo de linha sejam empregados na Ucrânia
para não permitir que sejam analisados por potenciais inimigos como
Rússia e China”, disse o analista militar britânico Sean Bell,
vice-marechal da reserva. Usando o mesmo raciocínio, ele afirmou que um
míssil avançado como o Kinzhal agora está sendo estudado pelos Estados
Unidos para entender suas vulnerabilidades.
Segundo
ele, o uso do míssil hipersônico mostra que a Rússia está esgotando seu
leque de opções e recorrendo a armamentos que teria preferido também
manter escondidos.
O
fiasco aéreo precedeu um ataque redobrado das forças russas contra a
cidade de Bakhmut, que virou ponto de honra para os dois lados.
Os
ataques russos tornaram-se mais urgentes depois que entraram em ação os
mísseis Storm Shadow, fornecidos pela Grã-Bretanha. Os foguetes têm
alcance de 300 quilômetros, capacitando-os assim a atingir depósitos de
armas e quartéis para a rodízio de tropas na retaguarda dos territórios
ucranianos ocupados. Todo o material bélico russo na Ucrânia, incluindo a
Crimeia, está agora ao alcance dos Storm Shadow.
A
guerra está longe de acabar e a Rússia tem recursos formidáveis. O fato
de que estes sejam vulneráveis, somado aos múltiplos erros cometidos
desde o início da invasão, abre uma pequena janela de oportunidade para a
Ucrânia. Por causa disso, aumenta o clamor pela “paz” dos que torcem,
nada secretamente, para a Rússia. O mais recente ator a entrar nessa
arena foi o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, que se
ofereceu para ir à Ucrânia como representante de uma liga de países
africanos em favor de negociações de paz.
Os ucranianos já demonstraram que sabem muito bem como não deixar raposas estrangeiras tomar conta do galinheiro.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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