BLOG ORLANDO TAMBOSI
A punição ao ex-procurador Deltan Dallagnol se baseia em adivinhação. É a fase mediúnica da Justiça, escreve Merval Pereira no jornal O Globo:
Continuamos
a fase mediúnica da Justiça brasileira, quando se arquiva um processo
porque ele certamente prescreverá no seu decorrer e se condena alguém
pelo que poderia fazer caso acontecesse isso ou aquilo. Tudo faz parte,
no entanto, de um esquema organizado para liberar condenados e condenar
os que os condenaram. E tudo dentro da lei, “com Supremo, com tudo”,
como previa o ex-deputado Romero Jucá. Ele, por sinal, anda livre, leve e
solto fazendo política em Brasília, embora tenha sido derrotado mais
uma vez na eleição de seu estado. A Justiça não o apanhou, mas o eleitor
sim.
No
primeiro caso, a título de exemplo, Lula não pode mais ser punido pelo
caso do tríplex do Guarujá, pois o Ministério Público Federal alegou
que, com os prazos prescricionais reduzidos pela metade, já que ele tem
mais de 70 anos, os crimes de que é acusado — lavagem de dinheiro,
corrupção ativa e passiva — já estariam prescritos se um novo julgamento
ocorresse. O processo foi arquivado, e Lula considera-se inocentado
nesse e noutros casos.
O
caso do deputado federal eleito e ex-procurador da Lava-Jato Deltan
Dallagnol, que perdeu o mandato por unanimidade em julgamento que durou
um minuto, enquadra-se na segunda hipótese. O relator do caso no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Benedito Gonçalves, usou uma
interpretação premonitória para cassar a candidatura de Dallagnol, pois
é proibido que um integrante do Ministério Público peça demissão do
cargo para evitar uma condenação. O curioso nesse caso é que não existia
nenhum processo administrativo disciplinar contra ele no Conselho
Nacional do Ministério Público (CNMP) quando se exonerou.
Mas
poderia vir a existir, alegou o ministro Gonçalves, pois havia na
ocasião 15 ações preliminares contra ele, que poderiam se transformar em
Processos Administrativos Disciplinares (PADs) que, por sua vez,
poderiam acarretar punição a Dallagnol. O relator afirmou que essas
ações preliminares “potencialmente ensejariam processos administrativos
disciplinares com eventual penalidade de demissão caso o recorrido não
tivesse requerido de forma antecipada sua exoneração”.
E
o que caracteriza a má-fé de Dallagnol, de acordo com o ministro
Benedito Gonçalves? Ele poderia ficar no cargo até seis meses antes da
eleição e, mesmo assim, resolveu sair antes. Então, ficamos assim: se
uma das ações preliminares tivesse se transformado em processo
administrativo e se o CNMP tivesse punido Dallagnol, ele teria sido
enquadrado na Lei da Ficha Limpa e não poderia ter concorrido à eleição.
Sendo assim, vamos puni-lo nesse metaverso hipotético, para que ninguém
sequer pense em burlar a legislação.
Quer
dizer que o TSE já sabia que Dallagnol seria punido pelo CNMP? E como
podia ter tanta certeza assim o relator? Então, ficamos assim: o
ex-procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol foi eleito deputado federal
com mais de 300 mil votos e está impossibilitado de exercer seu mandato
por uma adivinhação do ministro Benedito Gonçalves sobre o que poderia
ter ocorrido, seguida por todos os ministros do TSE.
Nas
redes sociais, políticos da estirpe do ex-deputado Eduardo Cunha e do
senador Renan Calheiros vibram com a condenação e já clamam pela punição
do ex-juiz Sergio Moro, contra quem também há processo no TSE. Enquanto
isso, no Congresso, segue impunemente a votação para uma anistia a
todos os atos ilegais cometidos pelos partidos políticos, desde o uso
indevido de dinheiro público até o não cumprimento das regras sobre
cotas para mulheres e negros.
Pode-se
dizer que houve excessos na Operação Lava-Jato, mas os fatos não foram
alterados. A corrupção existiu, o dinheiro foi roubado, parte dele foi
devolvida. Hoje, todos dizem que foram obrigados a delatar. Até Emílio
Odebrecht escreveu um livro onde afirma que não houve roubo da
Odebrecht. Palocci também quer desdizer o que disse, alegando ter sido
pressionado. Como disse o Capitão Nascimento, personagem de “Tropa de
elite 2”, “o sistema é f*#@”.
Postado há 1 week ago por Orlando Tambosi
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