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Na Brasília atual, nem o governo avança com sua agenda legislativa nem os parlamentares seguem com a sua. Leonardo Barreto para a Crusoé:
Hoje
há uma situação de empate em Brasília. Nem o governo avança com sua
agenda legislativa, nem os parlamentares seguem com a sua. Uma boa
metáfora para se referir a esse impasse é “guerra de trincheiras”, que
ocorreu durante a Primeira Guerra e na qual franceses, alemães, belgas e
ingleses ficaram frente a frente por dois anos no front ocidental com
muitas batalhas, muitas baixas e pouco ou nenhum avanço de parte a
parte. No Europa, assim como na Praça dos Três Poderes, ninguém tem
capacidade de se sobrepor ao outro.
A
primeira coisa a se perguntar depois desse parágrafo bélico é o motivo
pelo qual a relação entre Legislativo e Executivo é analisada em termos
de conflito e competição. A resposta se relaciona a uma diferença de
visões sobre a quem cabe o papel de formular políticas públicas.
Lula
se orienta pelo modelo de presidencialismo de coalizão, apelidado
também de governo de cooptação, no qual o Planalto desenha as soluções e
o Congresso as ratifica. As moedas de troca são emendas, cargos e
poder. Para funcionar, o Executivo tem que deter a discricionariedade
sobre o Orçamento aprovado pelos parlamentares, exercendo um
irresistível poder de barganha.
Mas,
mesmo antes de o PT sair do poder em 2016, o Congresso já vinha virando
esse jogo. Foi durante o governo de Dilma Rousseff que deputados e
senadores aprovaram, por exemplo, o Orçamento Impositivo, no qual parte
das despesas com emendas passou a ter que ser obrigatoriamente
realizada.
A
primazia do Legislativo atingiu seu auge durante o período Jair
Bolsonaro. Ainda no primeiro ano do antigo governo, quando o Planalto se
negou a montar uma coalizão, o Congresso se viu paralisado. Mas, como
não há vazio de poder, Rodrigo Maia (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado)
articularam a transferência do mecanismo de barganha do Orçamento para
seus entornos. A emendas de relator (RP9), distribuídas
discricionariamente pelos presidentes, somado à fragilidade de
Bolsonaro, fez emergir um modelo de presidencialismo no qual, em vez do
Congresso aderir ao Executivo, era o governo que corria atrás dos
parlamentares. O país passou a viver um parlamentarismo de fato.
Quando
Lula venceu a eleição, era fácil vislumbrar que haveria um ponto de
distensão à frente, quando haveria necessidade de negociar especialmente
com Arthur Lira, que consolidou e multiplicou o modelo RP9, sobre o
caminho que o Congresso seguiria. Antecipando o conflito, ambos bateram
boca pelas redes sociais, chamando-se um ao outro de “imperador”.
O
fato é que Lula entrou no jogo em desvantagem, pois lidaria com um
Congresso de perfil liberal na economia e conservador nos costumes e que
foi o autor efetivo de uma boa parte dos marcos regulatórios que o
petista prometeu desmontar. Mas Lira não sabia que um movimento que
abalaria sua dominância. O STF declarou inconstitucional as RP9 para
ajudar o Planalto a recuperar controle do processo decisório nacional.
Em
reação, Lira e os deputados trabalharam para manter a obrigatoriedade
da execução das emendas e o montante dedicado a elas. Ao fim, Lula não
retomou o controle do orçamento como em outros períodos, mas Lira ficou
desfalcado e, apesar de ter vencido a reeleição com imensa maioria, viu
seu poder de gravidade cair sensivelmente. Prova disso foi a redivisão
das bancadas da Câmara via fragmentação do Centrão em novos blocos. O
enfraquecimento do eixo central levou à divisão interna da antiga
coesão.
A
partir daí, o ponto de partida para traçar cenários é de que o
Congresso Nacional é quem tem o tempo a seu favor. Afinal, se o país
entrar em crise, a conta chega primeiro no Executivo. Por isso, o
interesse maior de sair desse impasse sempre será de Lula.
Num
primeiro cenário, Lula tenta ampliar sua base ainda por meio de
distribuição de cargos, arcando com custos crescentes e ainda de
resultados imprevisíveis. O jogo permanece mais ou menos como está e
evolui perigosamente para um ponto onde a paralisia vira uma crise de
governabilidade.
Um
segundo é Lula entregar a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco as chaves do
cofre, delegar a eles a distribuição de recursos e trazê-los para a
etapa de formulação de políticas públicas. Essa é a sugestão que o líder
do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu, tem feito ao Planalto. Nesse
caso, a dificuldade é a profunda falta de confiança entre Lula e Lira,
além de uma aparente rendição do governo frente aos olhões dos seus
eleitores.
Há
também um terceiro cenário. Nesse, é Lira quem busca a ofensiva com uma
coordenação entre líderes para verticalizar a Casa, mas a partir do
colegiado. Agindo articuladamente, passa a ter de novo controle sobre o
Orçamento e a possibilidade de impor uma pauta ao governo, revivendo a
sensação de um governo parlamentar.
Na
Primeira Guerra, os dois lados estavam extenuados e se mantiveram de pé
apenas porque, principalmente no caso alemão, desistir significaria,
como de fato aconteceu, a queda do regime e a substituição das elites
governantes. No “presidencialismo de trincheira”, o empate também ameaça
cabeças, especialmente a do Executivo, cada vez mais pressionado por
indicadores ruins e pilhas de intenções que ele não tem coragem de
mandar para o campo. Para o Congresso, o que pode acontecer, e já está
ocorrendo, é Lira e Pacheco deixarem de controlar suas próprias
sucessões e enfrentar dificuldades em votações como não estavam
acostumados.
Curioso
avaliar que a ação do STF de desarmar o Legislativo talvez não tivesse a
intenção de criar ingovernabilidade, mas foi exatamente o que
conseguiu.
Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br
Postado há 5 days ago por Orlando Tambosi

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